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segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

Contributo para uma Simbólica das Figuras de Presépio


Fig. 1 - Berço das pombinhas (1983). Liberdade da Conceição (1913-1990).
Colecção Jorge da Conceição.

Referências bíblicas
O Presépio é um dos grandes símbolos religiosos que retrata o Natal e o nascimento de Jesus. Etimologicamente, a palavra “Presépio” provém do latim “Praesepium”, que genericamente significa curral, estábulo, lugar onde se recolhe gado e que, numa outra óptica, designa qualquer representação do nascimento de Cristo, de acordo com os Evangelhos (LUCAS 2: 1 a 18) e (MATEUS 2: 1 a 11). Deles destaco a Anunciação do Anjo do Senhor aos pastores: “Isto vos servirá de sinal: achareis um recém-nascido envolto em faixas e posto numa manjedoura.” (LUCAS 2: 12), bem como “Foram com grande pressa e acharam Maria e José, e o Menino deitado na manjedoura.” (LUCAS 2: 16).
Um elemento chave dos Presépios tradicionais de Estremoz é o chamado “Berço do Menino Jesus”, cuja simbólica me proponho aqui analisar em dois casos concretos.

Simbólica do Berço das pombinhas
O “Berço das pombinhas” (Fig. 1) é revelador da modificação introduzida pelos barristas de Estremoz no contexto do nascimento de Jesus. Nele, a manjedoura de Belém transfigurou-se em berço com espaldar à maneira das camas senhoriais, já que para os cristãos, Jesus Cristo é Rei e Senhor do Universo. O berço é decorado com recurso ao azul do Ultramar e ao ocre amarelo. Trata-se de cores garridas associadas às claridades do Sul e utilizadas no embelezamento das habitações populares desta terra transtagana.
Na simbologia judaico-cristã, a pomba é um símbolo de pureza e de simplicidade, bem como daquilo que de imorredouro existe no Homem, o princípio vital, a Alma. As quatro pombas brancas poderão ser uma representação alegórica dos quatro evangelistas (Mateus, Marcos, Lucas e João), que narraram a vida e a doutrina de Jesus Cristo como um Evangelho, visando preservar os seus ensinamentos ou revelar aspectos da natureza de Deus.
O simbolismo do galo está associado aos cultos solares da antiguidade, nos quais o Sol era venerado como divindade. De acordo com a tradição do culto mitraísta, o galo cantou no momento do nascimento de Mitra, o deus do Sol, da sabedoria e da guerra na Mitologia Persa. O mito viria a ser recuperado pela Religião Cristã, estando na origem da Missa do Galo, celebrada na passagem de 24 para 25 de Dezembro, assinalando o nascimento de Jesus. Não há confirmação histórica de que Jesus tenha nascido na data em que se comemorava o nascimento de Mitra. Todavia, ela foi adoptada pelo Cristianismo, visando fundir os dois cultos, uma vez que o culto a Mitra estava enraizado entre os romanos. A data corresponde também no Hemisfério Norte ao início do Solstício de Inverno, no qual os mitraístas celebravam o seu culto. O Cristianismo adoptou o galo como símbolo do arauto anunciador de boas novas, uma vez que o nascimento de Jesus correspondia ao despontar de uma nova luz para o mundo. Segundo a lenda, a única vez que o galo cantou foi à meia-noite, anunciando o nascimento de Jesus.
De acordo com a Mitologia Popular Portuguesa: - "O galo quando canta diz: - “Jesus é Cristo”; - "O canto do galo à meia-noite faz dispersar a assembleia do Diabo e das Bruxas"; - "É mau agouro um galo cantar antes da meia-noite". Para o Adagiário Português: - “Galo que fora de horas canta / Cutelo na garganta”; - "O galo preto espanta as coisas ruins"; - “Galo branco não dá manhã certa”.
A figura do Menino Jesus está deitada sobre o seu lado direito. O braço esquerdo apoia-se no peito. Trata-se possivelmente de uma alegoria ao “Sagrado Coração de Jesus”. Recorde-se que no antigo Egipto, a mão colocada sobre o peito, indicava a atitude do sábio, que no caso de Jesus é Sabedoria Divina. Já a mão direita no pescoço assinalava a posição do sacrifício, aqui uma possível alegoria ao sacrifício de Jesus na cruz.

Fig. 2 - Berço dos anjinhos (2017). Ricardo Fonseca (1986 - ).
Colecção Hernâni Matos.

Simbólica do Berço dos anjinhos
À semelhança do “Berço das pombinhas” (Fig. 1), também o ”Berço dos anjinhos” (Fig. 2) é revelador da modificação introduzida pelos barristas de Estremoz no contexto do nascimento de Jesus. É igualmente decorado com recurso ao azul do Ultramar e ao ocre amarelo.
O simbolismo do galo é análogo ao do “Berço das pombinhas”. O galo está ladeado de dois anjinhos, mensageiros de Deus junto dos homens. Ostentam asas numa alusão clara à sua capacidade de ascensão ao Céu. São em número de dois, já que Jesus Cristo manifesta dois aspectos: o Divino e o humano. Tocam trombeta, instrumento musical usado para anunciar os grandes acontecimentos históricos e cósmicos. As trombetas associam aqui o Céu e a Terra numa celebração única: o nascimento de Jesus Cristo.
O espaldar do berço está enfeitado com um laço dourado. Na antiga Grécia existia o costume de atar as imagens dos Deuses com um laço, para que não abandonassem o local e o povo. No antigo Egipto, o laço simbolizava a eternidade, pela união entre os deuses e os homens, o Céu e a Terra. Por outras palavras, o laço pode ser encarado como um supremo privilégio de domínio dos deuses. No Cristianismo, os laços das vestimentas representam os três votos: a obediência, a pobreza e a castidade. Modernamente, o laço dourado é símbolo de promoção do valor da amamentação para a sociedade. A cor dourada simboliza a amamentação como padrão ouro para a alimentação infantil. Uma parte do laço representa a mãe e a restante representa a criança. O laço é simétrico, o que significa que a mãe e a criança são ambos vitais para o sucesso da amamentação. Sem o nó não haveria laço, pelo que o nó representa o pai, a família e a sociedade, sem os quais a amamentação não teria êxito. O laço encontra-se ladeado de folhas de sobreiro com bolotas, numa alegoria ao Alentejo.
O berço encontra-se marginado por arcos sensivelmente ogivais, parcialmente encobertos por ramos de palma, verdes. Os ramos de palma simbolizam o martírio de Jesus, uma vez que a palma é considerada um atributo dos mártires, que na arte cristã ocidental são representados empunhando um ramo de palma. Esta, desde a época pré-cristã que é considerada como um símbolo de vitória e de ascensão, pelo que os heróis eram saudados com ramos de palma ao retornarem vitoriosos das batalhas. Os romanos usaram os ramos de palma como símbolo de vitória contra os judeus. Estes viriam a reagir, pelo que de acordo com os quatro evangelhos canónicos, Jesus foi recebido festivamente com ramos de palma na sua entrada triunfal em Jerusalém. Por isso a palma veio a ser adoptada pelos primeiros cristãos como símbolo da vitória dos fiéis sobre os inimigos da alma e é ainda encarada pelos cristãos como símbolo da vitória na guerra travada pelo espírito contra a carne. Daí que no Domingo de Ramos, os fiéis transportem ramos de palma abençoados pelo sacerdote no início da Procissão de Ramos. Pelo facto de se manter sempre verde, a palma encerra em si um simbolismo associado à Ressurreição e Imortalidade de Cristo após o drama do Calvário.
Entre os arcos ogivais, 4 corolas de gerbera que simbolizam a pureza e a inocência das crianças e aqui do Menino Jesus. Da esquerda para a direita e em sequência espectral, as cores e o respectivo simbolismo são sucessivamente: violeta (espiritualidade, mistério e misticismo), azul (nobreza, harmonia e serenidade), laranja (alegria e vitalidade) e vermelho (paixão e amor). As corolas são em número de 4, já que para Pitágoras o número 4 era perfeito, pelo que foi o número utilizado para fazer referência ao nome de Deus. Aquele número está também ligado ao simbolismo da cruz e ao número de evangelistas que descreveram a vida de Jesus.
A figura do Menino Jesus está deitada de costas em cima das palhinhas e com o braço esquerdo apoiado no peito, o que tem interpretação análoga à do “Presépio das pombinhas”. O braço direito encontra-se esticado ao longo do corpo, com a palma da mão aberta, o que significa que não tem nada a esconder. Trata-se da mão direita, a mão que abençoa. A palma está virada para o Céu, simbolizando pacificação e dissipação de todo o medo.

Hernâni Matos
Publicado inicialmente em 21 de Dezembro de 2023
Publicado no jornal E, n.º 324, de 21 de Dezembro de 2023
 

sábado, 7 de dezembro de 2024

Aconteceu há 7 anos: Inscrição da Produção de Figurado em Barro de Estremoz na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade

Parte da delegação portuguesa que se deslocou à República da Coreia. Da esquerda
para a direita: Luís Mourinha (Presidente da Câmara Municipal de Estremoz), Manuel
António Gonçalves de Jesus (Embaixador de Portugal na República da Coreia), António
Ceia da Silva (Presidente do Turismo do Alentejo) e Hugo Guerreiro (Director do Museu
Municipal de Estremoz e Responsável Técnico da Candidatura). Fotografia reproduzida
com a devida vénia, a partir do Facebook de António Ceia da Silva.


Importa aqui e mais uma vez, salientar o mérito daqueles a quem se deve o êxito de uma candidatura que se viria a tornar vitoriosa:
1º) Hugo Guerreiro, Director do Museu Municipal de Estremoz, que despoletou e argumentou a candidatura, a qual veio a ter êxito e que corresponde ao primeiro figurado do mundo a merecer a distinção de Património Cultural Imaterial da Humanidade.
2º) Os barristas do passado e do presente, que com o labor e criatividade das suas mãos mágicas e desde as bonequeiras de setecentos, transmitiram de geração em geração e até à actualidade, uma produção sui generis de Bonecos em barro, dita ao “modo de Estremoz”.
3.º) O escultor José Maria de Sá Lemos, que nos anos 30 do séc. XX e recorrendo à velha bonequeira Ana das Peles primeiro e ao Mestre oleiro Mariano da Conceição depois, deu um contributo decisivo para a revitalização da produção de Bonecos de Estremoz, considerada extinta desde 1921.
4º) Os estudiosos, investigadores, escritores e publicistas que com o seu esforço não deixaram morrer a memória dos Bonecos de Estremoz: Luís Chaves, D. Sebastião Pessanha, Virgílio Correia, Azinhal Abelho, Solange Parvaux, Joaquim Vermelho e outros.
5.º) Os coleccionadores, dos quais o mais destacado é Júlio dos Reis Pereira, que ao longo de décadas foram reunindo, catalogando, estudando, comparando e interpretando espécimes que viabilizaram a apresentação de uma candidatura pelo Município de Estremoz.
- BEM HAJAM!

sábado, 16 de novembro de 2024

Estórias do autor

 

Hernâni Matos (1946 - ). Desenho a carvão de Filipa da Silveira.


O presente texto integra o meu livro
publicado pelas Edições Afrontamento
no outono de 2018


Recolector
Desde os longínquos tempos do bibe e do pião que sou recolector de objectos materiais que fazem vibrar as tensas cordas de violino da minha alma. Nessa conjuntura, tornei-me filatelista, cartofilista, bibliófilo, ex-librista e seareiro nos terrenos da arte popular, muito em especial a arte pastoril e a barrística popular de Estremoz.
Respigador nato, cão pisteiro, farejador de coisas velhas, o meu olhar cirúrgico procede sistemática e metodicamente ao varrimento de scanner no Mercado das Velharias em Estremoz, no qual sou presença habitual e onde recolecto objectos que, duma forma virtual, pré-existiam no meu pensamento.

Coleccionador
Desde os dez anos de idade que transporto na massa do sangue o espírito de coleccionador. Marca genética ou atávica, não sei, mas que veio ao de cima lá por essa idade, veio. E é um facto tão real como o odor da flor de esteva ou o castanho da terra de barro.
Coleccionar é reunir num todo, objectos que têm, pelo menos, uma característica ou funcionalidade comum. A motivação para o fazer pode ser diversa, como distintas podem ser as consequências de uma colecção. Pode ficar guardada numa caixa ou arrumada numa prateleira de estante ou mesmo numa vitrina, como também pode ser objecto de estudo numa procura de respostas, desde sempre procuradas pela alma humana.
Há objectos que, pelos mais diferentes motivos, somos levados a coleccionar. E nenhuma colecção é estática, mas antes bem pelo contrário, dinâmica, uma vez que com o porvir há que a reformular, pelo aumento do grau de exigência imposto e mesmo fruto de uma certa especialização, os quais diminuem o espectro daquilo que se colecciona.

A cartofilia como trampolim para a Etnografia.
Sou cartófilo desde que me reconheço como coleccionador e tenho-me dedicado a tópicos como a Etnografia Portuguesa, com especial incidência na Etnografia Alentejana. A Cartofilia servir-me-ia de trampolim para outros voos como a Etnografia, uma vez que a Cartofilia é um poderoso auxiliar daquela, visto os bilhetes-postais ilustrados registarem para a perpetuidade, elementos recolhidos num dado contexto geográfico, social e temporal, relativos às características de uma determinada comunidade, rural ou urbana: o seu traje, a sua faina, os seus usos e costumes, as suas festas e romarias. De resto, colecciono postais topográficos de todo o país, muito especialmente do Alentejo e predominantemente de Estremoz. O meu interesse pela Cartofilia estendeu-se à Fotografia, pelo que acabei por adquirir colecções de fotografias antigas, as quais servem para ilustrar temas sobre os quais me debruço e investigo.

Coleccionar Bonecos de Estremoz
Uma das coisas que colecciono são os Bonecos de Estremoz, os quais descobri há mais de quarenta anos. E digo que descobri, porque efectivamente, nado e medrado em Estremoz, tinha os olhos abertos, mas não via, como acontece a muito boa gente. Até que um dia, os meus olhos foram para além da missão elementar de observar o óbvio. Então a minha retina transmitiu às redes neuronais um impulso nervoso que se traduziu numa emoção com um misto de estético e de sociológico. Foi tiro e queda a minha atracção pelos Bonecos de Estremoz.
Bonecos que duplamente têm a ver com a nossa identidade cultural estremocense e alentejana, Bonecos que antes de tudo são arte popular, naquilo que de mais nobre, profundo e ancestral, encerra este exigente conceito estético-etnológico.
Bonecos moldados pelas mãos do povo, a partir daquilo que a terra dá - o barro com que porventura Deus terá modelado o primeiro homem e as cores minerais já utilizadas pelos artistas rupestres de Lascaux e Altamira no Paleolítico, mas aqui garridas e alegres, como convém às claridades do Sul.

A Bibliofilia como suporte para a Escrita
Sou bibliófilo há cerca de 50 anos, com interesses focalizados na Cultura Portuguesa, ainda que espraiados por uma vasta gama de sub-domínios: Arte Popular, Arte Erudita, Etnografia, Literatura de Tradição Oral, Poesia Popular, Poesia Erudita, Teatro, História de Portugal, História de Arte, História Local, Regionalismo, Monografias, Agricultura, Dicionários, Publicações Periódicas Nacionais, Imprensa local. Daí que possua na minha biblioteca pessoal a quase totalidade da bibliografia referida no presente livro.

Um corolário natural
Sou um homem de escrita e esta é um meio de que me sirvo para dar conta de tudo aquilo que me estimula a alma. Por isso, este livro é um corolário natural de um dos meus múltiplos percursos de vida, o de coleccionador e investigador da barrística popular de Estremoz. 

sábado, 14 de setembro de 2024

A olaria tradicional de Estremoz é de se lhe tirar o chapéu


Moringue

A olaria tradicional de Estremoz é extremamente rica em múltiplos aspectos. Na verdade, observando-a como um todo, revela-se de imediato uma grande variedade de funcionalidades, tipologias, morfologias, tipos de decoração e tamanhos.

Assim, por exemplo, a funcionalidade “recipiente para água”, depara-se imediatamente com a possibilidade de assumir várias tipologias: ânfora, barril, bilha, cafeteira, cântaro, cantil, copo, depósito, garrafa, jarro, moringue, pote, púcaro, reservatório, tronco. A qualquer uma destas tipologias, podem corresponder múltiplas morfologias, dependendo do modo como a volumetria do objecto olárico foi preenchendo o espaço tri-dimensional, à medida que o mesmo crescia na roda, até atingir a sua forma final. Daí que seja notável, por exemplo, a diversidade morfológica dos moringues. A uma tal variedade há que acrescentar a multiplicidade introduzida pelo tipo de decoração escolhido: pedrado, riscado, polido, relevado e suas possíveis combinações.

Creio que o leitor perceberá agora a razão de ser do presente texto, assim como perceberá decerto a dureza da tarefa hercúlea que constitui a recuperação da extinta olaria tradicional de Estremoz. 

Hernâni Matos

Publicado em 14 de Setembro de 2024

Pote com tampa

Depósito com tampa


Cafeteira

Ânfora


Bilha


Garrafão

Tronco

sábado, 3 de agosto de 2024

Alforge – Mercado das Velharias de Estremoz



Os burros usados outrora no transporte de carga podiam ser portadores de um “alforge”, faixa de tecido grosseiro com dois sacos nas extremidades, os quais ficavam dependurados de cada lado do animal, após o alforge se encontrar assente na “albarda”, sela grosseira cheia de palha que era aparelhada no dorso do animal.

O alforge aqui apresentado, fazia parte do recheio de um monte alentejano e foi confeccionado em tecido grosseiro com quadrados vermelhos e brancos. Encontra-se guarnecido à volta com um debrum branco e o topo dos sacos ostenta um recorte branco com um bordado cor-de-rosa. De cada uma das extremidades do saco pende uma borla cor-de-rosa.

Os sacos encontram-se monogramados com as letras “M” e “A, bordadas a linha cor-de-rosa, correspondentes decerto às iniciais do(a) proprietário(a) e cada uma das letras está ladeada por dois pés de uma flor indefinida, bordada a vermelho, cor-de-rosa e verde claro.

A decoração do alforge não faria sentido em exemplares usados no serviço diário, o que me leva a admitir que se destinava a ser usado apenas em dias festivos, como era o caso da “bênção do gado” pelo pároco da freguesia, tradição rural cuja origem se perde na memória dos tempos.

Hernâni Matos

domingo, 21 de julho de 2024

Os Bairros do Castelo e de Santiago em Estremoz, um levantamento de Rui Pimentel

 




Créditos fotográficos:
Maria Miguéns - Município de Estremoz

Este o título da exposição inaugurada ontem pelas 16 horas na Galeria Municipal D. Dinis em Estremoz e que ali estará patente ao público até ao próximo dia 15 de Setembro.

A mostra é constituída por um conjunto de fotografias e plantas arquitectónicas elaboradas pelo arquitecto Rui Pimentel do grupo CIDADE e visam estudar a zona que constitui o cerne que está na génese da cidade de Estremoz.

Ao acto inaugural, presidido pelo Presidente do Município José Daniel Sadio, compareceram cerca de duas dezenas de pessoas que ali se deslocaram atraídas pelo trabalho de Rui Pimentel, cuja actividade polifacetada transpôs há muito o domínio formal da arquitectura e se espraiou aos campos do design gráfico, cenografia para teatro, banda desenhada, ilustração, concepção de exposições, caricatura e cartoon.

Coube a Isabel Borda d’Água, directora do Museu Municipal de Estremoz, a apresentação do arquitecto Rui Pimentel, que de seguida explanou o trabalho efectuado. A finalizar, o Presidente do Município, José Daniel Sadio, agradeceu o trabalho do arquitecto Rui Pimentel e referiu-se aos desafios que se põem ao Município e às condicionantes a que este está sujeito. Verificaram-se ainda algumas intervenções por parte de alguns elementos do público, que não quiseram deixar de exprimir as suas opiniões pessoais acerca de toda a problemática suscitada pela presente exposição.

sábado, 6 de abril de 2024

LAAF - LISBON ART AND ANTIQUES FAIR 2024



Entre 12 e 21 de Abril terá lugar em Lisboa, na Cordoaria Nacional, a LAAF - LISBON ART AND ANTIQUES FAIR 2024.
Trata-se da mais prestigiada Feira de Arte e Antiguidades de Portugal, organizada pela Associação Portuguesa dos Antiquários (APA) desde os anos 90. Em 2019, o evento alterou o seu nome para a actual designação, entrando definitivamente no calendário internacional de Feiras de Arte e Antiguidades.
Nesta 21.ª edição, a Feira contará com 34 expositores;

ACHRONIMA – FÁBIO SOUSA
ÂNFORA ASIAN ART
ANTÓNIO COSTA ANTIGUIDADES
ARISTOPASSAGEM
ALBA CABRERA GALERIA DE ARTE
BARROS & BERNARD
CARLOS CARVALHO ARTE CONTEMPORÂNEA
D’OREY AZULEJOS E ANTIGUIDADES
ESPADIM 1985
GALERIA BELO-GALSTERER
GALERIA BESSA PEREIRA
GALERIA DA ARCADA
GALERIE PHILIPPE MENDES
GALERIA SÃO MAMEDE
GALERIA ULTRAMAR
ILIDIO CRUZ
ISABEL LOPES DA SILVA
J. BAPTISTA
JOANA ARANHA – ARQUITECTURA E DESIGN DE INTERIORES
JOSÉ SANINA ANTIQUÁRIO
LUÍS ALEGRIA
MANUEL CASTILHO
MANUELA VERDE LÍRIO
MIGUEL ARRUDA ANTIGUIDADES
OBJECTISMO - NUNO LOPES CARDOSO
PAB / AGUIAR-BRANCO
PJV – ART PEDRO JAIME VASCONCELOS
RICARDO HOGAN ANTIGUIDADES
ROTA DO TEMPO – JOÃO RAMADA
RUI FREIRE
SÃO ROQUE, ANTIGUIDADES E GALERIA DE ARTE
TOMÁS BRANQUINHO DA FONSECA – TBF FINE ART
TREMA
TRICANA GALERIA

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Vera Magalhães recebeu o Certificado de Artesã Produtora de Bonecos de Estremoz

 

A barrista Vera Magalhães ladeada pelo  Presidente do Município, José Daniel Sadio
pelo Presidente da Assembléia Municipal, Ricardo Catarino.
 Fotografia de Município de Estremoz.

Teve lugar ontem no Salão Nobre dos Paços do Concelho de Estremoz, uma Sessão Comemorativa do 6.º aniversárioda Inscrição da Produção de Figurado em Barro de Estremoz na ListaRepresentativa de Património Cultural Imaterial da UNESCO.

No decurso da cerimónia foi entregue à barrista Vera Magalhães, o Certificado de Artesã Produtora de Bonecos deEstremoz, que lhe foi outorgado pela Adere-CERTIFICA, entidade credenciada para conceder aquela certificação.

Anteriormente, a barrista Vera Magalhães frequentou um “Curso de Formação sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz”, que entre 20 de Setembro a 6 de Dezembro de 2019, teve lugar no Palácio dos Marqueses de Praia e Monforte, em Estremoz. O Curso foi promovido pelo CEARTE – Centro de Formação Profissional para o Artesanato e Património, em parceria com o Município de Estremoz. O Curso com a duração de 150 horas e de Nível QNQ 2, teve formação técnica a cargo do barrista Jorge da Conceição. Foi frequentado por 16 formandos, dos quais até à presente data, 4 foram certificados pela Adere – CERTIFICA, como artesãos produtores de Bonecos em Barro de Estremoz.

Mais recentemente, a barrista teve a Exposição “TRADIÇÃO E CULTURA - Bonecos de Estremoz de Vera Magalhães” patente ao público no Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz, entre os dias 9 de Setembro e 26 de Novembro.



terça-feira, 7 de novembro de 2023

FEIRA DE OUTONO / APA - Arte e Antiguidades





Entre 15 e 19 de Novembro, terá lugar em Lisboa, no edifício da Sociedade Nacional das Belas Artes, em Lisboa, a 4ª edição da “FEIRA DE OUTONO – APA, Arte e Antiguidades”. Trata-se duma iniciativa da Associação Portuguesa dos Antiquários (APA).
Nesta 4.ª edição, a Feira contará com 15 expositores, número que é o maior de sempre.
A Comissão Organizadora realizou uma cuidadosa e criteriosa selecção de expositores e todas as obras foram sujeitas a peritagens realizada por especialistas nas diversas áreas, garantindo assim a sua autenticidade e qualidade.
A realização desta FEIRA DE OUTONO vem colmatar a inexistência de uma feira de referência no centro da capital, com a garantia de qualidade que a APA nos tem vindo a habituar ao longo de mais de 30 anos.
Informação pormenorizada pode ser obtida, clicando na lista de expositores por ordem alfabética
Ilídio Cruz
O horário de funcionamento é o seguinte: Quarta a Sábado, das 13h às 21h e Domingo, das 13h às 19h.

quinta-feira, 20 de julho de 2023

Mestres Bonequeiros de Estremoz

 
Mariano da Conceição (1903-1959). Fotografia de Rogério de Carvalho (1915-1988).
Arquivo fotográfico do autor.

Prólogo
A língua portuguesa é rica em múltiplos aspectos. Um deles resulta do facto de um mesmo termo ser susceptível de várias interpretações. É o que se passa com o termo “Mestre”, substantivo masculino, cuja etimologia provém do latim “magistru”, “o que comanda, que conduz, que dirige, que ensina”.
O termo “Mestre” no verdadeiro sentido do termo, é usado no contexto de múltiplas actividades profissionais, designando alguém que tem aprendizes numa oficina. Por outro lado, a nível das artes, pelo menos desde a Idade Média que a designação atribuída a Mestres que pela excelência do seu trabalho se destacam dos outros Mestres, é a de Grandes Mestres. Todavia, o termo “Mestre” tem sido banalizado e é usado paralelamente e muitas vezes com carácter subjectivo, para designar quem domina muito bem uma actividade profissional, ainda que não tenha aprendizes.
A utilização do termo “Mestre” é comum a múltiplas actividades, entre elas a de barristas ou bonequeiro(a)s. Daí que me proponha suscitar uma reflexão em torno da correcta utilização do mesmo, retrocedendo no tempo em termos de dados históricos relativos a Bonecos de Estremoz.

Mestres bonequeiros no século XIX
Entre as referências mais antigas a figuras em barro de Estremoz, destacam-se as das actas de sessões da Câmara Municipal de Estremoz, de 31 de Outubro e de 10 de Dezembro de 1770, que referem a existência de mulheres chamadas “boniqueiras”, que fazem figuras e “brincos”. Fica-se a saber que nessa época a produção de figuras em barro era efectuada exclusivamente por mulheres, situação que se altera em data que não é possível apurar. Na verdade, o Mapa das Fábricas existentes no Distrito de Évora em 1837 (Fundo do Governo Civil de Évora - Arquivo Distrital de Évora), mostra que em 1 de Janeiro de 1837, no concelho de Estremoz e na freguesia de Santo André, existem 26 oficinas de figuras, com 26 proprietários, 26 mestres e 36 operários (7 homens, 18 mulheres e 11 rapazes). Naquela data, a produção de figuras em barro encontrava-se já em decadência, deixara de ser efectuada exclusivamente por mulheres e cada oficina era dirigida por um mestre que era também o proprietário.

Mariano Augusto da Conceição (1903-1959)
O escultor José Maria Sá Lemos (1892-1971), director da Escola Industrial António Augusto Gonçalves conseguiu, entre 1933 e 1935, a recuperação da tradição de manufactura dos Bonecos de Estremoz, considerada extinta com a morte de Gertrudes Rosa Marques (1840-1921). O instrumento primordial dessa recuperação foi a velha bonequeira Ana das Peles (1859-1945) e Mariano Augusto da Conceição (1903-1959), oleiro, foi o instrumento de continuidade dessa recuperação.
Mariano Augusto da Conceição era neto de Caetano Augusto da Conceição, fundador da Olaria Alfacinha e filho primogénito de Narciso Augusto da Conceição, que orientou aquela oficina até 1933. Ingressou como Mestre provisório da Oficina de Olaria na Escola Industrial António Augusto Gonçalves, em 3 de Dezembro de 1930, passando à situação de Mestre contratado em 29 de Abril de 1931 e de Mestre efectivo em 19 de Março de 1936, cargo que desempenhou ininterruptamente até à sua morte prematura em 30 de Setembro de 1959. Na escola e em contexto de ensino-aprendizagem foi para além de Mestre oleiro, Mestre bonequeiro que ensinou gerações de alunos a produzir Bonecos de Estremoz. Destaco desses alunos, o pintor Armando Alves (1935 - ) e as barristas Aclénia Pereira (1927-2012) e Maria Luísa da Conceição (1934-2015), sua filha. De salientar que os Bonecos produzidos na escola eram comercializados pela própria escola, funcionando assim como receita da mesma e os alunos recebiam por isso um salário.

Sabina da Conceição Santos (1921-2005)
Em 1960, depois da morte do seu irmão Mariano da Conceição, Sabina da Conceição Santos tomou a atitude corajosa de prosseguir com estilo muito próprio, a manufactura de Bonecos de Estremoz, impedindo assim que a arte se perdesse. Sabina nunca tinha confeccionado Bonecos, apenas vira o irmão fazê-los. Formou-se a ela própria, usando como modelos os Bonecos do seu irmão. Dentre as discípulas que até à aposentação em 1988, passaram pela sua oficina e das quais foi Mestra, ressaltam aquelas que se estabeleceram por conta própria: Fátima Estróia (1948- ), Isabel Carona Bento (1949-2006) e Irmãs Flores [Maria Inácia (1957- ) e Perpétua (1958- )]. Estas últimas completaram recentemente 50 anos de carreira, o que levou o Município a distingui-las com um louvor, para “expressar-lhes reconhecimento e gratidão pelos seus 50 anos de dedicação efetiva ao Boneco de Estremoz, pelo apuro técnico e estético do seu trabalho e pela disponibilidade que sempre demonstraram na salvaguarda e valorização desta arte multisecular.”

Sabina da Conceição Santos (1921-2005) nos anos 70 do séc. XX, tendo à sua direita
 as discípulas Maria Inácia Fonseca (1957- ) e Perpétua Sousa (1958- ). Fotografia
de Xenia V. Bahder. Arquivo fotográfico do autor.

Jorge da Conceição (1963 - )
Entre 20 de Setembro a 6 de Dezembro de 2019, teve lugar um “Curso de Formação sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz”, que decorreu no Palácio dos Marqueses de Praia e Monforte, em Estremoz. O Curso foi promovido pelo CEARTE - Centro de Formação Profissional para o Artesanato e Património, em parceria com o Município de Estremoz. O Curso com a duração de 150 horas e de Nível QNQ 2, teve formação técnica a cargo do barrista Jorge da Conceição, que contou com o apoio inestimável de Isabel Água e de Luís Parente. Foi frequentado por 16 formandos e ali se formou um grupo de barristas, dos quais 6 se encontram presentemente a produzir. São eles: Ana Catarina Grilo, Inocência Lopes, José Carlos Rodrigues, Madalena Bilro, Manuel J. Broa e Vera Magalhães. Desses 6 e até à presente data, 4 foram certificados pela Adere - CERTIFICA, como artesãos produtores de Bonecos em Barro de Estremoz.
Todos eles o reconhecem como uma referência de topo da nossa barrística e praticamente todos o tratam carinhosamente por Mestre, já que foi com ele que aprenderam.
As criações de Jorge da Conceição ostentam marcas identitárias singulares e por isso notáveis. Em primeiro lugar, o rigor e a perfeição na modelação, com integral respeito pelas proporções, pela morfologia, pelas texturas, bem como a representação do movimento. Em segundo lugar, um cromatismo harmonioso que resulta de uma sábia combinação de cores. Em qualquer dos casos, no mais rigoroso respeito pelo modo de produção e pela estética do Boneco de Estremoz. Tudo isso contribui para que os trabalhos de Jorge da Conceição sejam reveladores da sua incomensurável mestria. Trata-se de facetas do seu trabalho, que ultrapassam o âmbito restrito dos seus formandos e catapultam o barrista a uma nova dimensão de Mestre. Daí dever ser considerado um Grande Mestre, dada a dualidade da sua mestria. Mestre enquanto formador de barristas e Mestre pelo esmero, rigor, beleza e excelência na plenitude do seu trabalho, que fazem guindar a sua obra do patamar da arte popular para o degrau da arte erudita.

Jorge da Conceição (1963 - ), rodeado de discípulos numa sessão do Curso de Formação
sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz, ocorrido em 2019. Fotografia de
Luís Parente, recolhida no Facebook.

Epílogo
Já vimos que no verdadeiro sentido do termo, Mestre é “o que comanda, que conduz, que dirige, que ensina”. No conjunto de todos os barristas dos séculos XX-XXI houve apenas três que em contexto oficinal e não familiar, ensinaram discípulos, pelo que podem ser considerados Mestres Bonequeiros de Estremoz. Foram eles: Mariano da Conceição (em contexto oficinal escolar), Sabina da Conceição Santos (em contexto oficinal privado) e Jorge da Conceição (em contexto oficinal formativo).

Publicado no jornal E, nº 317, de 21 de Julho de 2023

sexta-feira, 7 de julho de 2023

Aníbal e a preservação da (tua) memória



Reportagem de NOEL MOREIRA, 
publicada no jornal E, nº 316, de 7 de Julho de 2023,
de onde foi transcrita com a devida vénia

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No passado Domingo, 02 de Julho de 2023, decorreu no Auditório da Biblioteca Municipal de Estremoz a Sessão Evocativa a Aníbal Falcato Alves, promovida e dinamizada pela Comissão Concelhia de Estremoz do Partido Comunista Português. O anfiteatro foi pequeno para todos os que quiseram partilhar as suas histórias e vivências com o Aníbal, para os que simplesmente quiseram saber mais sobre este estremocense ou simplesmente prestar-lhe uma homenagem.
A sessão abriu com um momento cultural intitulado “Palavras de Abril”, a cargo do Grupo Cénico da Sociedade Operária de Instrução e Recreio “Joaquim António de Aguiar”, seguindo-se as intervenções dos convidados: José Emídio Guerreiro (sociólogo e ex-Presidente da Câmara Municipal de Estremoz) e de Abílio Fernandes (economista, militante do PCP, antigo deputado da Assembleia da República e ex-Presidente da Câmara Municipal de Évora), com quem o Aníbal partilhou momentos e histórias. Passou-se posteriormente a palavra aos que assistiram à sessão: todos os presentes poderiam intervir, partilhando as suas experiências, histórias ou aprendizagens com Aníbal Falcato Alves, através de curtas intervenções.
Como fiz questão de afirmar publicamente na sessão evocativa, nunca tive o privilégio de me cruzar com o Aníbal, visto que aquando da minha chegada a Estremoz, em 2009, o Aníbal já tinha falecido há mais de uma década. Apesar de quase três décadas decorridas, escutei nesta sessão histórias sobre ele, daquilo que tinha sido a sua intervenção social e política (até estudos sobre o eucaliptal e gestão de água na Serra d’Ossa realizou), do seu trabalho na preservação da memória do povo alentejano, da sua obra e da sua luta contra o regime fascista e a sua importância no pós-25 de Abril na região. Aquando da decisão da Comissão Concelhia em promover esta sessão evocativa, comecei a conhecer mais sobre a vida e obra deste ilustre estremocense, a sua história (e as suas histórias), as suas lutas, a sua intervenção e no fim de tudo isto fiquei a admirar profundamente o Aníbal Falcato Alves.


E quem foi o Aníbal? Qualquer coisa que possa escrever sobre ele nas páginas deste jornal soar-me-á sempre a pouco, face a tudo o que fui conhecendo, lendo e escutando, mas também face à emoção que cada um colocava na voz quando falava dele, face àquilo que ele fez por Estremoz e pelo Alentejo, pelo esforço para o acesso inclusivo à cultura, pela luta da liberdade enquanto muitos se refugiavam nas suas casas, no conforto podre do silêncio imposto pela ditadura fascista. Mas não posso deixar de tentar fazer aqui uma pequena resenha do que foi o Aníbal, socorrendo-me do conjunto de testemunhos daqueles que com ele conviveram de perto e daquilo que li… Arrisco fazê-lo, mesmo sobre pena de não conseguir atingir a sua dimensão enquanto homem, estremocense, alentejano, comunista, resistente antifascista, homem da cultura, mas não posso deixar de o fazer sobre pena de deixar passar em branco este momento, esta sessão solene.
Nascido em Estremoz, em 1921, Aníbal Falcato Alves foi mais do que um intelectual da cultura, mais do que professor, mais do que um resistente antifascista, mais do que um promotor do Alentejo, da sua cultura, gastronomia, património oral e das suas raízes, mais do que um amante de cinema, da literatura e da arte, mais do que um comunista. Aníbal Falcato Alves foi tudo isto numa única pessoa.
Bem cedo, com apenas 10 anos, Aníbal Falcato Alves começou a trabalhar como caixeiro, num pequeno estabelecimento da sua família. Começou por trabalhar sem qualquer salário e citando quem o conheceu, usando o seu humor refinado, dizia que “todos os anos o patrão lhe aumentava o salário para o dobro”. Acabou mais tarde por abrir o seu próprio negócio – uma Livraria e Papelaria na rua 5 de Outubro, onde não vendia apenas livros; o Aníbal permitia a consulta e leitura dos livros aos mais novos e aos que tinham menos posses, mas também clandestinamente transacionava livros proibidos pela censura fascista da ditadura de Salazar, semeando a inquietação, a resistência à ditadura, a liberdade, no fundo os ventos que mais tarde acabariam por dar origem à afirmação da Revolução dos Cravos. Citando Hernâni Matos, a Livraria do Aníbal era muito “mais que simples loja era um espaço de convívio e de resistência”.


Mas a sua apetência para as artes manuais acompanhava-o. Tirou o curso de canteiro artístico e durante vinte anos (1971 - 1991) foi professor de trabalhos manuais. Aqui influenciou várias gerações de estremocenses, desde os alunos aos colegas, desde os mais pequenos aos graúdos. E claro, Aníbal utilizou a sua apetência para as artes como ferramenta para primeiro combater o fascismo e depois semear os ventos de liberdade vindos com o 25 de Abril de 1974. O Aníbal foi artista plástico, ceramista, pintor, o que o levou a expor em mais de 30 exposições individuais e coletivas por todo o país. Mas o seu legado vai muito para além das obras da sua autoria. É talvez na recolha, preservação e salvaguarda dos hábitos, dos costumes, tradições e do património do Alentejo e das suas gentes, seja ele gastronómico, material (caso dos bonecos de Santo Aleixo ou do artesanato) ou imaterial, que a obra do Aníbal ganha destaque e se eterniza na espuma dos dias que hoje correm. Introduzo aqui a obra escrita do Aníbal, que se focou na preservação deste património oral e das tradições do Alentejo, tendo sido autor de duas obras principais: (1) “Comeres dos Ganhões” (nas suas múltiplas edições desde 1985), onde se inclui a recolha das receitas dos ganhões, hoje incluída na “gastronomia típica alentejana”, e um conjunto de relatos sobre a natureza e origem dessa gastronomia (não, não é um mero livro de receitas como alguns querem fazer crer); (2) “Rezas e Benzeduras” (publicado em 1998), uma coletânea de orações, ensalmos e benzeduras, muitas delas resultantes dos trabalhos de recolha com o etnólogo Michel Giacometti; no fundo a transcrição para papel da cultura popular alentejana. Em nenhuma das obras o Aníbal descurou do enquadramento sociopolítico dos quais resulta este património, atitude politicamente ativa que de alguma forma lhe corria no sangue.


É esta pro-atividade, obviamente acompanhada da sua visão plural e igualitária do mundo, com forte intervenção social, que o fez ser também um cidadão diferenciado, tendo sido um dos promotores do certame gastronómico anual “Cozinha dos Ganhões”, que hoje tanto orgulha Estremoz e os estremocenses, apesar de hoje já pouco restar da sua essência primordial – a vivência e memória gastronómica dos ganhões alentejanos. Foi também fundador do Cine Clube de Estremoz, então um dos mais importantes do país, tendo tido ainda um papel fundamental na constituição dos cineclubes de Elvas e Portalegre, e foi membro fundador do Círculo Cultural de Estremoz.
Falar de Aníbal Falcato Alves e não falar da sua intervenção política é quase que um desrespeito pela sua memória. Como já mencionado atrás, foi pela cultura que Aníbal combateu o fascismo, quer pela transação de livros considerados ilegais pelo regime fascista, quer pela sua obra, quer pela sua intervenção no Cine Clube de Estremoz. O Aníbal teve uma destacada participação na luta clandestina contra o regime, tendo-se tornado militante do Partido Comunista Português em pleno período da ditadura fascista. Para além disso integrou e participou ativamente nas campanhas do General Norton de Matos e Humberto Delgado, opositores ao regime fascista de Salazar. Apesar de tudo isto, a teia do fascismo, nomeadamente a polícia política do regime (PIDE), nunca o conseguiu demover nem prender, apesar das numerosas tentativas, denúncias e queixas apresentadas, como comprovam os documentos da PIDE presentes na Torre do Tombo. Depois do 25 de Abril teve também um papel destacado na organização dos trabalhadores rurais durante a reforma agrária, o que lhe permitiu também um profundo conhecimento do mundo rural, o que teve uma influência clara em toda a sua obra escrita. A transversalidade do Aníbal resulta de um profundo conhecimento do mundo real, das dificuldades sentidas e das vivências das gentes. Na sua vasta e ativa vida conviveu de perto com trabalhadores das pedreiras, agricultores ou artistas plásticos, analfabetos e professores, artistas de renome e ilustres desconhecidos…É portanto fácil aceitar a sua transversalidade perante as mais diversas camadas da sociedade civil quando também foi transversal na ação de consciencialização da população, lutando contra a alienação das massas, lutando pela liberdade, lutando por uma vida melhor e mais igualitária para todos.
Aníbal Falcato Alves faleceu em Junho de 1994, tendo deixado Estremoz e o Alentejo mais pobres.
A sessão evocativa decorrida no passado domingo mostrou de forma cabal a transversalidade e unanimidade da figura do Aníbal, com largas dezenas de pessoas de Estremoz, do Alentejo, do país a deslocar-se ao Auditório da Biblioteca Municipal de Estremoz para estarem presentes nesta sessão evocativa, apesar do calor tórrido que se fazia sentir nesse dia. Uma coisa é certa, a memória do Aníbal e do seu legado estão bem vivos na cabeça de todos aqueles que com ele conviveram, e a sua ação e obra vai muito para além daquilo que produziu fisicamente; ele mudou consciências, ele influenciou vivências, ele trabalhou para uma sociedade melhor e mais justa!
Pela preservação da memória do Aníbal e do seu legado é portanto fundamental que a ação não morra dentro das paredes da sala daquele auditório. Foi neste sentido que os eleitos da CDU apresentaram na sessão ordinária da Assembleia Municipal de Estremoz do passado dia 29 de Junho de 2023 a moção intitulada “Aníbal Falcato Alves: uma vida e obra dedicada à cultura Alentejana e à luta pela liberdade”, a qual foi aprovada por unanimidade dos presentes, e na qual se solicita ao Executivo Municipal que: (1) reedite e promova da obra “Os Comeres dos Ganhões: memória de outros sabores”; (2) promova uma exposição da obra plástica de Aníbal Falcato Alves, podendo a mesma ser incluída nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril no concelho.
Também da sessão evocativa saiu a proposta da edição de uma obra onde se compile as mais diversas memórias e relatos das pessoas que conviveram de perto com o Aníbal Falcato Alves, de forma a deixar vivo o seu legado e a memória coletiva da sua ação enquanto professor, Homem, intelectual da cultura, resistente antifascista e comunista.
Se uma das grandes obras do Aníbal foi a preservação da memória do Alentejo, a nossa tarefa hoje é preservar a memória do Aníbal!

Noel Moreira
Publicado a 6 de julho de 2023
Publicado no jornal E, nº 316, de 7 de Julho de 2023



Hernâni Matos

sexta-feira, 2 de junho de 2023

Ganchos de meia e meias de cinco agulhas (2ª edição)

 

Tipo 3 – Da esquerda para a direita e de cima para baixo: Tarro, bolota, jarra, balde,
 bolota, suporte de copo, sapato com lira, sapato com cruz.

Uma das características mais importantes das peças de arte pastoril é a de corresponderem a uma necessidade sentida por alguém, o que leva essa peça a desempenhar uma função. É o caso dos chamados “ganchos de meia”, que as mulheres das nossas famílias usavam quando faziam croché ou tricotavam peças de vestuário, de lã ou algodão, como era o caso das chamadas “meias de cinco agulhas”.

Ganchos de meia
Independentemente da sua morfologia e decoração, estes ganchos de meia, confeccionados em madeira ou osso, têm um sulco ou um buraco, por onde passa o fio, que do novelo é redireccionado para as agulhas. É fixado na blusa ou no vestido da mulher, na parte superior do peito, geralmente do lado esquerdo. Aí é seguro através dum alfinete-de-ama ou cozido com linha, podendo eventualmente o gancho de meia incluir um pedaço de arame dobrado em U (gancho) para pregar no vestuário.
No decurso do trabalho, o fio que passa pelo gancho de meia, posiciona-se sempre entre o corpo e o trabalho, enrolado no dedo médio e sendo a cada malha, movimentado com o polegar esquerdo.
Tanto os ganchos de meia com sulco como os ganchos de meia com orifício, podem-se desprender da roupa onde estão fixados, sempre que se interromper a execução do trabalho. Todavia, só os ganchos de meia com sulco se podem soltar da peça em execução, pois os ganchos de meia com orifício têm o fio introduzido nele desde o início do trabalho e só o libertam quando este é cortado.

Tipologias dos ganchos de meia
Na minha colecção identifiquei as seguintes tipologias de ganchos de meia:
TIPO 1 – Com um orifício para passar o fio do novelo e um gancho de arame para prender no vestuário;
TIPO 2 - Com um orifício para passar o fio do novelo e 2 orifícios para passar o fio que o prende ao vestuário;
TIPO 3 – Com um sulco para passar o fio do novelo e um orifício para passar o alfinete-de-ama ou o fio que o prende ao vestuário;
TIPO 4 – Com dois sulcos para passar o fio do novelo e um orifício para passar o alfinete-de-ama ou o fio que o prende ao vestuário;
TIPO 5 – Com uma argola por onde pode passar simultaneamente, o fio do novelo e o alfinete-de-ama ou o fio que o prende ao vestuário;
TIPO 6 – Com 3 argolas que permitem a passagem do fio do novelo e do alfinete-de-ama ou do fio que o prende ao vestuário;
TIPO 7 – Com várias aberturas que permitem a passagem do fio do novelo e do alfinete-de-ama ou do fio que o prende ao vestuário;

Meias de 5 agulhas noutros tempos
Com cinco agulhas se fazia o tricô circular usado na manufactura de meias. Estas, eram lisas ou lavradas com motivos diversos, monocromáticas ou multicolores, decoradas com barras ou motivos florais ou geométricos.
Sempre houve quem manuseasse com mestria as cinco agulhas, com a mesma rapidez e precisão que as mãos dum virtuoso, percorrem o teclado dum piano. Mãos que falavam e davam resposta às necessidades caseiras, mas que também faziam para vender para fora, pois era necessário engrossar o magro orçamento familiar.
Havia quem começasse as meias de cima para baixo, em direcção à calcanheira e à biqueira, mas também havia quem as começasse exactamente em sentido contrário.
Quando as meias se gastavam pelo uso, geralmente na calcanheira ou na biqueira, eram reparadas, recorrendo novamente às cinco agulhas. A vida não dava para extravagâncias e poucos se podiam dar ao luxo de desperdícios inúteis. Apesar disso, o aparecimento no comércio de meias baratas, de fabrico industrial e a pressão da vida moderna, conduziram ao decaimento por desuso da manufactura artesanal das meias de cinco agulhas.
Na região onde me insiro, Estremoz, a manufactura das meias de cinco agulhas era uma prática corrente nas suas treze freguesias. Bem próximo de nós, eram famosas as meias manufacturadas pelas mulheres da Aldeia da Serra.

Meias de 5 agulhas na actualidade
Actualmente, a reacção ao consumo desenfreado suscitado pela sociedade capitalista, tem levado mulheres, especialmente jovens, a um “regresso às origens”, manufacturando meias para si e para as suas crianças. São estilos de vida alternativos e salutares, que se saúdam. É o retomar de práticas que retiram das vitrinas, jóias da arte pastoril, como os ganchos de meia que estiveram na génese do presente texto.


Tipo 4 – Coração.

Tipo 1 – Sapato, bolota.

Tipo 2 – Sapato (vista superior e vista lateral).

Tipo 5 – Gral, panela de ferro, bolota, bolota, badalo.

Tipo 6 – Par de sapatos, par de bolotas, par de bolotas.

Tipo 7 – Cadeirinha de prometida [1]


[1] Símbolo usado para “selar” o contracto pré-matrimonial no Alentejo de antanho. Através dele, o moço oferecia à sua “prometida” uma cadeirinha em madeira que ela passaria a usar, presa na fita do chapéu de trabalho, até à altura do matrimónio. Depois disso poderia vir a adquirir outra funcionalidade, como a de gancho de meia.