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segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

Contributo para uma Simbólica das Figuras de Presépio


Fig. 1 - Berço das pombinhas (1983). Liberdade da Conceição (1913-1990).
Colecção Jorge da Conceição.

Referências bíblicas
O Presépio é um dos grandes símbolos religiosos que retrata o Natal e o nascimento de Jesus. Etimologicamente, a palavra “Presépio” provém do latim “Praesepium”, que genericamente significa curral, estábulo, lugar onde se recolhe gado e que, numa outra óptica, designa qualquer representação do nascimento de Cristo, de acordo com os Evangelhos (LUCAS 2: 1 a 18) e (MATEUS 2: 1 a 11). Deles destaco a Anunciação do Anjo do Senhor aos pastores: “Isto vos servirá de sinal: achareis um recém-nascido envolto em faixas e posto numa manjedoura.” (LUCAS 2: 12), bem como “Foram com grande pressa e acharam Maria e José, e o Menino deitado na manjedoura.” (LUCAS 2: 16).
Um elemento chave dos Presépios tradicionais de Estremoz é o chamado “Berço do Menino Jesus”, cuja simbólica me proponho aqui analisar em dois casos concretos.

Simbólica do Berço das pombinhas
O “Berço das pombinhas” (Fig. 1) é revelador da modificação introduzida pelos barristas de Estremoz no contexto do nascimento de Jesus. Nele, a manjedoura de Belém transfigurou-se em berço com espaldar à maneira das camas senhoriais, já que para os cristãos, Jesus Cristo é Rei e Senhor do Universo. O berço é decorado com recurso ao azul do Ultramar e ao ocre amarelo. Trata-se de cores garridas associadas às claridades do Sul e utilizadas no embelezamento das habitações populares desta terra transtagana.
Na simbologia judaico-cristã, a pomba é um símbolo de pureza e de simplicidade, bem como daquilo que de imorredouro existe no Homem, o princípio vital, a Alma. As quatro pombas brancas poderão ser uma representação alegórica dos quatro evangelistas (Mateus, Marcos, Lucas e João), que narraram a vida e a doutrina de Jesus Cristo como um Evangelho, visando preservar os seus ensinamentos ou revelar aspectos da natureza de Deus.
O simbolismo do galo está associado aos cultos solares da antiguidade, nos quais o Sol era venerado como divindade. De acordo com a tradição do culto mitraísta, o galo cantou no momento do nascimento de Mitra, o deus do Sol, da sabedoria e da guerra na Mitologia Persa. O mito viria a ser recuperado pela Religião Cristã, estando na origem da Missa do Galo, celebrada na passagem de 24 para 25 de Dezembro, assinalando o nascimento de Jesus. Não há confirmação histórica de que Jesus tenha nascido na data em que se comemorava o nascimento de Mitra. Todavia, ela foi adoptada pelo Cristianismo, visando fundir os dois cultos, uma vez que o culto a Mitra estava enraizado entre os romanos. A data corresponde também no Hemisfério Norte ao início do Solstício de Inverno, no qual os mitraístas celebravam o seu culto. O Cristianismo adoptou o galo como símbolo do arauto anunciador de boas novas, uma vez que o nascimento de Jesus correspondia ao despontar de uma nova luz para o mundo. Segundo a lenda, a única vez que o galo cantou foi à meia-noite, anunciando o nascimento de Jesus.
De acordo com a Mitologia Popular Portuguesa: - "O galo quando canta diz: - “Jesus é Cristo”; - "O canto do galo à meia-noite faz dispersar a assembleia do Diabo e das Bruxas"; - "É mau agouro um galo cantar antes da meia-noite". Para o Adagiário Português: - “Galo que fora de horas canta / Cutelo na garganta”; - "O galo preto espanta as coisas ruins"; - “Galo branco não dá manhã certa”.
A figura do Menino Jesus está deitada sobre o seu lado direito. O braço esquerdo apoia-se no peito. Trata-se possivelmente de uma alegoria ao “Sagrado Coração de Jesus”. Recorde-se que no antigo Egipto, a mão colocada sobre o peito, indicava a atitude do sábio, que no caso de Jesus é Sabedoria Divina. Já a mão direita no pescoço assinalava a posição do sacrifício, aqui uma possível alegoria ao sacrifício de Jesus na cruz.

Fig. 2 - Berço dos anjinhos (2017). Ricardo Fonseca (1986 - ).
Colecção Hernâni Matos.

Simbólica do Berço dos anjinhos
À semelhança do “Berço das pombinhas” (Fig. 1), também o ”Berço dos anjinhos” (Fig. 2) é revelador da modificação introduzida pelos barristas de Estremoz no contexto do nascimento de Jesus. É igualmente decorado com recurso ao azul do Ultramar e ao ocre amarelo.
O simbolismo do galo é análogo ao do “Berço das pombinhas”. O galo está ladeado de dois anjinhos, mensageiros de Deus junto dos homens. Ostentam asas numa alusão clara à sua capacidade de ascensão ao Céu. São em número de dois, já que Jesus Cristo manifesta dois aspectos: o Divino e o humano. Tocam trombeta, instrumento musical usado para anunciar os grandes acontecimentos históricos e cósmicos. As trombetas associam aqui o Céu e a Terra numa celebração única: o nascimento de Jesus Cristo.
O espaldar do berço está enfeitado com um laço dourado. Na antiga Grécia existia o costume de atar as imagens dos Deuses com um laço, para que não abandonassem o local e o povo. No antigo Egipto, o laço simbolizava a eternidade, pela união entre os deuses e os homens, o Céu e a Terra. Por outras palavras, o laço pode ser encarado como um supremo privilégio de domínio dos deuses. No Cristianismo, os laços das vestimentas representam os três votos: a obediência, a pobreza e a castidade. Modernamente, o laço dourado é símbolo de promoção do valor da amamentação para a sociedade. A cor dourada simboliza a amamentação como padrão ouro para a alimentação infantil. Uma parte do laço representa a mãe e a restante representa a criança. O laço é simétrico, o que significa que a mãe e a criança são ambos vitais para o sucesso da amamentação. Sem o nó não haveria laço, pelo que o nó representa o pai, a família e a sociedade, sem os quais a amamentação não teria êxito. O laço encontra-se ladeado de folhas de sobreiro com bolotas, numa alegoria ao Alentejo.
O berço encontra-se marginado por arcos sensivelmente ogivais, parcialmente encobertos por ramos de palma, verdes. Os ramos de palma simbolizam o martírio de Jesus, uma vez que a palma é considerada um atributo dos mártires, que na arte cristã ocidental são representados empunhando um ramo de palma. Esta, desde a época pré-cristã que é considerada como um símbolo de vitória e de ascensão, pelo que os heróis eram saudados com ramos de palma ao retornarem vitoriosos das batalhas. Os romanos usaram os ramos de palma como símbolo de vitória contra os judeus. Estes viriam a reagir, pelo que de acordo com os quatro evangelhos canónicos, Jesus foi recebido festivamente com ramos de palma na sua entrada triunfal em Jerusalém. Por isso a palma veio a ser adoptada pelos primeiros cristãos como símbolo da vitória dos fiéis sobre os inimigos da alma e é ainda encarada pelos cristãos como símbolo da vitória na guerra travada pelo espírito contra a carne. Daí que no Domingo de Ramos, os fiéis transportem ramos de palma abençoados pelo sacerdote no início da Procissão de Ramos. Pelo facto de se manter sempre verde, a palma encerra em si um simbolismo associado à Ressurreição e Imortalidade de Cristo após o drama do Calvário.
Entre os arcos ogivais, 4 corolas de gerbera que simbolizam a pureza e a inocência das crianças e aqui do Menino Jesus. Da esquerda para a direita e em sequência espectral, as cores e o respectivo simbolismo são sucessivamente: violeta (espiritualidade, mistério e misticismo), azul (nobreza, harmonia e serenidade), laranja (alegria e vitalidade) e vermelho (paixão e amor). As corolas são em número de 4, já que para Pitágoras o número 4 era perfeito, pelo que foi o número utilizado para fazer referência ao nome de Deus. Aquele número está também ligado ao simbolismo da cruz e ao número de evangelistas que descreveram a vida de Jesus.
A figura do Menino Jesus está deitada de costas em cima das palhinhas e com o braço esquerdo apoiado no peito, o que tem interpretação análoga à do “Presépio das pombinhas”. O braço direito encontra-se esticado ao longo do corpo, com a palma da mão aberta, o que significa que não tem nada a esconder. Trata-se da mão direita, a mão que abençoa. A palma está virada para o Céu, simbolizando pacificação e dissipação de todo o medo.

Hernâni Matos
Publicado inicialmente em 21 de Dezembro de 2023
Publicado no jornal E, n.º 324, de 21 de Dezembro de 2023
 

quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Presépio de Carlos Alves


Presépio (2022). Carlos Alves (1958-  ).

Eis uma Sagrada Família, representada de um modo formal em termos da iconografia habitual dos presépios de Estremoz. Todavia, o pai terreno de Jesus não empunha a costumada acuçena, símbolo da pureza, preferindo ter a mão direita sobre o peito, enquanto na mão esquerda empunha um pequeno bordão, como para proteger o filho. Para além disso, a Sagrada Família está representada num contexto alentejano, sugerido pelo cromatismo azul-vermelho dos ornatos da parede que se encontra em segundo plano. A cruz templária ostentada na parte superior da parede, entre os ornatos azuis e vermelhos, parece querer simbolizar a fé em Deus e a protecção divina. No centro da parede, encontra-se uma Capela, onde um anjinho anda de baloiço, como se festejasse o nascimento do Menino, ideia que é reforçada pela alegria sugerida pelos vasos floridos que ornamentam a parede, de cada um dos lados da Capela. Tudo parece dizer:
- É DIA DE FESTA. NASCEU JESUS!
A meu ver, o barrista soube combinar na sua representação, o sagrado e o profano de uma forma harmoniosa, que tornam a sua criação num hino à alegria.
Poderá haver outras interpretações. Lá diz o rifão: "Cada cabeça, sua sua sentença", o que significa que a percepção das coisas, nem sempre é coincidente. Daí, que algumas pessoas, entre as quais eu me situo, visando minimizar o erro, procurem ter e transmitir aos outros, uma visão multifacetada das coisas. Assim, não se arregimenta ninguém. O leitor fica sempre com liberdade de escolha entre uma visão mono-focal ou mutifacetada do mundo e da vida.

Hernâni Matos
Publicado inicialmente em 13 de Abril de 2022

segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

NATIVIDADE - uma tipologia de cantarinha enfeitada, criada pelas Irmãs Flores


Cantarinha enfeitada com Natividade. Irmãs Flores

A chamada "olaria enfeitada" não integra aquilo que se convencionou chamar o “Figurado de Estremoz”. Trata-se de objectos oláricos produzidos na roda pelos oleiros e enfeitados “à maneira de Estremoz” e na qual predominam cores como o zarcão, o azul, o verde e o vermelho. São peças com dupla autoria, que ostentam por vezes na base, as marcas dessa dupla autoria.
A cantarinha enfeitada aqui designada por "Natividade" é uma criação das Irmãs Flores.
Com a cantarinha ainda em cru, foi-lhe extraída a parte frontal superior do bojo e colada ao nível do corte, uma placa de barro que encaixa perfeitamente na concavidade aberta da cantarinha.
Com uma tal opção, essa concavidade configura a gruta na qual segundo uma das tradições bíblicas, terá nascido o Menino Jesus.
No interior da gruta e nas posições usuais, encontram-se: o berço do Menino Jesus, Nossa Senhora, São José, o burro e a vaca.
A “gruta” encontra-se protegida por uma sacada com arcos floridos, inspirada na protecção lateral do berço dos anjinhos (um dos tipos de berço do Menino Jesus).
Esta última opção visou embelezar ainda mais a decoração do conjunto, bem como impedir que as figuras da Natividade possam cair quando se desloca a cantarinha.
Com esta criação, as Irmãs Flores ampliaram e reforçaram o conceito de olaria enfeitada, criando uma peça composta, bivalente, que pertence simultaneamente a dois mundos: o da olaria enfeitada e o dos presépios.

Publicado inicialmente a 12 de Julho de 2023

sábado, 7 de dezembro de 2024

Aconteceu há 7 anos: Inscrição da Produção de Figurado em Barro de Estremoz na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade

Parte da delegação portuguesa que se deslocou à República da Coreia. Da esquerda
para a direita: Luís Mourinha (Presidente da Câmara Municipal de Estremoz), Manuel
António Gonçalves de Jesus (Embaixador de Portugal na República da Coreia), António
Ceia da Silva (Presidente do Turismo do Alentejo) e Hugo Guerreiro (Director do Museu
Municipal de Estremoz e Responsável Técnico da Candidatura). Fotografia reproduzida
com a devida vénia, a partir do Facebook de António Ceia da Silva.


Importa aqui e mais uma vez, salientar o mérito daqueles a quem se deve o êxito de uma candidatura que se viria a tornar vitoriosa:
1º) Hugo Guerreiro, Director do Museu Municipal de Estremoz, que despoletou e argumentou a candidatura, a qual veio a ter êxito e que corresponde ao primeiro figurado do mundo a merecer a distinção de Património Cultural Imaterial da Humanidade.
2º) Os barristas do passado e do presente, que com o labor e criatividade das suas mãos mágicas e desde as bonequeiras de setecentos, transmitiram de geração em geração e até à actualidade, uma produção sui generis de Bonecos em barro, dita ao “modo de Estremoz”.
3.º) O escultor José Maria de Sá Lemos, que nos anos 30 do séc. XX e recorrendo à velha bonequeira Ana das Peles primeiro e ao Mestre oleiro Mariano da Conceição depois, deu um contributo decisivo para a revitalização da produção de Bonecos de Estremoz, considerada extinta desde 1921.
4º) Os estudiosos, investigadores, escritores e publicistas que com o seu esforço não deixaram morrer a memória dos Bonecos de Estremoz: Luís Chaves, D. Sebastião Pessanha, Virgílio Correia, Azinhal Abelho, Solange Parvaux, Joaquim Vermelho e outros.
5.º) Os coleccionadores, dos quais o mais destacado é Júlio dos Reis Pereira, que ao longo de décadas foram reunindo, catalogando, estudando, comparando e interpretando espécimes que viabilizaram a apresentação de uma candidatura pelo Município de Estremoz.
- BEM HAJAM!

quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

XVIII Exposição de Presépios de Artesãos de Estremoz

 

Jorge da Conceição


Transcrito com a devida vénia do
em 4 de Dezembro de 2024.

A Galeria Municipal D. Dinis recebe a XVIII Exposição de Presépios de Artesãos de Estremoz, uma referência no Alentejo.

Esta mostra conta com mais de 30 Presépios, produzidos com diversos materiais, dos artesãos: Afonso Ginja, Ana Catarina Grilo, Ana Godinho, António Moreira, Carlos Alberto Alves, Carlos Pereira, Conceição Perdigão, Fátima Lopes, Francisca Carreiras, Henrique Painho, Inocência Lopes, Irmãs Flores, Isabel Pires, Jorge Carrapiço, Jorge da Conceição, José Vinagre, Luís Parente, Luísa Batalha, Madalena Bilro, Maria José Camões, Pedro Vinagre, Perfeito Neves, Ricardo Fonseca, Sara Sapateiro, Sandra Cavaco, Sofia Luna, e Vera Magalhães.

A exposição poderá ser visitada até dia 6 de janeiro de 2025, com entrada gratuita, numa organização da Câmara Municipal de Estremoz.

Hernâni Matos

Luísa Batalha

Ana Catarina Grilo

Luís Parente

Sandra Cavaco

Jorge Carrapiço

Ana Godinho

Afonso Ginja

Madalena Bilro

Madalena Bilro

Ricardo Fonseca

Irmãs Flores

Sofia Luna

Maria Isabel Pires

ara Sapateiro

Inocência Lopes

Vera Magalhães

Carlos Alves



MAIS FOTOGRAFIAS AQUI



7º Aniversário dos Bonecos de Estremoz enquanto Património Unesco

 



Transcrito com a devida vénia do
em 4 de Dezembro de 2024


No sábado, dia 7 de dezembro de 2024, comemora-se o 7.º aniversário da Inscrição da Produção de Figurado em Barro de Estremoz, na Lista Representativa de Património Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO.

Para celebrar a data, o Município de Estremoz organizou as seguintes atividades:

SALÃO NOBRE DA CÂMARA MUNICIPAL DE ESTREMOZ

- 𝟏𝟖:𝟎𝟎 𝐡𝐨𝐫𝐚𝐬 - Discursos Institucionais;

- 𝟏𝟖:𝟐𝟎 𝐡𝐨𝐫𝐚𝐬 - Entrega de Certificações aos barristas recentemente reconhecidos;

- 𝟏𝟖:𝟑𝟎 𝐡𝐨𝐫𝐚𝐬 - Concerto celebrativo da Inscrição da Lista Representativa UNESCO, pelo Vox Aurea Ensemble.

CENTRO INTERPRETATIVO DO BONECO DE ESTREMOZ

- 𝟏𝟗:𝟒𝟓 𝐡𝐨𝐫𝐚𝐬 - Inauguração da renovação da sala de exposições dos Barristas.

Venha celebrar connosco!

Entrada gratuita.

domingo, 24 de novembro de 2024

A matança do porco


 A matança do porco (frente). José Moreira (1926-1991).  

A matança do porco (trás). José Moreira (1926-1991).


BARRÍSTICA POPULAR ESTREMOCENSE
A matança do porco, misto de ritual pagão e de festa iniciática, integra o imaginário popular, pelo que não poderia deixar de estar presente na barrística popular estremocense. O exemplar aqui apresentado sob diversos ângulos, foi adquirido no Mercado das Velharias, em Estremoz, no passado sábado, dia 9 de Abril e é da autoria do consagrado barrista José Moreira, falecido em 1991. Passo de imediato à sua descrição.
Trata-se de uma peça constituída por quatro figuras. A figura central é um porco branco assente numa bancada de pau e preso por dois homens. O da esquerda agarra com as duas mãos a parte traseira do animal. O da direita sustém o focinho do bicho com a sua mão esquerda, enquanto que com a direita agarra a faca que espetou nas goelas do cevado, até ao coração. A quarta figura é uma mulher agachada junto a um alguidar de barro vidrado, assente por debaixo das goelas do condenado, onde é recolhido o sangue que dele espicha e que a mulher revolve com um pau, para não coalhar.
Os homens usam na cabeça, o típico chapéu aguadeiro, característico do Alentejo. O calçado é preto e vestem um fato de macaco azul-escuro, por debaixo do qual usam uma camisa creme, rematada em cima por um par de botões amarelos. As mangas têm punhos e uma fieira lateral de três botões, todos cor de colorau. E, porque a matança é feita de Inverno, os homens protegem o traseiro, com uma pele de borrego, amarrada à cintura.
A mulher, ornamentada com arcadas nas orelhas, tem a cabeça coberta por um lenço azul-aço, com pintas cor de colorau. O vestido desta cor, tem gola, cinto e uma barra azul-aço. Em cada manga, um punho e uma fieira lateral de botões da mesma cor.
Aos pés do matador, o saco de cabedal onde transporta as facas.
O chão onde assentam todas as figuras é verde, pintalgado de branco, amarelo e cor de laranja, numa alegoria à matança ao ar livre, num chão atapetado por erva e tufos coloridos de flores silvestres.
É de salientar que a matança do porco é das composições mais ingénuas da barrística popular estremocense. Como facilmente compreenderão pela descrição que adiante fazemos da matança do porco, ninguém consegue matar o porco tal como é representado pelos nossos barristas. Na verdade, além de ser preciso amarrar as pernas e o focinho do porco, o matador precisa da ajuda de 3 ou quatro homens possantes, a segurar o porco.
A matança do porco tal como é figurada por José Moreira apresenta três diferenças fundamentais em relação ao modo de representação de Mariano da Conceição e de seus seguidores Sabina Santos, Liberdade da Conceição, Maria Luísa Palmela e Irmãs Flores, como se pode ver comparando com a matança do porco executada por estas últimas. No figurado de José Moreira, o porco não é porco preto, mas porco branco. Na mesa da matança, o porco está em posição inversa em relação aquela que é habitualmente representada, o que dificultaria a matança, já que o matador em vez de segurar o focinho do animal com a mão esquerda, o que faz é usá-la para afastar para trás a pata dianteira do animal, que está para cima. Isso quando são só três homens a segurar o porco e visando espetar a faca com mais segurança e precisão. Finalmente na figuração de José Moreira, os homens envolvidos na matança, em vez de usarem barrete, como no início do século XX ainda era corrente no Alentejo, usam o tradicional chapéu aguadeiro, típico do Alentejo. E não é só aqui. Em todos os bonecos em que Mariano da Conceição pôs um barrete na cabeça da figura, José Moreira enfiou-lhes um chapéu aguadeiro, de aba larga, que o sol no Alentejo não é para brincadeiras, como está registado no cancioneiro popular alentejano:

"Assente-se aqui, menina,
À sombra do meu chapéu,
O Alentejo não tem sombra,
Senão a que vem do céu."

A CRIAÇÃO DO PORCO
Desde tempos remotos que o porco integra a dieta alimentar das gentes de Além Tejo. Uma dieta alimentar com base naquilo que a Terra-Mãe dá, fortemente centrada no uso do pão e no recurso a ervas aromáticas que conferem requintados odores e sabores à frugalidade daquilo que muitas vezes se come.
Da Terra-Mãe provêm as landes e as bolotas que nos montados de sobro e azinho, alimentam o porco preto, de inconfundível sabor.
Mesmo nos tempos de miséria, das jornas de sol a sol, com uma alimentação, a maioria das vezes miserável e que era fornecida pelo próprio Senhor da Terra, o camponês alentejano não deixava de comer carne de porco, nem que fosse um simples naco de toucinho cozido ou umas rodelas de chouriço, usados como conduto do sempre omnipresente pão.
Tradicionalmente, a alimentação do porco alentejano é feita através do recurso à pastorícia. Nela, as porcas parideiras andam em varas de 40 a 60 cabeças, seguidas por varrascos (porcos de cobrição), na proporção de um macho para cada seis fêmeas.
As porcas criam duas vezes por ano. Normalmente uma em Setembro e Outubro (criação montanheira) e a outra em Março e Abril (criação erviça).
Cada fêmea pare cinco a seis bácoros, que após a parição são abrigados em malhadas, alojamentos constituídos por duas séries de casinhotas quadradas (quartelhos), com portas para uma espécie de pátio.
Os bácoros montanheiros mamam durante dois meses e são desmamados em Dezembro, alimentando-se a cevada ou milho, em Janeiro. Se a produção dos montados foi boa, comem lande ou bolota, em Fevereiro. Depois voltam a comer cereais até Abril ou Maio, quando a erva tenra abunda. Quando esta começa a escassear, tornam ao regime de cereais até Julho, altura em que vão para os agostadouros, onde comem do pasto que ficou, depois de ceifados os campos. Aí se conservam até irem para os montados, em Outubro.
Os bácoros erviços mamam igualmente dois meses e são desmamados em Junho, alimentando-se de erva e em Julho, vão também pastar para os agostadouros, até ingressarem igualmente nos montados, em Outubro.
A engorda porcina no montado é conhecida por montanheira e principia em Outubro, quando por estar madura, já há muita lande ou bolota, que tombou das árvores. A ceva dura cerca de três meses, período durante o qual cada animal aumentou em média cerca de cinco arrobas. Depois da ceva estão capazes de vender.
Para além da criação em regime de pastorícia, o camponês alentejano adquiriu o hábito de criar o seu próprio porco numa pocilga junto ao monte. Para tal, após cada matança, compra um bácoro acabado de desmamar, a alguém que seja dono de uma porca parideira. É esse bácoro que vai ser engordado na pocilga familiar, com tudo aquilo a que é possível recorrer em cada momento: lande ou bolota, erva, batata, beterraba, tomate, pimentão, fruta, cascas de batata, de fruta, de favas, de ervilhas, farinha de milho, farinha de cevada, farelos, etc.
O bácoro, cedo é capado pelo capador, que lhe corta os testículos se for macho ou os ovários se for fêmea. Esta amputação genital visa tornar a carne de porco mais saborosa e permitir que o animal engorde mais.
A criação do porco faz parte da economia doméstica das gentes do campo, que o acaba por sacrificar para que a família sobreviva. Bolota, porco e alentejano, são os elos de uma cadeia alimentar de séculos. A matança do porco feita pelos alentejanos é, pois, consequência dessa trindade campestre. Mas é igualmente um ritual colectivo que se repete ciclicamente e que envolve todos os membros de uma família, os amigos e os vizinhos, mesmo os mais pequenos que aí recebem a sua formação iniciática, participando em pequenas tarefas, orientados pelos mais velhos. E é um ritual que apesar de modificações técnicas de pormenor, tem resistido ao relógio do tempo, já que é intenso o convívio que proporciona e apelativa a gastronomia que lhe está associada.
A MATANÇA DO PORCO
Com a chegada do frio vem o tempo da matança do porco, já que antes da existência de arcas frigoríficas, o frio, assim como a salga e o fumeiro, eram os únicos processos de conservação da carne que era consumida ao longo do ano, cumprindo assim um papel fundamental na mantença das famílias rurais.
Por alegadas razões sanitárias e em nome de uma normalização imposta pela União Europeia, a matança tradicional do porco foi ilegalizada e passou a punir-se quem a praticar. Tratou-se de uma forte machadada na nossa identidade cultural, pelo que os alentejanos, orgulhosos das suas tradições ancestrais, fizeram orelhas moucas às proibições de Bruxelas e lá continuaram a matar o porco, como sempre o fizeram. Lá diz o rifão: “Para palavras loucas, orelhas moucas”. Por outras palavras: “A ASAE que vá bugiar!”
A matança do bicho, em jejum desde o dia anterior, para ficar limpo, será executada por um homem experiente, o matador, que se faz acompanhar de diversas facas e de um machado, os quais irá utilizar na matança e desmancho do animal.
Quando começa a função, meticulosamente preparada, quatro homens possantes que desempenham o papel de ajudantes do carrasco, põem o bicho, bem apernado, em cima duma, muitas vezes improvisada, mesa de abate. Antes de ser posto em cima da mesa, o animal viu o seu focinho amarrado com uma corda para não morder. Por outro lado, as duas pernas de trás foram amarradas à perna da frente que fica para baixo, para que o bicho não possa espernear. Só uma perna fica livre e essa é segurada com força e empurrada para trás pelo matador, quando este com um golpe rápido e certeiro, enterra a comprida faca matadeira nas goelas do bicho, em direcção ao coração. Apesar de tudo e mesmo antes de ser esfaqueado, o animal esperneia e causa um enorme chinfrim, como se adivinhasse o fim que o espera. Com a estocada do matador, o animal ainda guincha mais, ao mesmo tempo que tem espasmos violentos na sua luta derradeira. Mas, logo começa uma rápida agonia, ao mesmo tempo que se esvai em sangue e acaba por morrer.
Do porco tudo se aproveita, a começar pelo sangue que se apara num alguidar de barro, preparado para o efeito com sal e vinagre, que é agitado com uma colher de pau, para não coalhar.
Morto o animal e espichado todo o sangue, o bicho é chamuscado com fachos de rosela ou de esteva a arder, para queimar o pêlo todo e a porcaria da superfície da pele. Segue-se uma raspagem com a raspadeira para extrair toda a sujidade, sucedendo-se uma lavagem com vários baldes de água, até o animal ficar com o couro, todo muito bem limpo, antes de ser aberto. Trata-se assim, de uma operação minuciosa e necessariamente demorada.
A ABERTURA
Seguidamente, o matador faz um rasgo na pele que precede os tendões das patas traseiras do animal. Por aí, o bicho é suspenso no chambaril, pau arqueado, dependurado por uma corda numa trave mestra da casa. Só depois abre o porco com um golpe longitudinal, consumado do rabo para a cabeça. Trata-se de uma operação que exige extrema atenção e precisão, não vá a faca usada, perfurar alguma tripa e deitar muito do trabalho a perder. O golpe corta apenas o couro do animal. Depois. com todo o cuidado, o matador vai cortando o que está por baixo até chegar às vísceras. Tira então o osso do peito, com o qual sai a língua e, tira o bofe, o coração e o fígado que são postos num alguidar de barro e vão ser migados, para conjuntamente com o sangue, serem utilizados na confecção de cachola, consumida nesse dia à hora do jantar.
Seguidamente tira as tripas, o buxo e a bexiga, que são postos num tabuleiro de madeira e vão ser lavadas pelas mulheres, com água corrente, para serem depois utilizadas no fabrico de enchidos. Para tal, têm que ser preparadas primeiro.
Aliviado das vísceras, o interior da carcaça é lavado com água nos locais em que tem sangue, ficando depois a arrefecer dum dia para o outro, protegido por um pano.
O DESMANCHO
No segundo dia da matança, procede-se ao desmancho do animal, o qual é cortado nas suas múltiplas partes: presuntos, mãos, orelheiras, queixos, segredos, plumas, tiras, etc. É do interior que saem os lombos para fazer as paias e a carne entremeada para os chouriços. Quanto à pele do lombo do animal e a camada de gordura subjacente, dão o toucinho, que vai ser curado na salgadeira.
Do resto da gordura do porco faz-se a banha, gordura alimentar usada tradicionalmente no Alentejo. Esta é feita numa tigela de fogo de grandes dimensões, aquecida ao lume de chão em cima duma trempe de ferro. A gordura vai derretendo e é necessário estar sempre a mexer para não esturrar. Quando a gordura está toda derretida é vazada para dentro de uma grande panela, para onde é coada com um pano branco. Ali acabará por coalhar, originando a banha. O resíduo que fica na tigela de fogo constitui os chamados torresmos, os quais são muito apreciados.
As costelas e a espinha, são consumidos nos primeiros dias após a matança. Depois há os pés, as orelhas, a focinheira, as costeletas, os lombinhos, etc., etc. É um nunca mais acabar de peças, cada uma das quais recebe desde logo o tratamento adequado.
OS PRESUNTOS
As pernas do porco podem ser consumidas como carne fresca ou utilizadas na confecção de presuntos. Para tal, a perna de porco é toda esfregada com sal, alhos moídos e vinho branco, ficando um dia a macerar. No dia seguinte, é metida em sal, sendo-lhe posta por cima uma tábua, na qual se assentam pedras pesadas, ficando assim 30 dias. Depois é levemente fumada, para se conservar e barrada com uma mistura de massa de pimentão, colorau e azeite. Cerca de um ano depois, o presunto está capaz de ser consumido.
OS ENCHIDOS
No segundo dia da matança, as tripas retiradas do porco são cortadas pelas mulheres em bocados de cerca de meio metro e lavadas em água corrente. Seguidamente, são viradas do avesso com o chamado pau de virar tripas (pau com cerca de 50 cm de comprimento e 1 cm de diâmetro, perfeitamente liso e de pontas arredondadas, para não furar as tripas). Depois de viradas, as tripas são novamente lavadas, de modo a ficarem completamente limpas. Seguidamente, são temperadas com massa de pimentão, dentes de alho pisados, sal e rodelas de laranja. Ficam assim durante quatro ou cinco dias até à sua utilização, sendo nessa altura lavadas com água corrente para ficarem perfeitamente limpas. Igual tratamento é dado ao buxo e à bexiga do porco.
Se a quantidade de tripa não for suficiente, utilizam-se tripas de porco salgadas, provenientes dum matadouro, lavadas com muito cuidado em água quente e viradas e tornadas a lavar, as quais recebem depois o mesmo tratamento das tripas do porco que foi abatido na ocasião. Também se utilizam tripas de vaca, secas ou salgadas, que recebem igual tratamento.
No segundo dia da matança, as mulheres também migam as carnes que vão ser usadas nos enchidos, cada um dos quais vai ter a sua própria composição. As carnes migadas são distribuídas por alguidares de barro, correspondentes aos diferentes enchidos, levando cada um deles, o seu próprio tempero. Assim:
- Chouriços: carne entremeada, alho, sal e pimentão.
- Paios: carne entremeada, alho, sal e pimentão.
- Paias: carne do lombo, alho, sal e pimentão.
- Farinheira branca: gordura, farinha, pimentão, alho e sal.
- Farinheira preta: gordura, farinha, sangue, pimentão, alho e sal.
- Morcela: carne entremeada, sangue, alho, sal, cominhos e cravinho.
Estas carnes temperadas ficam em repouso durante quatro a cinco dias, para adquirirem o gosto do tempero. Só depois são utilizadas na confecção dos vários tipos de enchidos:
- Paias: utilizam as duas peles de igual nome, onde está a banha do porco.
- Paios: utilizam a porção de tripa conhecida por paio, assim como a bexiga.
- Chouriços: utilizam as tripas do porco.
- Morcelas: utilizam as tripas do porco e o bucho.
- Farinheiras: utilizam as tripas de vaca.
O enchimento é feito pelas mulheres durante um dia, com o auxílio de uma enchedeira. Esta é um pequeno funil, de tubo largo e curto que é enfiado numa das extremidades da tripa, que entretanto foi atada numa das extremidades com um bocado de fio de carreto em excesso. Enquanto a mão esquerda segura a tripa e a enchedeira, a mão direita vai tirando pedaços de carne do alguidar, que são postos na boca da enchedeira, de onde são empurrados para dentro da tripa, até esta estar cheia. Quando isso acontece, retira-se a enchedeira e ata-se a extremidade do enchido com a ponta do mesmo fio de carreto que serviu para fechar a outra extremidade. Este procedimento é válido para chouriços, morcelas e farinheiras. No caso dos paios, como a porção de tripa conhecida por paio, assim como a bexiga só têm uma abertura, é esta que é atada com fio de carreto no final do enchimento. Finalmente no caso das paias, antes do enchimento elas são cosidas com linha branca naquilo que será a parte debaixo. Depois do enchimento, a abertura é atada com fio de carreto.
Os enchidos serão curados, pendurados em fueiros, no fumeiro da descomunal chaminé tradicional, cuja lareira arde continuamente. Farinheiras e morcelas levam cerca de uma semana a curar, dependendo da intensidade do lume de chão, ao passo que chouriços, paias e paios, levam cerca de um mês.
AS COMEZAINAS DA MATANÇA
A matança do porco é uma festa comunitária que envolve familiares, vizinhos e amigos que nos dois dias da matança, comem em casa de quem mata o porco. Logo à chegada, de manhã cedo, os homens matam o bicho com copinhos de aguardente, acompanhados por figos ou bolos secos. E durante a manhã vão bebendo os seus copinhos de vinho com pão e paio da matança do ano anterior. No primeiro dia ao almoço é habitual comer febras do cachaço do porco, grelhadas, acompanhadas com verdura cozida e pão. Ao jantar come-se cachola com rodelas de laranja. Já no segundo dia, ao almoço, come-se canja de arroz com carne dos ossos do peito, feijoada de cabeça de porco e frigenada. Ao jantar repete-se a dose e ninguém se queixa. Tudo muito bem regado com vinho tinto. Lá haverá algum homem que se engana no número de copos que bebeu e começará a dizer umas graçolas, recebidas com uma risada geral. Alguém dirá então: “Todo o preto tem o seu dia!”
A FUNÇÃO SOCIAL DA MATANÇA
A matança do porco tem como função contribuir para o estreitamento dos laços de solidariedade na comunidade. Por um lado, os familiares, vizinhos ou amigos participam e ajudam na matança e no local da matança comem nos dias que ela dura. Por outro lado, persiste o hábito comunitário cuja origem se perde no tempo e que consiste em quem mata, dar um prato de carne aos lares mais chegados, para que todos possam provar da matança. Com esta simples dádiva de sete ou oito pratos de carne, num momento em que esta é excessiva, ganha-se carne durante sete ou oito semanas, pois quem recebe, retribui com um prato de carne, quando faz a sua própria matança.
SINOPSE DUM ADAGIÁRIO PORTUGUÊS DO PORCO
É rica a literatura oral sobre o porco, em particular o adagiário. Dele fizemos um sinopse que sistematizámos por temas:
Gestação do porco
- Três meses, três semanas, três dias e três horas, bácoros fora.
Criação do porco
- Bácoro de Janeiro vai com seu pai ao fumeiro.
- Em Janeiro, um porco ao sol e outro ao fumeiro.
- Leitão de mês, cabrito de três.
- O repolho e o cevão têm de ficar feitos de Verão.
- Porca capada já se não descapa.
- Porco de um ano, cabrito de um mês e mulher dos dezoito aos vinte e três.
- Porco que nasce em Abril vai ao chambaril.
- Tem o porco meão pelo São João (24/06).
Alimentação do porco
- A cada porco agrada a sua pousada.
- A mau bácoro, boa lande.
- A melhor espiga é para o pior porco.
- A pia é a mesma, os porcos é que mudam.
- Ao porco nunca lhe enjoa o chiqueiro.
- Com que sonhas porco? Com a bolota.
- Nunca sonha o porco senão com a pia.
- O menino e o bacorinho vão para onde lhe fazem o ninho.
- O pior porco come a melhor bolota.
- O pior porco come a melhor lande.
- O porco depois de comer vira a pia.
- O porco, no comer, é invejoso.
- Porco velho, já lhe não vai a bolota à tripa.
- Porcos com fome, homens com vinho, fazem grande ruído.
Economia doméstica
- Bácoro de meias não é meu.
- Bom gado é porco.
- Branco ou preto, um porco é um porco.
- Negociante e porco, só depois de morto.
- O comerciante e o porco só se conhece depois de morto.
- O rico e o porco, depois de morto.
- Ou magro ou gordo, aqui está o porco todo.
- Porco rabão nunca enganou o patrão.
- Quanto mais porco, mais gordo.
- Quanto mais porco, mais toucinho.
- Quem tem porco tem chouriço.
Matança do porco
- A cada bacorinho vem seu São Martinho (11/11).
- A cada porco chega o São Tomé (21/12).
- A cada porco vem o seu São Martinho (11/11).
- A vida do porco é curta e gorda.
- Cada porco tem seu Natal (25/12).
- Cada porco tem seu São Martinho (11/11).
- É melhor ser porqueiro do que porco.
- No dia de São Martinho (11/11), mata o teu porco e prova o teu vinho.
- Pelo Santo André (30/11) mata o porco pelo pé.
- Por São Lucas (18/10), mata os porcos e tapa as cubas.
- Se queres ver o teu corpo, abre o teu porco.
Enchidos
- Atar e pôr ao fumeiro, como o chouriço de preta.
- Chouriço, chouriço, quem não mata não tem disso.
- Que é isso?" - "Chouriço".
- Sem sangue não se fazem morcelas.
Consumo
- Frigir a carne de porco com a banha do mesmo porco.
- Não há sermão sem Santo António, nem panela sem toucinho.
- Peixe e cochino, vida em água, morte em vinho.
- Porco fresco e vinho novo, cristão morto.
- Um sabor tem cada caça, mas o porco cento alcança.
Insultos a outrem
- Matar porco e dar a bexiga.
- Nem sabe amarrar o focinho a um porco.
PRECONCEITOS
A gíria popular chama “porco” a alguém que não é limpo e “pau de virar tripas” a uma mulher magra. Quanto ao adagiário é cruel quando compara a mulher a um porco:
- No dia de Santo de Santo André (30/1), quem não tem porco mata a mulher.
A sociedade está eivada de preconceitos ancestrais, como uma mulher não dever assobiar. Daí o adágio:
- Mulher que assobia, ou capa porcos ou atraiçoa o marido.
Igualmente por superstição e preconceito primitivo se considera que durante a matança do porco, desde o desmancho até aos enchidos, as mulheres com menstruação não devem mexer na carne, para esta não se estragar. Tudo isto constitui barreiras mentais de que a mulher se vem corajosamente libertando.

Texto publicado inicialmente em 15 de Abril de 2013

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

A eternidade do casamento na arte pastoril alentejana

 

Binómio colher-garfo. Arte pastoril de Manuel Cardoso. 
Amieira do Tejo. Colecção Victor Tavares Santos.

Os corações patentes nos cabos dos talheres, sugerem que eles se amam um ao outro, porventura por que se complementam funcionalmente nas refeições e não podem passar um sem o outro. Daí que o pastor de Amieira do Tejo, os tenha ligado num aro, como se de uma aliança de casamento se tratasse. Subjacente a mensagem da eternidade do casamento.

Hernâni Matos

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Arte pastoril alentejana e Exposição do Mundo Português

 

Colher em madeira. Artefacto de arte pastoril alentejana da autoria de Joaquim Teodoro da Cruz. Orada, 1940.

Há alguns anos atrás, em conversa  amiga e habitual com o artesão oradense João Catarino, foi-me dito por este que estava à venda num antiquário de Borba, uma colher antiga em madeira, bordada com a imagem de Nossa Senhora [1]. Disse-me ainda, mais ou menos isto: “O professor é coleccionador, mas se não a comprar, compro-a eu, que aquilo é coisa antiga, feita por alguém da minha terra”. Como não deixo os meus créditos por mãos alheias, lá fui ao antiquário para “abrir os cordões à bolsa” e comprar a linda colher, cuja descrição passo de imediato a fazer.

Colher de madeira com 17 cm de comprimento, em cujo cabo encimado por uma cruz, figura a imagem lavrada de Nossa Senhora da Orada. Junto à base do manto, as iniciais "JT" do artesão Joaquim Teodoro da Cruz [2], inscritas num coração, o que decerto simbolizará a devoção do artista popular por aquela imagem de Nossa Senhora.

Próximo da zona de ligação do cabo à concha, as inscrições "ORADA" e "1940", distribuídas por duas linhas.

1940 foi o ano da "Exposição do Mundo Português", que teve lugar de 23 de Junho a 2 de Dezembro de 1940. Foi um evento realizado em Lisboa durante o regime do Estado Novo, com o propósito de comemorar simultaneamente as datas da Fundação do Estado Português (1140) e da Restauração da Independência (1640).

ORADA é a aldeia da naturalidade de Joaquim Teodoro da Cruz, que terá participado na Exposição na qualidade de artesão.

A vila de Orada participou em 30 de Junho desse ano no “Cortejo Histórico do Mundo Português” (https://www.youtube.com/watch?v=yZg3f-4NXac), o qual teve lugar no recinto da Exposição e foi criado e encenado por Henrique Galvão.

A vila da Orada ficara, de resto, classificada em 2.º lugar no concurso "A aldeia mais portuguesa de Portugal"(https://books.openedition.org/etnograficapress/569), organizado em 1938 pelo Secretariado de Propaganda Nacional (SPN). A apresentação da vila da Orada ao júri do concurso, decorreu a 2 de Outubro de 1938 e pode ser visualizada no extracto do filme "A Aldeia mais Portuguesa de Portugal" (https://www.facebook.com/watch/?v=1103185636453994), realizado por António de Menezes, em 1938. 


[1] Nossa Senhora da Orada é Padroeira da Freguesia da Orada no concelho de Borba e é venerada na Igreja de Nossa Senhora da Orada, que segundo a tradição terá sido fundada pelo Condestável D. Nuno Álvares Pereira, o qual no local terá orado antes de partir para a Batalha dos Atoleiros, da qual o exército português saiu vitorioso. De salientar que o condestável era o donatário daquelas terras e a Igreja já aparece referenciada no século XVI.

[2] A identificação do autor a partir das iniciais foi feita após conhecimento de outra colher, identificada por Vitor Tavares Santos (https://www.facebook.com/photo/?fbid=10212487299973993&set=g.1505900599500258), o qual conheceu o artesão quando vivia em Cacilhas no andar superior do antigo Quartel de Bombeiros. A Vitor Tavares Santos os meus agradecimentos.

segunda-feira, 16 de setembro de 2024

CICLO DA CORTIÇA - Uma jóia de arte pastoril alentejana

 


Fig. 1

Guardador de memórias de arte pastoril alentejana, sob a epígrafe QUANDO A CORTIÇA SE TRANSFORMA EM ARTE, publiquei recentemente no Facebook, as imagens de 3 quadros em cortiça, pertencentes ao meu acervo de arte pastoril alentejana, os quais mereceram o apreço generalizado de amigos e seguidores.

Uma dessas pessoas foi a minha estimada amiga Manuela Mendes, que há muito assumiu o Compromisso de Salvaguarda da Memória da Fábrica Robinson de Portalegre, que muito justamente considera a verdadeira JOIA da COROA de Portalegre. Como comentário à terceira publicação que eu fiz dos meus quadros de cortiça, perguntou:

- “E este Prof? Um dos muitos exemplares de grande formato feito em Portalegre na primeira metade do séc. XX.”

Referia-se a uma folha de calendário para os meses de Maio e Junho de 1963, impresso em aglomerado de cortiça e editado pela Fábrica Robinson de Portalegre (Fig. 2).
A minha resposta foi a seguinte:

Manuela:

Este quadro (Fig. 1) é de tal maneira extraordinário, que se situa num patamar superior a tudo aquilo que me é dado conhecer.

A moldura é em cortiça.

A orla que ladeia interiormente a moldura é um autêntico filigrana do mesmo nobre material.

O tema do quadro é o registo etnográfico do “Ciclo da cortiça” nas suas diferentes fases em tempos de antanho, com a particularidade de os intervenientes no ciclo estarem representados por figurinhas esculpidas em madeira.
Onde parará esta jóia da arte pastoril alentejana? Quem terá sido o seu criador? São duas perguntas (im)pertinentes, que ficam à espera de resposta.

Se me autorizar a reproduzir a imagem e se não se importar, após adaptação publicarei o presente texto no meu blogue.

Bem-haja. Um forte abraço deste caminheiro e guardador de memórias da arte pastoril alentejana, que admira todo o seu trabalho em prol da preservação da Memória da Fábrica Robinson de Portalegre.

E a autorização chegou.

Hernâni Matos


Fig. 2