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terça-feira, 12 de novembro de 2024

Manto de Outono

 

Manto de Outono. Vale de Rodão. Fotografia de Catarina Matos.


À minha filha Catarina

O testemunho da joaninha
O manto de Outono é a preparação da Primavera que há de vir e na qual a Natureza ciclicamente renasce.
A joaninha é a testemunha viva, ainda que silenciosa mas alegremente pintalgada, dum retemperar de forças que a Terra Mãe urde para gáudio de todos nós.

Simbolismo da joaninha
Uma joaninha pode comer mais de 200 pulgões por dia. Como estes últimos insectos são considerados pragas para as plantações, as joaninhas são encaradas como um insecticida natural, o que constitui uma sorte para os agricultores. Daí as joaninhas serem consideradas um símbolo de sorte, além de representarem a protecção, a renovação, a harmonia e o equilíbrio.

A joaninha na literatura oral
Em primeiro lugar, destaco uma lengalenga que integra o imaginário da nossa infância. Trata-se da: ”JOANINHA VOA”, cujo conteúdo proclama:

“Joaninha, voa, voa
Que o teu pai está em Lisboa
Com um caldinho de galinha
Para dar à Joaninha.

Joaninha, voa, voa
Que o teu pai está em Lisboa
Com um rabinho de sardinha
Para comer que mais não tinha…

Joaninha, voa, voa
Que o teu pai foi a Lisboa
Com um saco de dinheiro
Pra pagar ao sapateiro.

Joaninha, voa, voa
Que o teu pai foi pr’a Lisboa
Com um saco de farinha
Para dar à avozinha.

Joaninha, voa, voa
Que o teu pai está em Lisboa
Tua mãe está no moinho
A comer pão com toucinho.”

Em segundo lugar, refiro o único provérbio que conheço sobre joaninhas e que as incita a voar, porventura para combaterem os pulgões nocivos às plantas: "Joaninha voa voa, leva as cartas a Lisboa."
A finalizar, relato uma saborosa adivinha:
PERGUNTA: - Qual é o cúmulo da vaidade?
RESPOSTA: - É a joaninha comprar creme para tirar os pontos negros!

Vem aí o Inverno
Em breve a joaninha hibernará para renascer na Primavera e prosseguir o inescapável Ciclo da Vida. Mas isso é outra estória...

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

NA JANELA DO TEMPO


 Novo livro de Georgina Ferro apresentado

na Sociedade de Artistas Estremocense

Reportagem de Hernâni Matos. Fotografias de Manuel Xarepe


João Ferro na abertura da sessão. Na mesa: Fernando Mão de Ferro, Georgina Ferro
e Hernâni Matos. 

Um aspecto da assistência.

A Sessão de apresentação
Com o Salão de Festas da Sociedade de Artistas Estremocense literalmente cheio, teve lugar a partir das 16 horas e 30 minutos do passado dia 28 de Setembro, a sessão de lançamento e apresentação do livro “NA JANELA DO TEMPO / TRADIÇÃO, CONTRABANDO E EMIGRAÇÂO”, da autoria de Georgina Ferro, editado em Julho passado pelas edições Colibri, com uma tiragem de 500 exemplares.
A sessão foi coordenada por Fátima Crujo e a intervenção de abertura coube a João Ferro, Presidente da Direcção. Na Mesa encontravam-se o editor do livro, Fernando Mão de Ferro, Hernâni Matos e a autora, que falaram por esta ordem.
Coube a Hernâni Matos fazer a apresentação formal da obra, finda a qual solicitou uma calorosa salva de palmas para a autora, que agradeceu emocionada. Seguiu-se a leitura de excertos de estórias do livro pela filha Sónia Ferro e pelos netos Clara Ferro e Tiago Ferro. No final, a autora autografou o livro para o muito público presente.


Hernâni Matos fazendo a apresentação formal da obra.

A filha Sónia Ferro, lendo um excerto do livro.

Os netos Clara e Tiago Ferro, lendo passagens do livro.

A autora Georgina Ferro, autografando o livro.

A autora
A autora, professora aposentada do 1º ciclo, é natural de Manteigas, onde nasceu a 8 de Dezembro de 1948, dia consagrado a Nossa Senhora da Conceição. Daí que, segundo diz, se tenha sentido “sempre abençoada e protegida por todas as mães: a Mãe Natureza, a Mãe Celestial e a Mãe da Terra”. A autora revela-nos que repartiu o tempo de infância ente Manteigas, Aldeia do Bispo (Sabugal) e Covilhã. Frequentou a Instrução Primária até à 3ª classe em Aldeia do Bispo (Sabugal) e a 4ª classe em Manteigas. Ingressou depois no Ensino Liceal no Colégio de Nossa Senhora Auxiliadora, no Monte Estoril. Em 1967 ingressou na Escola do Magistério Primário de Évora e terminado o Curso, começou a leccionar o Ensino Primário no ano de 1969 em Rosário (Alandroal), a que se seguiram Veiros, Selmes (Vidigueira), Aldeia da Serra e Glória, onde leccionou 32 anos, até se aposentar em 2003.
Fixou-se em Estremoz em 1972 e aqui casou e teve 3 filhos: Sónia, Pedro e Inês. Sem nunca ter perdido os laços afectivos à terra natal e aos territórios da sua infância, Georgina é cumulativamente uma estremocense adoptiva, que tem participado activamente na vida social da Comunidade em múltiplos aspectos: educativos, cívicos e culturais.
Conheço seguramente a Georgina desde o início do exercício do Magistério Primário na Freguesia da Glória, da sua ligação à Comunidade, do seu reconhecimento por parte da mesma e do seu amor às coisas campaniças.
Lembro-me de partilhar há muito com a Georgina uma grande admiração pelo “Ti Rolo” da Aldeia de Cima (Glória), que exercia sobre nós um fascínio incomensurável, pela sua oralidade transbordante e pelos artefactos de arte pastoril nascidos das suas mãos mágicas, nos quais projectava toda a imaginária popular, lavrada em chifres e paus sabiamente escolhidos.
Lembro-me do nascimento da sua filha Sónia e tive o privilégio de ser professor de Física de 12º ano do seu filho Pedro. Foi uma experiência encantadora, pois além do Pedro ser um aluno fortemente motivado, eu tive oportunidade de pôr em prática o método de ensino-aprendizagem personalizado, preconizado por muitos pedagogos. É que o Pedro era o único aluno da turma. Nenhum de nós deixou os seus créditos por mãos alheias e a experiência pedagógica foi um êxito.
Lembro-me do envolvimento da Georgina no Projecto Serra de Ossa, desde o início, no tempo da liderança de Gil Malta e de ela ter participado em 1998, conjuntamente com outros professores, entre os quais eu me incluo, nas “Segundas Jornadas da Serra d’Ossa”, levadas a efeito na Escola Secundária da Rainha Santa Isabel. A sua bem-sucedida intervenção oral nessas jornadas, foi o embrião dos seus primeiros livros, publicados ambos em 2005: “Plantas Medicinais da Serra d'Ossa” e “Por um Amanhã Mais Verde, Mezinhas Caseiras com Plantas da Serra d'Ossa”.
Em Setembro de 2012, a Georgina concedeu-me o privilégio de participar na apresentação pública do meu livro “Memórias do Tempo da Outra Senhora”, o que muito me congratulou.
Em Dezembro de 2013 a Georgina brindou-nos com o lançamento do seu livro de poesia “O MEU ARRAIAR POR TERRAS DO SABUGAL”, editado pela Colibri, o qual foi apresentado na Casa de Estremoz pela Maria do Céu Pires e pela Francisca de Matos.
Desta feita, coube-me a mim fazer a apresentação formal do seu mais recente livro “NA JANELA DO TEMPO / TRADIÇÃO, CONTRABANDO E EMIGRAÇÂO”, na sequência do convite que me foi endereçado pela autora e que eu gostosamente aceitei.


A obra
Fisicamente é um livro brochado, de 22,8 x 16 cm e 236 páginas, dado à estampa pelas prestigiadas Edições Colibri de Fernando Mão de Ferro. Tem capa a cores de Raquel Ferreira, gizada a partir de fotografia de Abel Cunha. Na primeira badana figura uma pequena biografia e a fotografia da autora e na segunda badana, um excerto de uma das estórias do livro. Este tem prefácio de José Carlos Lage, o qual confessa que é “Fácil e ao mesmo tempo difícil” falar das poesias e das crónicas de Georgina. Por sua vez, em posfácio impresso na contracapa, Francisca de Matos afirma e muito bem, que “Esta obra é, sobretudo, uma grande lição de vida, um legado que não deve, não pode ser esquecido”.
O livro é um livro de estórias ou não fosse Georgina, para além de notável poetisa, uma extraordinária contadora de estórias. Não estórias quaisquer, nem tão pouco inventadas ou arquitectadas, mas estórias reais ocorridas no tempo da sua infância, repartida entre Manteigas, Aldeia do Bispo (Sabugal) e Covilhã.
São estórias com personagens reais, de carne e osso, como o Ti Júlio, a Ti Mariana, a Senhora Isabel Augusta, o Ti Zé Ramos, a Menina Zéfinha, o tio António Pantalona, o tio Zé Manso e não sei quantos mais, numa infinidade numerável que não consegui quantificar. São eles que constituem aquilo que com orgulho, Georgina chama “A Minha Gente”.
São estórias contadas e redigidas numa escrita fluida e ágil, eficaz na pintura descritiva das paisagens rurais e do interior das casas aldeãs. Escrita que é também uma partilha intimista das emoções e sentimentos dos personagens, incluindo Georgina, também ela própria, personagem por direito próprio e inalienável. Tudo sempre minuciosamente filigranado ao pormenor, numa linguagem rica, valorizada pelo uso de vocábulos regionais, cujo sentido, se necessário pode ser decifrado num glossário que antecede o índice final.
São estórias do tempo em que nas aldeias se tocavam as Trindades.
As hortas eram regadas com água tirada das noras e das picotas. Comia-se daquilo que a terra dava e em situações de carência havia partilha e entreajuda ente vizinhos e familiares. Todavia, a falta de dinheiro para bens de mercearia e para comprar entre outras coisas, petróleo para alumiar, levavam alguns, mais aflitos e mais afoitos, a entrar no contrabando através da raia de Espanha ou a dar o salto para França.
Apesar de tudo ou talvez por isso, rezava-se a Deus, à Mãe de Jesus, ao Anjo da Guarda e a Santo Antão para proteger o gado.
A menina Zefinha andava de taleigo à cabeça, a ti Mariana remendava as ceroulas do Ti Júlio e a ti Neves do Ti Júlio punha-lhe ventosas e papas de linhaça, a ver se ele arribava.
A roupa era cosida, remendada e transformada, passando dos mais crescidos para os mais pequenos. O pão era amassado de tarde para ficar a dormir à noite e os mais velhos davam a bênção aos mais novos antes destes adormecerem.
Isto e muito mais, são registos de memórias de tempos idos dos personagens do livro. Tempos e vivências difíceis e duras, mas também de afectos, partilhas e tradições numa Comunidade onde Georgina nasceu e cresceu, com a qual se identifica e que pela mesma é reconhecida e idolatrada.
Georgina é, pois, uma guardadora de memórias, muitas delas guardadas no presente livro e que por serem reconhecidas pela Comunidade que a viu nascer e crescer, integram a memória colectiva local e contribuem com a sua quota parte para a memória colectiva regional e para a memória colectiva nacional.
É a memória colectiva que nos ajuda a construir e manter a nossa identidade cultural e histórica, preservando tradições, valores e experiências comuns.
É a memória colectiva que nos permite aprender com os erros e sucessos do passado, o que é essencial para o desenvolvimento e a evolução da sociedade.
A memória colectiva desempenha um papel crucial no exercício da cidadania e da democracia, pois é através da memória colectiva que as lutas e conquistas dos nossos antepassados são lembradas e honradas, incentivando a luta por um futuro melhor e mais justo.
Daí a importância de que se reveste o livro, cuja leitura vivamente recomendo.

Hernâni Matos

segunda-feira, 22 de julho de 2024

No tempo em que não havia “Barbies”






BONECAS DE TRAPO
(Colecção Hernâni Matos)

No tempo em que não havia “Barbies”, as crianças brincavam com bonecas de pano, vulgo “bonecas de trapo”, feitas por uma mulher da Família, aproveitando retalhos de tecidos que tinham sobrado da confecção de peças de vestuário. Havia ainda a possibilidade de aproveitar peças de vestuário que tinham caído em desuso, porque estavam puídas, rotas, rasgadas ou desbotadas.

Com uma tal manufactura, a mulher da Família (mãe, avó, tia ou irmã) dava à criança a quem a boneca era destinada, três grandes lições:

- A primeira era uma lição de economia circular, já que havia o reaproveitamento de tecidos que havia sido abatidos ao serviço, mas que assim continuavam a ter préstimo. A criança ficava assim a perceber a importância do combate ao desperdício;

- A segunda era uma lição de amor, dada pela mulher da Família à criança que a recebia, o que contribuía para o reforço dos laços inter-geracionais;

- A terceira lição era uma lição de pedagogia. já que a dádiva constituía um incentivo ao brincar, actividade insubstituível na formação e socialização da criança.

Nem sempre o passado foi melhor que o presente, mas em muitos casos foi e há contextos que podem ser apontados como exemplos a seguir. É o caso das “bonecas de trapo”, aqui apresentado como paradigma.

 Hernâni Matos

sábado, 11 de maio de 2024

Atributos, pormenores, estilo e liberdade cromática



Mariano da Conceição (1903-1959)

Prólogo
O presento texto visa clarificar e consolidar conceitos inerentes à Barrística Popular de Estremoz. Tem, pois uma função pedagógica. É ilustrado com imagens de 14 ceifeiras produzidas por 12 barristas, desde os anos 30 do séc. XX, até à actualidade.
A ausência de exemplares de alguns barristas, apenas é devida ao facto de até ao presente não me ter sido possível inclui-los na minha colecção. As aquisições têm ocorrido ao acaso, fruto de circunstâncias e oportunidades. A ausência de exemplares de alguns barristas não significa, de modo algum, um juízo de valor sobre o trabalho dos “ausentes”. É sabido que como coleccionador e investigador da Barrística Popular de Estremoz, tenho dado provas de apreciar o trabalho e a matriz identitária do trabalho de cada um e assim continuará a ser.
Atributos
Na Barrística Popular de Estremoz, cada um dos chamados “Bonecos da Tradição”, goza de determinados atributos. Estes não são mais que as particularidades invariantes que um barrista deve ter em conta na produção de cada uma dessas figuras. Essas particularidades estão associadas a cada uma dessas figuras e ajudam a identificá-las.
Pormenores
Para além das particularidades invariantes atrás referidas, existem outras particularidades variáveis (pormenores) cuja inclusão na manufactura de uma figura, depende do livro arbítrio do barrista.
Estilo
O estilo é a maneira como cada barrista se exprime, fruto do seu modo próprio de observar e interpretar o mundo que o cerca, revelando a sua individualidade através de marcas identitárias que lhe são próprias e que se repetem ao longo da sua produção. Depende de múltiplos factores, entre eles: o talento, a cultura artística, a criatividade e o brio profissional. Deste modo, como resultado da produção, podem resultar figuras mais simples (populares) ou mais elaboradas (eruditas).
A pluralidade de resultados distintos possíveis de obter na produção de uma figura, mesmo dos chamados “Bonecos da tradição”, é reveladora da riqueza da Barrística Popular de Estremoz.
Liberdade cromática
No século XXI surgiram barristas que não trilharam os caminhos habituais de aprendizagem: contexto oficinal e contexto familiar, que condicionam sempre a concepção, a modelação e a decoração. À semelhança do que já se passara com outros, como foi o caso de Sabina da Conceição Santos (1921-2005) e de Mário Lagartinho (1935-2016) que aprenderam por autoformação, o mesmo se veio a verificar com outros como: João Fortio (1951- ), Rui Barradas (1953- ), Carlos Alves (1958- ) e Jorge Carrapiço (1968- ). Por outro lado, no Palácio dos Marqueses de Praia e Monforte em Estremoz, teve lugar em 2019 um Curso de Formação sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz, orientado tecnicamente pelo barrista Jorge da Conceição (1963- ). Aqui os formandos aprenderam e aplicaram os fundamentos da modelação e da decoração para virem a aplicar na sua actividade como barristas, sem a preocupação da obrigatoriedade de ter que seguir os traços identitários do formador ou de qualquer outro barrista, nomeadamente no que respeita a cores. Pelo contrário, ficaram com a consciência de que deviam procurar duma forma incessante o seu próprio caminho e a sua própria matriz identitária.
Epílogo
A Barrística Popular de Estremoz quer-se viva, pelo que deve reflectir os anseios e a sensibilidade dos seus criadores, para além dos contextos de produção ou inerentes ao tema abordado, mas sempre com integral respeito pelo modo de produção e pela estética dos Bonecos de Estremoz.
A Barrística Popular de Estremoz não se pode limitar a ser uma linha de montagem e de reprodução dos modelos criados pelos mestres e pelas mestras. Se o fosse, estaria embalsamada no tempo e seria merecedora de um funeral condigno.
É preciso perceber de vez que a Barrística Popular de Estremoz não é como o Pai-nosso que só pode ser dito de uma maneira.



Sabina da Conceição Santos (1921-2005)


Sabina da Conceição Santos (1921-2005)

Liberdade da Conceição (1913-1990)

José Moreira (1926-1991)

José Moreira (1926-1991)

Fátima Estróia (1948-   )


Irmãs Flores (1957, 1958 -    )

Quirina Marmelo (1922-2009)

Isabel Catarrilhas Pires (1955 -  )

Carlos Alberto Alves (1958 - )

Inocência Lopes (1973 -    )

Ana Catarina Grilo (1974 -   )

Joana Santos (1978 - )

domingo, 23 de julho de 2023

Costurar é preciso!

 

Mulher a cozer à máquina. José Carlos Rodrigues (1970- ). 
Bonequeiro de Estremoz certificado pela Adere-Certifica.

A máquina de costura é um objecto primordial que povoa o universo de memórias da minha infância.
Nasci no número 14 do Largo do Espírito Santo em Estremoz, no dia 19 de Agosto de 1946. Ali se situava a primeira oficina de alfaiate do meu pai. Daí que algumas das memórias de infância sejam de natureza acústica e tenham a ver com o regime de funcionamento da máquina, entre um arranca e um pára, ao sabor do tamanho da costura. Familiarizei-me, de resto, com diferenças de sonoridade associadas a costuras lineares, em ziguezague e pespontadas. Todavia, também há outras que fui registando desde muito cedo, até porque menos agradáveis. Entre elas, o partir da linha, o enfiar da agulha, a mudança de bobine e até mesmo o partir da agulha. Tudo contratempos que perturbavam o ritmo do ganha pão diário lá de casa.
Lá fui crescendo no meio de costureiras que tratavam o meu pai respeitosamente por Mestre e aí pelos 15 anos fui recrutado como aprendiz no decurso das férias escolares. Com uma cajadada, o meu pai matou dois coelhos: para o que desse e viesse, pôs-me a aprender os rudimentos do ofício, ao mesmo que me subtraía à rua, onde entre a rapaziada já havia quem gostasse de “Rock'n and Roll” e sem ele o saber, eu era um deles.
Parece que tinha o destino marcado e lá comecei a desempenhar as tarefas mais simples destinadas a um aprendiz, o que incluía não só cozer à mão, como também à máquina. E era aqui que eu renascia sempre que ao cozer entretelas, descarregava as tensões acumuladas ao ritmo do pedal da máquina. Era um indício bastante forte de que a minha vida não iria ser aquela.
Por isso, quando o meu pai equacionou o meu ingresso no Ensino Secundário, eu acarinhei a ideia com o compromisso solene de me empenhar mais que até aí, acordo que sempre cumpri.
A partir daí passei a encarar a máquina de costura com outros olhos.
Como estudante de Física vim a perceber que o movimento de vaivém do pedal da máquina, é transformado pelo sistema biela-manivela, em movimento de rotação da roda grande inferior, o qual através duma correia se transmite à roda pequena superior, que assim atinge uma velocidade muito superior, indispensável ao funcionamento eficaz da máquina de costura. Percebi também que é graças à inércia de rotação, que a máquina continua a trabalhar, mesmo após termos deixado de dar ao pedal.
Como membro responsável desta aldeia global que é o mundo, reconheço o contributo da máquina de costura caseira para a sustentabilidade do planeta. Com ela se podem reparar rasgões ou tapar buracos, reconverter modelos ou ajustá-los ao tamanho dum novo utilizador. Tudo isto numa prática de economia circular, a qual combate o desperdício da Sociedade do Descartável, que inescapavelmente conduz ao ecocídio.
Não é de estranhar que a máquina de costura ocupe um lugar privilegiado cá em casa, não como mero adorno decorativo, mas como instrumento de economia circular ao serviço da sustentabilidade do planeta. Trata-se de uma máquina SINGER centenária, que me foi oferecida pela minha mãe há cerca de 50 anos, após a sua aquisição aos herdeiros de uma velha senhora, acompanhada do catálogo do modelo e do respectivo recibo de compra.
Como coleccionador, investigador e publicista de Bonecos de Estremoz, não podia deixar de me encantar com uma criação do barrista José Carlos Rodrigues, representando a “Mulher a cozer à máquina”, em contexto de inícios do séc. XX com matriz alentejana (chão de tijoleira e cadeira pintada com flores).
Felicito vivamente o bonequeiro por este seu trabalho, não só pelo trabalho em si, mas porque nele estão interligados dois conceitos que me são gratos: a economia circular ao serviço da sustentabilidade do planeta e o Património Cultural Imaterial da Humanidade cuja salvaguarda é imperativa.

sexta-feira, 7 de julho de 2023

Aníbal e a preservação da (tua) memória



Reportagem de NOEL MOREIRA, 
publicada no jornal E, nº 316, de 7 de Julho de 2023,
de onde foi transcrita com a devida vénia

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No passado Domingo, 02 de Julho de 2023, decorreu no Auditório da Biblioteca Municipal de Estremoz a Sessão Evocativa a Aníbal Falcato Alves, promovida e dinamizada pela Comissão Concelhia de Estremoz do Partido Comunista Português. O anfiteatro foi pequeno para todos os que quiseram partilhar as suas histórias e vivências com o Aníbal, para os que simplesmente quiseram saber mais sobre este estremocense ou simplesmente prestar-lhe uma homenagem.
A sessão abriu com um momento cultural intitulado “Palavras de Abril”, a cargo do Grupo Cénico da Sociedade Operária de Instrução e Recreio “Joaquim António de Aguiar”, seguindo-se as intervenções dos convidados: José Emídio Guerreiro (sociólogo e ex-Presidente da Câmara Municipal de Estremoz) e de Abílio Fernandes (economista, militante do PCP, antigo deputado da Assembleia da República e ex-Presidente da Câmara Municipal de Évora), com quem o Aníbal partilhou momentos e histórias. Passou-se posteriormente a palavra aos que assistiram à sessão: todos os presentes poderiam intervir, partilhando as suas experiências, histórias ou aprendizagens com Aníbal Falcato Alves, através de curtas intervenções.
Como fiz questão de afirmar publicamente na sessão evocativa, nunca tive o privilégio de me cruzar com o Aníbal, visto que aquando da minha chegada a Estremoz, em 2009, o Aníbal já tinha falecido há mais de uma década. Apesar de quase três décadas decorridas, escutei nesta sessão histórias sobre ele, daquilo que tinha sido a sua intervenção social e política (até estudos sobre o eucaliptal e gestão de água na Serra d’Ossa realizou), do seu trabalho na preservação da memória do povo alentejano, da sua obra e da sua luta contra o regime fascista e a sua importância no pós-25 de Abril na região. Aquando da decisão da Comissão Concelhia em promover esta sessão evocativa, comecei a conhecer mais sobre a vida e obra deste ilustre estremocense, a sua história (e as suas histórias), as suas lutas, a sua intervenção e no fim de tudo isto fiquei a admirar profundamente o Aníbal Falcato Alves.


E quem foi o Aníbal? Qualquer coisa que possa escrever sobre ele nas páginas deste jornal soar-me-á sempre a pouco, face a tudo o que fui conhecendo, lendo e escutando, mas também face à emoção que cada um colocava na voz quando falava dele, face àquilo que ele fez por Estremoz e pelo Alentejo, pelo esforço para o acesso inclusivo à cultura, pela luta da liberdade enquanto muitos se refugiavam nas suas casas, no conforto podre do silêncio imposto pela ditadura fascista. Mas não posso deixar de tentar fazer aqui uma pequena resenha do que foi o Aníbal, socorrendo-me do conjunto de testemunhos daqueles que com ele conviveram de perto e daquilo que li… Arrisco fazê-lo, mesmo sobre pena de não conseguir atingir a sua dimensão enquanto homem, estremocense, alentejano, comunista, resistente antifascista, homem da cultura, mas não posso deixar de o fazer sobre pena de deixar passar em branco este momento, esta sessão solene.
Nascido em Estremoz, em 1921, Aníbal Falcato Alves foi mais do que um intelectual da cultura, mais do que professor, mais do que um resistente antifascista, mais do que um promotor do Alentejo, da sua cultura, gastronomia, património oral e das suas raízes, mais do que um amante de cinema, da literatura e da arte, mais do que um comunista. Aníbal Falcato Alves foi tudo isto numa única pessoa.
Bem cedo, com apenas 10 anos, Aníbal Falcato Alves começou a trabalhar como caixeiro, num pequeno estabelecimento da sua família. Começou por trabalhar sem qualquer salário e citando quem o conheceu, usando o seu humor refinado, dizia que “todos os anos o patrão lhe aumentava o salário para o dobro”. Acabou mais tarde por abrir o seu próprio negócio – uma Livraria e Papelaria na rua 5 de Outubro, onde não vendia apenas livros; o Aníbal permitia a consulta e leitura dos livros aos mais novos e aos que tinham menos posses, mas também clandestinamente transacionava livros proibidos pela censura fascista da ditadura de Salazar, semeando a inquietação, a resistência à ditadura, a liberdade, no fundo os ventos que mais tarde acabariam por dar origem à afirmação da Revolução dos Cravos. Citando Hernâni Matos, a Livraria do Aníbal era muito “mais que simples loja era um espaço de convívio e de resistência”.


Mas a sua apetência para as artes manuais acompanhava-o. Tirou o curso de canteiro artístico e durante vinte anos (1971 - 1991) foi professor de trabalhos manuais. Aqui influenciou várias gerações de estremocenses, desde os alunos aos colegas, desde os mais pequenos aos graúdos. E claro, Aníbal utilizou a sua apetência para as artes como ferramenta para primeiro combater o fascismo e depois semear os ventos de liberdade vindos com o 25 de Abril de 1974. O Aníbal foi artista plástico, ceramista, pintor, o que o levou a expor em mais de 30 exposições individuais e coletivas por todo o país. Mas o seu legado vai muito para além das obras da sua autoria. É talvez na recolha, preservação e salvaguarda dos hábitos, dos costumes, tradições e do património do Alentejo e das suas gentes, seja ele gastronómico, material (caso dos bonecos de Santo Aleixo ou do artesanato) ou imaterial, que a obra do Aníbal ganha destaque e se eterniza na espuma dos dias que hoje correm. Introduzo aqui a obra escrita do Aníbal, que se focou na preservação deste património oral e das tradições do Alentejo, tendo sido autor de duas obras principais: (1) “Comeres dos Ganhões” (nas suas múltiplas edições desde 1985), onde se inclui a recolha das receitas dos ganhões, hoje incluída na “gastronomia típica alentejana”, e um conjunto de relatos sobre a natureza e origem dessa gastronomia (não, não é um mero livro de receitas como alguns querem fazer crer); (2) “Rezas e Benzeduras” (publicado em 1998), uma coletânea de orações, ensalmos e benzeduras, muitas delas resultantes dos trabalhos de recolha com o etnólogo Michel Giacometti; no fundo a transcrição para papel da cultura popular alentejana. Em nenhuma das obras o Aníbal descurou do enquadramento sociopolítico dos quais resulta este património, atitude politicamente ativa que de alguma forma lhe corria no sangue.


É esta pro-atividade, obviamente acompanhada da sua visão plural e igualitária do mundo, com forte intervenção social, que o fez ser também um cidadão diferenciado, tendo sido um dos promotores do certame gastronómico anual “Cozinha dos Ganhões”, que hoje tanto orgulha Estremoz e os estremocenses, apesar de hoje já pouco restar da sua essência primordial – a vivência e memória gastronómica dos ganhões alentejanos. Foi também fundador do Cine Clube de Estremoz, então um dos mais importantes do país, tendo tido ainda um papel fundamental na constituição dos cineclubes de Elvas e Portalegre, e foi membro fundador do Círculo Cultural de Estremoz.
Falar de Aníbal Falcato Alves e não falar da sua intervenção política é quase que um desrespeito pela sua memória. Como já mencionado atrás, foi pela cultura que Aníbal combateu o fascismo, quer pela transação de livros considerados ilegais pelo regime fascista, quer pela sua obra, quer pela sua intervenção no Cine Clube de Estremoz. O Aníbal teve uma destacada participação na luta clandestina contra o regime, tendo-se tornado militante do Partido Comunista Português em pleno período da ditadura fascista. Para além disso integrou e participou ativamente nas campanhas do General Norton de Matos e Humberto Delgado, opositores ao regime fascista de Salazar. Apesar de tudo isto, a teia do fascismo, nomeadamente a polícia política do regime (PIDE), nunca o conseguiu demover nem prender, apesar das numerosas tentativas, denúncias e queixas apresentadas, como comprovam os documentos da PIDE presentes na Torre do Tombo. Depois do 25 de Abril teve também um papel destacado na organização dos trabalhadores rurais durante a reforma agrária, o que lhe permitiu também um profundo conhecimento do mundo rural, o que teve uma influência clara em toda a sua obra escrita. A transversalidade do Aníbal resulta de um profundo conhecimento do mundo real, das dificuldades sentidas e das vivências das gentes. Na sua vasta e ativa vida conviveu de perto com trabalhadores das pedreiras, agricultores ou artistas plásticos, analfabetos e professores, artistas de renome e ilustres desconhecidos…É portanto fácil aceitar a sua transversalidade perante as mais diversas camadas da sociedade civil quando também foi transversal na ação de consciencialização da população, lutando contra a alienação das massas, lutando pela liberdade, lutando por uma vida melhor e mais igualitária para todos.
Aníbal Falcato Alves faleceu em Junho de 1994, tendo deixado Estremoz e o Alentejo mais pobres.
A sessão evocativa decorrida no passado domingo mostrou de forma cabal a transversalidade e unanimidade da figura do Aníbal, com largas dezenas de pessoas de Estremoz, do Alentejo, do país a deslocar-se ao Auditório da Biblioteca Municipal de Estremoz para estarem presentes nesta sessão evocativa, apesar do calor tórrido que se fazia sentir nesse dia. Uma coisa é certa, a memória do Aníbal e do seu legado estão bem vivos na cabeça de todos aqueles que com ele conviveram, e a sua ação e obra vai muito para além daquilo que produziu fisicamente; ele mudou consciências, ele influenciou vivências, ele trabalhou para uma sociedade melhor e mais justa!
Pela preservação da memória do Aníbal e do seu legado é portanto fundamental que a ação não morra dentro das paredes da sala daquele auditório. Foi neste sentido que os eleitos da CDU apresentaram na sessão ordinária da Assembleia Municipal de Estremoz do passado dia 29 de Junho de 2023 a moção intitulada “Aníbal Falcato Alves: uma vida e obra dedicada à cultura Alentejana e à luta pela liberdade”, a qual foi aprovada por unanimidade dos presentes, e na qual se solicita ao Executivo Municipal que: (1) reedite e promova da obra “Os Comeres dos Ganhões: memória de outros sabores”; (2) promova uma exposição da obra plástica de Aníbal Falcato Alves, podendo a mesma ser incluída nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril no concelho.
Também da sessão evocativa saiu a proposta da edição de uma obra onde se compile as mais diversas memórias e relatos das pessoas que conviveram de perto com o Aníbal Falcato Alves, de forma a deixar vivo o seu legado e a memória coletiva da sua ação enquanto professor, Homem, intelectual da cultura, resistente antifascista e comunista.
Se uma das grandes obras do Aníbal foi a preservação da memória do Alentejo, a nossa tarefa hoje é preservar a memória do Aníbal!

Noel Moreira
Publicado a 6 de julho de 2023
Publicado no jornal E, nº 316, de 7 de Julho de 2023



Hernâni Matos

quinta-feira, 20 de abril de 2023

A incomensurável beleza e diversidade da geometria natural

 

A Natureza na sua gigante insignificância. Fotografia de Manuela Mendes.


A NATUREZA NA SUA GIGANTE INSIGNIFICÂNCIA, foi a legenda associada por Manuela Mendes, à magnífica fotografia que publicou no seu Facebook, a qual aqui reproduzo.
A imagem, de uma beleza extraordinária, revela a coabitação num tronco de eucalipto, de dois frutos (cápsulas) deiscentes, que se abrem, um por 4 e outro por 5 válvulas apicais, por onde podem sair muitas sementes.
Sem rejeitar aquela legenda, alvitrei, todavia, como legenda alternativa a seguinte: A INCOMENSURÁVEL BELEZA E DIVERSIDADE DA GEOMETRIA NATURAL.
Repare-se que as válvulas num caso assumem a forma de uma cruz, simbolicamente associada a Jesus, encarado como condutor de multidões e salvador do mundo.
No outro caso, as válvulas assumem a forma de uma estrela de 5 pontas, curiosamente o símbolo do internacionalismo proletário, dos trabalhadores que lutam pela emancipação social.
A natureza parece oferecer dois caminhos distintos, que provavelmente sob um ponto de vista epistemológico não serão opostos, já que cada um à sua maneira, aposta na valorização humana.

 Hernâni Matos
Publicado inicialmente em 20 de Abril de 2023 

sábado, 18 de março de 2023

Muros de pedra seca

 

Algures na freguesia de Beirã, concelho de Marvão. Fotografia de Manuela Mendes.

À Manuel Mendes, a quem agradeço
a gentileza de me ter autorizado a utilizar
esta excelente imagem por si captada,
algures no norte alentejano
e que esteve na origem do presente texto.

Que vejo eu?

Uma estrada que já conheceu melhores dias. Que vai dar não sei para onde. Talvez para o cú de Judas!

Árvores que se tocam e se beijam nas copas.

Valetas que já o foram, atapetadas por ervas que ali, ciclicamente se agigantam e depois perecem com o ciclo inescapável das estações.

Nuvens que não chegam para toldar um céu que se quer azul e se associa simbolicamente à serenidade, à harmonia e à espiritualidade. Céu onde nos ensinaram estar Deus, Todos-os-Santos e os Anjos.

Muros de pedra seca, votados ao abandono e que ladeiam a estrada como se fossem condenados. Muros que se tivessem mãos, as ergueriam para o céu e pensando nos edis, clamariam:

- PERDOAI-LHES PAI, QUE ELES NÃO SABEM O QUE FAZEM!

quinta-feira, 7 de julho de 2022

Município e ambiente - Uma no cravo, outra na ferradura

 

Pintura do projecto “O mar começa aqui” do Jardim de Infância de Santa Maria,
concretizado num sumidouro, junto à Praça de Táxis na Praça Luís de Camões,
em Estremoz. A memória descritiva do projecto, pode ser lida aqui .

Fotografias reproduzidas
com a devida vénia
do sítio do projecto

Sob o lema “Salvar os oceanos, proteger o futuro”, decorreu entre 27 de Junho e 1 de Julho passado, em Lisboa, a Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, co-organizada pelos governos de Portugal e do Quénia.
Entre muitas outras conclusões, o documento final da Conferência dos Oceanos reconhece a importância da contribuição das crianças e jovens no sentido do avanço de uma economia sustentável baseada nos oceanos, o que pressupõe uma educação de qualidade e da literacia dos oceanos. Vejamos o que já foi feito nesse sentido em Estremoz.

Projecto "O mar começa aqui"
No início do mês de Junho foram pintadas pelo Agrupamento de Escolas de Estremoz, sarjetas e sumidouros na cidade. A iniciativa integrou-se no projecto Eco-Escolas “O mar começa aqui”, o qual contou com a participação de: Escola da Mata, Escola do Caldeiro, Jardim de Infância de Santa Maria e Escola Básica Sebastião da Gama. Estas aceitaram o desafio nacional lançado pela Associação Bandeira Azul da Europa – ABAE. A acção visava alertar toda a gente para o facto de que tudo o que entra naqueles escoadouros, através dos cursos naturais de água, flui em direcção ao mar.
De salientar que os objectivos globais do referido projecto, incluem: - Compreender a necessidade de preservação dos ecossistemas e da biodiversidade em geral e da qualidade da água doce e salgada em particular; - Educar para uma cidadania activa incitando os jovens a passar a mensagem de que “Tudo o que cai no chão, vai parar ao mar” a toda a comunidade educativa, - Estimular a criatividade dos alunos, através do desenvolvimento de competências em áreas como a expressão plástica; - Implementar estratégias de cooperação escolas-autarquias para a promoção da sustentabilidade. Esta pode ser definida como a capacidade de o ser humano interagir com o mundo, preservando o meio ambiente para não comprometer os recursos naturais das gerações futuras.

Estremoz Fun Running 2022
Integrada na Feira Internacional de Desporto de Estremoz - FIDMOZ, decorreu no passado dia 12 de Junho, a “Estremoz Fun Running”, iniciativa que visava conjugar a actividade física com diversão. A partida teve lugar pelas 17 horas, no Parque de Feiras e Exposições de Estremoz, percorreu diversas ruas da cidade e terminou no local onde começara.
Ao longo do percurso existiam estações de cor (verde, azul, vermelho, amarelo), de passagem obrigatória, onde os participantes foram pulverizados com pó colorido, constituído por amido de milho e corante alimentar, inócuo, biodegradável e lavável. Para que o pó aderisse melhor à roupa, em certos pontos do percurso existiam nebulizadores de água.
Assisti à “Corrida Alegre de Estremoz” na Praça Luís de Camões e vi os participantes atravessarem a estação de cor situada no Pelourinho, local onde foram pulverizados e nebulizados. No final, a presença de um autotanque dos Bombeiros Voluntários de Estremoz, permitiu que o piso fosse lavado á mangueirada, escorrendo a água colorida para dois sumidouros estrategicamente posicionados frente ao Pelourinho.

Sustentabilidade
Tanto o projecto "O mar começa aqui" como o evento “Corrida Alegre de Estremoz” contaram com o inestimável apoio do Município de Estremoz, para isso vocacionado, já que o primeiro é do âmbito educativo e o segundo dos domínios desportivo e lúdico.
Trata-se de eventos que não dispondo de públicos alvo inteiramente disjuntos, têm, todavia, alcances distintos. O projecto “O mar começa aqui” tem enorme alcance pedagógico. Como bem ensina o velho rifonário português, “É de pequenino que se torce o pepino”. Daí que o projecto procure educar as crianças para uma cidadania activa que induza na comunidade educativa, uma mudança de comportamentos que privilegiem a sustentabilidade.

E os miúdos?
Não sei se miúdos envolvidos no projecto "O mar começa aqui”, assistiram ou não à lavagem das estações de cor, uma vez terminada a "Corrida Alegre de Estremoz”. Em caso afirmativo, não sei também se alguns deles ficaram ou não confusos, ao ver água colorida escorrer para os sumidouros ou sargetas. Não sei também se terão ou não questionado o(a)s professor(a)s sobre aquilo que viram. Não sei também se o(a)s professor(a)s tiveram ou não dificuldade em fazê-los compreender que aquilo que estava a entrar nos sumidouros ou sargetas, não era prejudicial, porque não era contaminante. Admito que, dado o seu empenhamento pedagógico, o tenham conseguido fazer. Todavia, suponho que terá sido mais difícil explicar às crianças o desperdício de água usada, numa altura de seca que irá afectar a actividade agrícola nos próximos meses.
Quem sabe se o(a)s professor(a)s, aproveitando o ocorrido, não terão aproveitado para explicar o significado dos provérbios “Uma no cravo, outra na ferradura” e "Bem prega Frei Tomás, olha para o que ele diz, não olhes para o que ele faz."

Pós-escrito
“A minha Pátria é a Língua Portuguesa´´. Assim o proclamou Bernardo Soares (Fernando Pessoa) no “Livro do Desassossego”, afirmação que se tornou numa divisa seguida por figuras altaneiras da Cultura Portuguesa, como Manuel Alegre, Agustina Bessa Luís, Sophia de Mello Breyner Andresen e Vasco da Graça Moura, para só citar alguns.
Constitucionalmente, assiste-me o direito de me insurgir contra o abastardamento da língua portuguesa, seja qual for a sua origem. No caso presente, a utilização do anglicismo “Fun Running” é absolutamente desnecessária e estúpida, já que o conceito que lhe está subjacente é perfeitamente traduzível através da bem portuguesa designação “Corrida Alegre”.
Tal como Jesus expulsou os vendilhões do Templo, é imperioso expurgar a língua portuguesa de locuções anglicistas ou outras, estranhas à nossa matriz identitária. Quem não o fizer, está a apunhalar a Língua Portuguesa, pelo que terá de assumir as suas responsabilidades.

Hernâni Matos
Publicado no jornal E n.º 293, de 7 de Julho de 2022

SEQUÊNCIA DE IMAGENS RELATIVAS ÀS DIFERENTES FASES DE EXECUÇÃO DO PROJECTO "O MAR COMEÇA AQUI" PELO JARDIM DE INFÂNCIA DE SANTA MARIA



 



quarta-feira, 20 de outubro de 2021

O pastor apaixonado de Luísa Batalha


O pastor apaixonado (2021). Luísa Batalha (1959-  ).
 

Introdução
O pastor de ovelhas, memória rural de tempos idos, é um dos ex-líbris do Alentejo de antanho. Um das suas possíveis representações, é o chamado “pastor de tarro e manta”, cujos atributos são: o chapéu aguadeiro, o pelico e os safões, o cajado, o tarro e a manta. Trata-se de uma figura representada por todos os barristas de Estremoz, cada um dos quais o interpreta à sua maneira.

Marcas identitárias
O pastor de tarro e manta de Luísa Batalha ostenta bem visíveis, as marcas identitárias da barrista, as quais me são muito gratas. O rosto está bem definido, por estarem bem definidos os olhos, o nariz, as maçãs do rosto, a boca, o queixo, as orelhas e o cabelo. A representação do olhar é inconfundível.
A figura apresenta compleição robusta e sólida. As mãos são bem definidas, de tal modo que fazem lembrar mãos reais, mãos de pessoas de carne e osso. O cromatismo da figura é discreto e dele irradia tranquilidade e mesmo bucolismo.

Uma estória de amor
Na figura chamou-me especialmente a atenção: a presença de duas papoilas. Uma a embelezar o chapéu e ao próprio pastor no seu traje rural. A outra presa pela sua mão grossa de campaniço. Decerto que esta papoila é para oferecer à sua amada, que estará por ali bem perto, pois de contrário a flor murcharia. O pastor tem as faces rosadas. Talvez seja da paixão.
Estamos, pois, em presença de uma declaração de amor em contexto rural. O pastor de Luísa Batalha, conta-nos assim uma estória de amor.

Balanço
A barrista continua a trilhar com êxito o caminho que ela própria escolheu. Assim o revela esta bela criação, que tanto me aquece a alma.
Parabéns Luísa Batalha!