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segunda-feira, 30 de junho de 2025

Adagiário do Verão


Verão. Gravura de Paul van Somer II (activo ca.1670 – 1714).

O Verão, estação caracterizada por elevadas temperaturas, decorre de cerca de 21 de Junho até por volta de 23 de Setembro. O adagiário de Verão é assim o somatório dos adágios de Junho, Julho, Agosto e Setembro, que já foram inventariados nos respectivos meses. Daí que aqui só se apresentem aqueles em que figura explicitamente a palavra Verão:
- A água com que no Verão se há-de regar, em Abril há-de ficar.
- A água que no Verão há-de regar, de Abril e Maio há-de ficar.
- A burra de vilão, mula é no Verão.
- A formiga faz as suas provisões no Verão, ajunta no tempo de ceifa o seu alimento.
- A Inverno chuvoso Verão abundoso.
- Ande por onde andar o Verão, chega sempre pelo S. João;
- Ande por onde andar o Verão, há-de vir no S. João.
- Março, marçagão, de manhã Inverno, à tarde Verão.
- Março, marçagão, manhãs de Inverno e tardes de Verão.
- Nem no Inverno sem capa, nem no Verão sem cabaça.
Nem o Inverno sem capa, nem o Verão sem cabaça.
- No Verão acabam as ceias e começam os serões.
- No Verão ardem os montes e secam as fontes.
- No Verão o sol dá paixão.
- O Verão colhe e o Inverno come.
- Orelha de homem, nariz de mulher e focinho de cão, nunca viram o Verão.
- Outubro suão, negaças de Verão.
- Pão de hoje, carne de ontem, vinho do outro Verão, fazem um homem são.
- Quem no Verão colhe, no Inverno come.
- Sol nascente desfigurado, No Inverno, frio, no Verão, molhado.
- Uma (só) andorinha não faz o Verão.

Hernâni Matos
Publicado inicialmente a 23 de Julho de 2018

sexta-feira, 27 de junho de 2025

Adagiário dos Santos Populares Portugueses

 



As actividades agro-pastoris e pescatórias estão associadas ou são balizadas por determinadas datas, tanto do calendário juliano como do calendário hagiológico. Daí não ser de estranhar que os nomes dos Santos Populares integrem o adagiário português.

Santo António (13 de Junho)
- Dia de Santo António vêm dormir as castanhas ao castanheiro.
- Não peças água a Luzia e a Simão, nem sol a António e a João, que eles tudo isso te darão.

São João (24 de Junho)
- A chuva de S. João, bebe o vinho e come o pão.
- A chuva de S. João, tolhe o vinho e não dá pão.
- Água de S. João, tira o vinho e não dá pão.
- Ande o Verão por onde andar, pelo S. João cá vem parar.
- Até S. Pedro, o vinho tem medo.
- Cavas em Março e arrenda pelo São João, todos o sabem, mas poucos o dão.
- Chuva de S. João, acaba com o vinho e não ajuda o pão.
- Chuva de S. João, talha vinho e não dá pão.
- Chuva pelo S. João, bebe o vinho e come o pão.
- Chuvinha de S. João, cada pinga vale um tostão.
- Do Natal a São João, seis meses são.
- Em Abril queima a velha o carro e o carril, uma camba que ficou, ainda em Maio a queimou e guardou o seu melhor tição para o mês de São João.
- Em dia de São Pedro, vê o teu olivedo e se vires um bago espera por um cento.
- Galinhas de S. João, pelo Natal poedeiras são.
- Galinhas de São João, pelo Natal ovos dão.
- Guarda pão para Maio, lenha para Abril e o melhor tição para o S. João.
- Lavra pelo S. João e terás palha e pão.
- Lavra pelo S. João se queres ter pão.
- Lavra pelo São João se queres ter palha e pão.
- Maio louro, mas nem muito louro e São João claro como olho-de-gato.
- Março amoroso, Abril chuvoso, Maio ventoso, São João calmoso, fazem o ano formoso.
- Março chuvoso, S. João farinhoso.
- Março duvidoso, S. João farinhoso.
- Março molinhoso, S. João farinhoso.
- Não peças água a Luzia e a Simão, nem sol a António e a João, que eles tudo isso te darão.
- Ouriços do S. João, são do tamanho de um botão.
- Pelo S. João, a sardinha pinga no pão.
- Pelo S. João, ceifa o teu pão.
- Pelo S. João, deve o milho cobrir o cão.
- Pelo S. João, figo na mão, pelo S. Pedro, figo preto.
- Pelo S. João, lavra e terás palha e pão.
- Pelo S. João, perdigoto na mão.
- Pelo S. João, semeia o teu feijão.
- Pelo São João, foice na mão.
- Pintos de S. João, pela Páscoa ovos dão.
- Porco, no São João, meão; se meão se achar, podes continuar; se mais de meão, acanha a ração.
- Quando Jesus se encontra com João, até as pedras dão pão.
- Quando o vento ronda o mar na noite de S. João, não há Verão.
- Quem quiser bom melão, semeia-o na manhã de São João.
- S. João e S. Miguel passados, tanto manda o amo como o criado.
- Sardinha de S. João, já pinga no pão.
- Se bem me quer João, suas obras o dirão.
- Se queres ter pão, lavra pelo São João.
-Tem o porco meão pelo S. João.

São Pedro (29 de Junho)
- Até São Pedro, há o vinho medo.
- Dia de São Pedro, tapa o rego.
- Dia de São Pedro, vê o teu olivedo; e, se vires um grão, espera por cento.
- Nevoeiro de São Pedro põe em Julho o vinho a medo.
- Pelo São Pedro vai ao arvoredo; se vires uma, conta um cento.

sexta-feira, 13 de junho de 2025

Santo António na tradição oral


Capa da revista ILUSTRAÇÃO PORTUGUEZA nº 16 de 11 de Junho de 1906.

PRÓLOGO
É vasta a literatura de tradição oral portuguesa referente a Santo António. Debruçar-nos-emos aqui sobre o adagiário, tradições e superstições populares, orações populares e cancioneiro popular alentejano.

ADAGIÁRIO PORTUGUÊS.
Não é extenso, mas existe algum adagiário relativo a Santo António:

- “Água de Santo António tira o pão à gente e dá o vinho ao demónio.”
- “Ande o calor por onde andar, pelo Santo António, há-de chegar.”
- “Dia de Santo António, vêm comer as cerejas ao castanheiro.”
- “Entre António e João planta teu feijão.”
- “Não há sermão sem Santo António, nem panela sem toucinho.”
- “Nem Deus com um gancho, nem Santo António com um garrancho.”
- “Ovelha que é do lobo, Santo António Antônio não guarda.”
- “Santo António tira a dor, mas não tira a pancada.”

TRADIÇÔES E SUPERSTIÇÕES POPULARES
- No dia de Santo António deve-se colher um raminho de erva-pinheira, para pendurar em casa. Se este reverdecer, tal facto é indício de fortuna. [2]
- Para que Santo António opere o milagre de casar uma rapariga solteira, é preciso que uma sua imagem seja roubada a outra pessoa. [2]
- Rezar um responso a Santo António faz com que a pessoa ou o animal responsado não consiga andar para diante, mas apenas para trás, pelo que volta ao ponto de partida. [2]
- Na véspera do dia de Santo António, é costume ornamentar as portas ou as sacadas das casas com canas verdes. [7]

ORAÇÕES POPULARES ALENTEJANAS
Um tipo de oração popular é a encomendação (recomendação) que se faz a Jesus, à Virgem Maria ou a um Santo, para eles livrarem o encomendante de qualquer bicho ou pessoa que lhe queira fazer mal, assim como de qualquer influência maléfica ou demoníaca que o possam afectar. Vejamos uma “Encomendação a Santo António”:

“Santo António se levantou,
Caminho e carreira andou,
Nossa Senhora encontrou,
Ela lhe perguntou:
- Aonde vais, António?
- À vossa Santa busca vou.
- Pois tu, António, irás
E na terra ficarás,
O meu corpo me guardarás
De mau lobo e de má loba,
De mau cão e de má cadela,
De mau homem e de má mulher
E de tudo mau que houver,
Que eu nunca tenha perca
Nem dano nem prejuízo algum.
Em louvor da Virgem Maria
Um Padre Nosso e uma Ave Maria.” [5]

Um outro tipo de oração popular é o responso, entendido como uma oração a um Santo, visando o aparecimento de coisas desaparecidas ou que não ocorram males que se temem. Vejamos um “Responso de Santo António”:

“Santo António se levantou,
seu sapatinho calçou,
seu bordãozinho pegou,
seu caminho caminhou,
Jesus Cristo encontrou.
Jesus Cristo lhe perguntou:
- Onde vais, Beato António?
- Senhor, convosco vou.
- Comigo não virás,
na terra ficarás
guardando o que está perdido,
que à mão do dono seja restituído.
Em nome de Deus e da Virgem Maria
Pai-Nosso e Ave-Maria.” [1]

Este responso reza-se três vezes, depois das quais, as coisas desaparecidas, aparecem.

CANCIONEIRO POPULAR ALENTEJANO
O Povo não esquece a data festiva do Santo António:

“A treze do mês de Junho
Santo António se demove,
S. João a vinte e quatro,
e S. Pedro a vinte e nove.“ [6]

Pelo Santo António, S. Pedro e S. João é cantada a seguinte cantiga popular:

“Santo António, S. Pedro e S. João,
Santinhos padroeiros,
Do meu terno coração.
Olhai por mim,
Protegei-me, dai-me sorte,
Que eu serei vossa devota
Quer na vida quer na morte.” (Évora) [3]

O Povo considera que Santo António pertence a uma admirável geração:

“S. Francisco é meu primo,
Santo António é meu irmão,
Os anjos são meus parentes,
Ai que linda geração!” (Beja) [4]

Tem-no, naturalmente, na mais elevada estima:

“Ailé,
Senhor Santo António,
É o melhor cravo
Do meu oratório.“ [6]

O Santo é invocado para guardar olivais:

“Santo António de Lisboa,
Guardador dos olivais,
Guarda lá minha azeitona
Do biquinho dos pardais.“ [6]

Igualmente é invocado para guardar amores fugitivos:

“Santo António de Lisboa,
Guardador dos olivais,
Guardai-o meu lindo amor,
Que cada vez foge mais.“ [6]

Santo António é casamenteiro. Por isso, ele ou ela imploram:

“Ó meu amor, pede a Deus,
E eu peço a Santo António
Que nos deixe juntar ambos
No livro do matrimónio.“ (Alcáçovas) [4]

O homem confessa o objecto da sua fé:

“O sol bate de chapa,
Faz a maçã coradinha;
Tenho fé em Santo António
Que inda hás-de vir a ser minha.“ (Odemira) [4]

Por seu lado, a mulher suplica ao Santo que a case com determinado homem:

“Ó meu rico Santo António,
Eu bem alto aqui to digo;
Casai os rapazes todos,
O Josezinho comigo!“ (Alcáçovas) [4]

Chegam a chamar namoradeiro ao Santo:

“Santo António me acenou
De cima do seu altar,
Olha o maroto do santo,
Que também quer namorar." [6]

Apontam-lhe mesmo, certos episódios:

“Santo António, com ser santo,
Foi sempre um grande gaiato,
Foi à fonte com três moças,
recolheu, trazia quatro.“ [6]

Chegam ao ponto de lhe fazer determinadas insinuações:

“Senhor Santo António
Tem duas ladeiras:
Umas das casadas,
Outra das solteiras.“ (Moura) [4]

Por chalaça, Santo António é invocado pelas mulheres para escarnecer dos homens:

“Santo António de Lisboa,
Venha ver o que cá vai,
Deu a rabugem nos homens,
Como dá nos animais.“ [6]

Os homens respondem na mesma moeda:

“Santo António da Terrugem
Venha ver o que cá vai,
Anda a rabugem nas moças,
Té o cabelo lhes cai.“ [6]

No conceito popular, o Santo é portador da mais alta patente militar, daí que digam:

“Santo António de Lisboa
Não quer que lhe chamem santo,
Quer que lhe chamem António,
General, mar’chal de campo.“ [6]

Pelo poder que lhe é atribuído, não é de estranhar que Santo António seja invocado para livrar os mancebos da vida militar:

“Sant’Entóino é bom rapaz,
Que livrou seu pai da morte.
Também livrará meu bem
Quando for “tirar as sortes””. (Mina de S Domingos) [4]

Igualmente é invocado para ajudar a vencer desafios ainda maiores:

“Santo António é bom filho,
Que livrou seu pai da morte;
Ajudai-nos a vencer
Esta batalha tão forte.“ [6]

Como o ramo de loureiro era utilizado para sinalizar a porta das tabernas, houve quem ironizasse a decoração do altar do Santo:

“No altar de Santo António
‘Stá um ramo de lòreiro;
Olha que pouca vergonha,
Fazer de um santo vendeiro!“ (Évora) [4]

Os homens chegaram ao ponto de o acusar de reservar o vinho para as mulheres:

“Santo António de Cabanas
Tem uma pipa no monte,
As mulheres bebem vinho,
Os homens água da fonte.“ [6]

Chega a ser encarado como vendedor, a quem se solicita que seja pródigo no avio:

“Santo António vende peras,
Vende peras a vintém,
Lá irá o meu menino,
Santinho, aviai-o bem.“ [6]

A invocação da sua intercessão não conhece limites:

“Ó meu padre Santo António,
Vestidinho d’estamenha;
A quem quer ajudar
O vento lhe ajunta a lenha.“ [6]

O povo que tem convicções firmes e gosta de coisas rijas, considera que o Santo é mesmo um Santo com força nas canelas:

“Santo António da Terruge’
Feito de pau de azinho,
Tem mais força no canelo
Que um barrasco no focinho.“ (Terrugem) [4]

EPÍLOGO
Julgamos que dentro da literatura de tradição oral, as orações populares e o cancioneiro são reveladores da religiosidade própria do homem alentejano, em consonância com a sua própria identidade cultural.

(Texto publicado inicialmente a 15 de Junho de 2011) 

BIBLIOGRAFIA
[1] – ALVES, Aníbal Falcato. Rezas e Benzeduras. Campo das Letras. Porto, 1998.
[2] - CONSIGLIERI PEDROSO, “Supertições Populares”, O Positivismo: revista de Filosofia, Vol. III. Porto, 1881.
[3] – DELGADO, Manuel Joaquim Delgado. Subsídio para o Cancioneiro Popular do Baixo Alentejo. Vol. I. Edição de Álvaro Pinto (Revista de Portugal). Lisboa, 1955.
[4] – LEITE DE VASCONCELLOS, J. Leite. Cancioneiro Popular Português, vol. III. Acta Universitatis Conimbrigensis. Coimbra, 1983.
[5] – POMBINHO JÚNIOR, A.P. Orações Populares de Portel. Edições Colibri-Câmara Municipal de Portel. Lisboa, 2001.
[6] - THOMAZ PIRES, A. Cantos Populares Portugueses, vol. I. Typographia Progesso. Elvas, 1902.
[7] - THOMAZ PIRES, A. Tradições Populares Transtaganas. Tipographia Moderna. Elvas, 1927.

domingo, 25 de maio de 2025

Roda: Amor - O ramo mora no aro


Roda (1965). José Manuel Espiga Pinto. Acrílico sobre Madeira. 122 x 180 x 5 cm.
Fotografia  de Leonardo Espiga Pinto, obtida no de urso da exposição “Espiga Pinto –
- Memórias do Alentejo”, promovida pela Galeria Howard’s Folly e o Legado de Espiga 
Pinto, no espaço daquela Galeria em Estremoz, por ocasião da celebração do 85º aniversário
 do nascimento do artista. A roda é um dos principais elementos recorrentes da iconografia
de Espiga Pinto, transversal a todas as fases da sua obra.

LER AINDA


A roda será porventura o maior invento de todos os tempos. O homem terá começado por arrastar pedras e árvores sobre troncos de árvores, para mais tarde o começar a fazer sobre estrados assentes em rolos de madeira. O transporte de materiais tornou-se então mais fácil. Hoje sabemos que o atrito de rolamento é inferior ao atrito de escorregamento, mas em termos práticos, isso foi descoberto há milhares de anos.
Depois dessa primeira descoberta, os rolos terão sofrido nas extremidades, a aplicação de discos toscos, percursores das rodas, servindo os rolos de eixos. Quer os eixos quer as rodas sofriam movimento de rotação e movimento de translação. Este último era um inconveniente, por que o eixo se deslocava ao longo do estrado, obrigando a ajustes sucessivos. Mais tarde, o eixo é preso ao estrado e as rodas passam a girar livremente, exteriormente ao estrado. Nos modelos primitivos, as rodas eram baixas e os estrados próximos do chão. A necessidade de elevar o estrado em relação ao solo, levou ao alteamento das rodas, que eram maciças e grossas devido ao peso dos materiais transportados. E assim o foram durante séculos, até que para se tornarem mais leves foram abertos nas rodas, dois óculos arredondados. Mais tarde, a roda maciça viria a ser aberta em partes mais largas, o que está na origem da roda radiada, na qual raios de madeira unem um aro periférico ao centro, apoiado na cabeça saliente do eixo. Mais tarde, o aro de madeira periférico viria a ser protegido por um aro de ferro. A roda transmite de maneira amplificada para o eixo de rotação, qualquer força aplicada no aro periférico, reduzindo a transmissão da velocidade. Analogamente, a roda transmite de maneira reduzida para o aro periférico, qualquer força aplicada no seu eixo de rotação, amplificando a transmissão da velocidade.
Os carros de tracção animal alentejanos, puxados a muares ou a cavalos, dos mais leves e andarilhos do nosso país, movem-se facilmente com rodas radiadas com diâmetros de 1,80 m a 1, 50 m.
Na literatura oral são múltiplas as referências, à roda. São assim conhecidas as seguintes adivinhas, cuja solução é fornecida no final, entre parêntesis:
- Qual é coisa, qual é ela, que é redonda como o Sol, tem mais raios do que uma trovoada e anda sempre aos pares? (A roda radiada);
- Qual é coisa, qual é ela, que a roda disse para o carro? (Vamos dar uma voltinha.);
- Qual é a roda, qual é ela que quando um carro está a fazer a curva para a direita, roda menos? (A roda suplente).
São igualmente conhecidos os seguintes provérbios sobre rodas:
- Uma roda toca a outra.
- A vida é uma roda, tanto anda como desanda.
- A roda da fortuna tanto anda como desanda.
- A roda da fortuna anda mais que a do moinho.
- A roda da fortuna nunca é uma.
- Cada um dança, conforme a roda onde está.
- A pior roda é a que mais chia.
- Rodas e advogados precisam de ser untados.
Há de resto, expressões populares portuguesas, em que figura o termo “roda”:
- Roda! – Deixa-me!;
- À roda - À volta;
- Roda da fortuna – Frase que significa que a fortuna não pára;
- Roda dos Expostos – Espécie de armário giratório em que se expunham as crianças que se queriam enjeitar;
- Roda do tempo – A sucessão dos anos da vida.
Termino com duas quadras populares recolhidas por António Tomaz Pires (1850-1913) e coligidas nos seus ”Cantos Populares Portugueses” (1902-1910), onde aparece o termo “roda”:

“Já corri o mar à roda
C’uma fita larga e estreita,
Para dar um nó redondo
Nessa cintura bem feita.”

“Senhores que estão à roda,
Vossês hão de perdoar,
Que esta menina picou-me
E eu quero-me despicar.”

(Publicado inicialmente em 25 de Fevereiro de 2010)

domingo, 23 de março de 2025

Púcaros de barro de Estremoz

As Meninas (1656-57). Óleo sobre tela (318 x 276 cm), de Diego Velázquez (1599-1660),
 patente ao público no Museu do Prado, Madrid. A menina Maria Agustina Sarmiento
oferece um púcaro de barro vermelho de Estremoz, à princesa Margarida de Áustria.




Os púcaros de barro de Estremoz foram ao longo dos tempos, fonte de inspiração para autores alentejanos, tanto eruditos como populares. Assim, a nível de poesia erudita, o poeta, historiador, ensaísta, polemista, doutrinador e político monfortense António Sardinha (1) (1887-1925), é autor do poema:

O ELOGIO DO PÚCARO

Tu és a minha companha,
eu tenho-te á cabeceira
ó pucarinho de barro,
enfeite da cantareira.

Amigo certo e sabido,
matas a sede e o calor.
Tu vales mais do que pesas,
não se te paga o valor!

Meu bocadinho de barro,
chiando como um cortiço,
tu dás-te com toda a gente,
não te deshonras por isso!

Prantas a agua fresquinha,
sem ti não passa ninguem.
Mimo de reis e de bispos,
não custas mais que um vintem!

Assim, singelo e sem pompa,
ganhaste fama a Estremoz.
Ah, desgraçado daquele
que nunca a bôca te pôs!

És a cubiça das velhas,
contigo se enche um mercado.
Então a vista que metes,
quando tu és empedrado?!

Quero casar-me. Já tenho
dois pucarinhos pequenos.
Pois, p'ra principio de arranjo,
outros começam com menos!

- Amor, se fôres á feira
traz-me uma prenda galante.
Não tragas nada do ourives,
- um pucarinho é bastante!

Vae alta a febre, vae alta,
- p'ra que é que os médicos são?
Ó pucarinho de barro,
acode a esse febrão!

Eu nunca vi neste mundo,
que é gastador e que é louco,
coisa que tanto valesse,
mas que custasse tão pouco!

Assim, singelo e sem pompa,
tu déste fama a Estremoz!
- Ah, desgraçado daquele
que nunca á bôca te pôs!

Em termos de poesia erudita, é de referir também, de Maria de Santa Isabel (2),(3), o soneto:

PUCARINHOS DE BARRO

Pucarinhos de barro, quem me dera
Sentir, na minha boca, essa frescura
Da vossa água perfumada e pura,
Que me trás o sabor da primavera!

Quanta boca ansiosa vos procura,
Num símbolo de crença e de quiméra:
Simples imagem viva, bem sincera,
Dum mundo de ilusões e de ternura!

Meus santos pucarinhos, milagrosos,
Cumprindo as gratas obras do Senhor,
Dando a beber aos lábios sequiosos:

Minha boca vos beija com fervor,
Como se, noutros tempos luminosos,
Beijasse ainda o meu primeiro amor!

Também o cancioneiro popular alentejano exalta a excelência do púcaro:

Púcaro tão delicado
Que água tão saborosa!
Quem na bebe, é um cravo,
Quem na basa, é uma rosa. (4)

Dava-se água pelo púcaro, o que não era privilégio de todos:

Senhora, que a todos daes
Agua por púcaro novo,
Só a mim é que deixaes
Desconsolado de todo. (5)

Havia quem implorasse água do púcaro:

“M’nina que estás à janella,
Co’ pucarinho na mão,
Dá-lhe volta, se tem agua
Réga-me este coração.” (5)

Termino as referências literárias aos púcaros de barro com um texto do médico, escritor, jornalista e político aljustrelense, Manuel de Brito Camacho (1862-1934). Trata-se de um excerto do conto “O Romana” (6). Nele, o autor evoca a ida na sua juventude a uma feira, onde na secção de loiças:
“Iam-se-me os olhos nos pucarinhos de Estremoz, com incrustrações de pedras brancas, alguns com desenhos de fantasia, reproduzindo animaes duma fauna que se extinguiu m uito antes do diluvio universal. Por força que minha mãe havia de comprar-me um daqueles pucarinhos, e mais um barrelinho para ter agua fresca, no verão, e mais um galo com assobio, de grande crista vermelha, importando tudo bem regatiadinho, em quantia nunca inferior a doze vintens.”.

Publicado inicialmente a 13 de Março de 2013

sábado, 22 de março de 2025

Adágios para o Dia Mundial da Água



AGUADEIRO (Alentejo - Século XIX-XX). José Malhoa (1855-1933). Óleo sobre
tela (44,5 x 41,3 cm). Museu Nacional de Soares dos Reis, Porto.

À CATARINA, MINHA FILHA:

PRÓLOGO

A comemoração do Dia Mundial da Água, recurso finito, do qual estamos dependentes, passa pela consciencialização pública da importância de que se reveste a conservação, preservação e protecção da água.
Resolvemos dar um contributo para essa consciencialização, recorrendo à tradição oral e mais particularmente ao adagiário português sobre a água. Da nossa colecção de duzentos e noventa e cinco adágios sobre a água, extraímos alguns, visando contribuir para aqueles objectivos e sistematizar também o nosso pensamento sobre o assunto.

SINOPSE DUM ADAGIÁRIO PORTUGUÊS DA ÁGUA

A água é um agente de erosão:
- A água bate na rocha mas quem paga é o mexilhão.
- A água cava a dura pedra.
- A água é branda e a pedra dura; mas, gota a gota, fará fundura.
- Água escava a rocha, amolecendo-a.
- Água mole em pedra dura, tanto dá até que fura.
- Não há água como a do Norte que até às pedras amolece.
A água tem alguns efeitos nocivos:
- A água arromba os navios.
- A água faz desabar as paredes.
A água é uma bebida de excelência:
- A água é a melhor bebida.
- Água que veja o sol: sem cor, sem cheiro e sem sabor,
- Antes sem luz que sem água.
- Bebedice de água nunca acaba.
- Estar com o bico na água e não beber.
- Ir com muita sede ao pote.
- Na fonte onde hás-de beber, não deites pedras.
- Não bebas água que não vejas, nem assines carta que não leias.
- Não sujes a água que hás de beber.
- Não vá com tanta sede ao pote.
- Ninguém suje a água que tem de beber.
- Nunca digas, desta água não beberei.
- Quando a vasilha é nova e tem água boa, todos querem beber por ela.
- Quando não puderes beber na fonte, não bebas no ribeiro.
- Quando puderes beber na fonte, não bebas no ribeiro.
- Quanto mais água, mais sede.
- Quem bebe água na bica, aqui fica.
- Quem come salgado, bebe dobrado.
- Quem tanta água há-de beber, há mister comer.
- Quem vai à fonte e não bebe... não sabe o que perde.
Os bêbados escarnecem da água:
- A água é boa para lavar os pés.
- A água é para os peixes e o minar para a toupeira.
- A água faz bem, mas só daquela que o vinho contém.
- A água faz criar rãs na barriga.
- Água não quebra osso.
- Água para os peixes, vinho para os homens.
- Com água cantam as rãs.
- Com água ninguém canta.
Todavia, os bêbados são escarnecidos devido à água:
- A água não empobrece, nem envelhece.
- Afoga-se mais gente em vinho do que em água.
- Com água ninguém se embebeda.
- Quem almoça vinho, janta água.
- Quem bebe água não se empenha.
- Quem ceia vinho, almoça água.
Quer-se água corrente para beber:
- Água corrente não faz mal à gente.
- Água corrente não mata a gente.
- Água corrente, água inocente.
- Água corrente, esterco não consente.
- Água corrida. não faz mal à barriga.
Para beber são desaconselhadas as águas paradas:
- A Água detida é má para bebida.
- A água silenciosa é a mais perigosa.
- Água de alagoa nunca é boa.
- Água detida é má para bebida.
- Água detida faz mal à vida.
- Água parada cria limos.
- Água parada: água estragada.
- Água que não soa não é boa.
- Água silenciosa é sempre perigosa.
- Águas paradas, cautela com elas.
- Não há água mais perigosa do que a que não soa.
- Não há pior água que a mansa.
- Não te fies em vilão, nem bebas água de charqueirão.
Aconselha-se a ferver a água:
- Água danificada, fervida ou coada.
- Água fervida alimenta a vida.
- Água fervida ampara a vida.
- Água fervida tem mão na vida.
A Medicina Popular refere-se à água:
- Água ao figo e à pêra vinho.
- Água fria e pão quente, mata a gente.
- Água fria e pão quente, nunca fizeram bom ventre.
- Água fria lava e cria.
- Água fria tem mão na vida.
- Água fria, sarna cria; água roxa, sarna escocha.
- Água gelada e pão quente, não fazem bom ventre.
- Água sobre mel, sabe bem e não faz bem.
- Água sobre mel, sabe mal e não faz bem.
- Com malvas e água fria, faz-se um boticário num dia.
- Come pão, bebe água: viverás sem mágoa.
- Onde a água sobra, a saúde falta.
- Quando Deus quer, água fria é remédio.
- Se queres beber sem receio, bebe água viva.
É variável a preferência por água fria ou água quente:
- A água é fria, mas mais é quem com ela convida.
- A quem tem vida, água fria é mezinha.
- Água quente adivinha outra.
- Água quente escalda a gente.
- Água quente, nem a são, nem a doente.
- Água quente, saúde para o ventre.
A água é um agente de lavagem:
- A água lava tudo.
- A água lava tudo, menos as más acções.
- A água lava tudo, menos as más-línguas.
- A água lava tudo, menos quem se louva e as más-línguas.
- Água suja sempre lava.
- Até ao lavar dos cestos é vindima.
- Lava mais água suja do que mulher asseada.
Com água se apagam fogos:
- O fogo e a água, são maus amos e bons criados.
- Queimada a casa, acudir com água.
- Sobre fogos, água; sobre peras, vinho.
A água é um agente de rega:
- A água é o sangue da terra.
- A água rega, o Sol cria.
A água comanda todo o calendário agrícola:
- A água de Janeiro traz azeite ao olival, vinho ao lagar e palha ao palheiro.
- A água de Janeiro vale dinheiro.
- Água de Janeiro mata o onzeneiro
- Janeiro quente trás o diabo no ventre.
- Por São Vicente (22 de Janeiro), toda a água é quente.
- Água de Fevereiro vale muito dinheiro.
- Água de Fevereiro, mata o Onzeneiro.
- Em Fevereiro entra o sol em cada ribeiro.
- Quando não chove em Fevereiro, nem bom prado nem bom celeiro.
- Água de Março é pior do que nódoa no fato.
- Quando o Março sai ventoso, sai o Abril chuvoso.
- A água com que no Verão se há-de regar, em Abril há-de ficar.
- A água de Abril é água de cuco, molha quem está enxuto.
- A água, em Abril, carrega o carro e o carril.
- Abril frio e molhado, enche o celeiro e farta o gado.
- Abril, chuvas mil.
- Em Abril águas mil.
- Em Abril, lavra as altas, mesmo com água pelo machil.
- O Abril bem molhado, enche a tulha e farta o gado.
- A água, Maio a dá, Maio a leva.
- Água de Maio, pão para todo o ano.
- Águas da Ascensão, das palhas fazem grão.
- Uma água de Maio e três de Abril valem por mil.
- Chuva de São João (24 de Junho) tira vinho e azeite e não dá pão.
- A água de Junho, bem chovidinha, na meda faz farinha.
- A água de Santa Marinha (18 de Julho), na meda faz farinha.
- Água de Julho, no rio não faz barulho.
- Quando é Junho a valer, pouco costuma chover.
- A água de Agosto faz mal ao rosto.
- Água de Agosto: açafrão, mel e mosto.
- Águas verdadeiras, por São Mateus (21 de Setembro) as primeiras.
- Setembro molhado, figo estragado.
- Dos Santos (1 de Novembro) ao Natal (25 de Dezembro) é Inverno natural.
- Dos Santos (1 de Novembro) ao Natal (25 de Dezembro) ou bom chover ou bom nevar.
- Depois de São Martinho (11 de Novembro), bebe o vinho e deixa a água para o moinho.
- Água de nevão dá muito pão.
A água está presente na pesca:
- Água preta não dá peixe.
- Grandes peixes pescam-se em grandes rios.
- Na água revolta, pesca o pescador.
A água é um bem em movimento:
- A água acode sempre ao mais baixo.
- A água ao moinho de longe vem.
- A água corre para a água.
- A água corre para o mar.
- A água corre para o poço.
- A água corre sempre para o mais baixo.
- A água corredia, não guardes cortesia.
- A água o dá, a água o leva.
- A água, por onde passa, molha.
- Água vem, água vai.
- Águas passadas não movem moinhos.
- Corre a água para o mar e cada um para o seu natural.
A água é um bem com valor:
- Quando a fonte seca é que a água tem valor.
- Só se sente a falta de água, quando o cântaro está vazio.
A água é um bem finito, que deve ser conservado:
- A água da fonte é muita, mas também se acaba.
- A água falta nos meses, mas nunca falta no ano.
- Água que não hás-de beber, deixa-a correr.
- Quem não poupa água e lenha, não poupa o mais que tenha.
A água não podia deixar de estar presente na religião:
- Água benta e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém.
- Presunção e água benta, cada um toma a que quer.
- Presunção e água benta, cada um toma a que quer; mas a pia se esvazia, quando passa uma mulher.
- Quando a água benta é pouca e os diabos são muitos, não há quem os vença.
Referências também à água e à mulher:
- Água e mulher, só boa se quer.
- Quando uma mulher não sabe o que responder é porque não há mais água no mar.

EPÍLOGO
Mais poderíamos acrescentar, mas esta prosa já vai longa, pelo que preferimos rematá-la, acrescentando:

- Conselhos e água só se dão a quem pedir.

Publicado inicialmente a 22 de Março de 2012