Nos meus tempos de criança, desde a mais tenra idade que nos era incutida no espírito a noção de número, associada ao acto de contar.
A informação começava por nos ser dada pelos nossos pais que nos ensinavam que tínhamos um nariz, dois olhos, quatro membros, cinco dedos em cada membro e vinte dedos ao todo. Começávamos assim, desde muito cedo, a associar uma quantidade às coisas e deste modo aprendíamos a contar.
Certas brincadeiras infantis, como é o caso do jogo dos “amalhões” exigiam que soubéssemos contar, senão éramos excluídos. Tínhamos pois que aprender a contar, depressa e bem.
Na Escola Primária ensinavam-nos lengalengas para aprender e reforçar a contagem. Primeiro, de um a quatro:
“Um, dois, três, quatro
A galinha mais o pato
Fugiram da capoeira
Foi atrás a cozinheira
Que lhes deu com um sapato
Um, dois, três, quatro ……”
Depois, de um a onze:
“Um atum,
Dois bois,
Três inês,
Quatro pato,
Cinco brinco,
Seis anéis,
Sete filete,
Oito biscoito,
Nove chove,
Dez lava os pés,
Onze os sinos de Mafra são de bronze.”
Havia também lengalengas para reforçar a aprendizagem da tabuada, como é o caso desta:
"A criada lá de cima
"A criada lá de cima
É feita de papelão,
Quando vai fazer a cama
Diz assim ao patrão:
Sete e sete são catorze,
Com mais sete vinte e um,
Tenho sete namorados
E não gosto de nenhum.”
E a brincar, a brincar, aprendíamos a fazer contas e a contar. O próprio cancioneiro popular, que conheci mais tarde, ensina-nos a contar:
“Tenho 1 amor, tenho 2,
tenho 3, e tenho 4.
Tenho 5, esse, é firme,
Tenho 6, não me retracto.“ [2]
Ensina igualmente a contar em sentido inverso à sequência natural dos números:
“Puz-me a contar às avessas
As pedras d’uma columna:
Contei 7, 6 e 5,
4, 3, duas e uma.“ [2]
Ensina também a tabuada:
“4 com 5 são nove,
A conta não quer mentir;
Bem tolo é quem se mata
Por criadas de servir. [2]
Como o povo sabe contar, a toponímia portuguesa regista topónimos que têm a ver com a acção de contar. A título de exemplo, cito:
- “DOIS PORTOS - Freguesia do concelho de Torres Vedras.“ [1]
- “TRÊS LAGARES - Lugar da freguesia de Arroios, concelho de Vila Real.“ [1]
- “QUATRO AZENHAS - Lugar da freguesia de Ribeira de Nisa, concelho de Portalegre.“ [1]
- “CINCO VILAS - Freguesia do concelho de Figueira de Castelo Rodrigo.“ [1]
- “SETE ESPIGAS - Lugar da Freguesia de Gomes Aires, concelho de Almodôvar.“ [1]
- “OITAVA - Lugar da Freguesia de Pias, concelho de Lousada.“ [1]
Porque o povo sabe contar, as alcunhas alentejanas registam múltiplos exemplos que envolvem números. Indico algumas:
- "DOIS CÚS - alcunha outorgada a indivíduo com o rabo muito grande (Mora)." [3]
- "TRÊS PERNAS – epíteto aplicado a indivíduo com o órgão sexual muito desenvolvido (Nisa)." [3]
- "QUATRO MÃOS – o receptor só se deixava subornar por quantias elevadas (Reguengos de Monsaraz)." [3]
- "CINCO RÉIS - cognome atribuído a um indivíduo que é baixo e magro (Odemira)." [3]
- "SEIS DEDOS – o alcunhado tem seis dedos numa mão (Campo Maior, Ferreira do Alentejo, Ourique, Redondo e Sousel)." [3]
- "SETE SAIAS - alcunha atribuída a um indivíduo que é muito mulherengo (Moura e Arraiolos)." [3]- "NOVE DEDOS - o nomeado só tem nove dedos (Moura)." [3]
- "DEZ CENTÍMETROS - designação atribuída a um indivíduo de baixa estatura." [3]
- "CEM À HORA - apodo atribuído a um indivíduo que anda muito depressa (Elvas, Estremoz e Ourique)." [3]
- "QUATROCENTOS CORNOS - O visado trabalhava com chifres (Mora)." [3]
- "MIL HOMENS – alcunha conferida a indivíduo possante (Marvão)." [3]
O povo, contador, registou as suas contas no adagiário popular que faz parte da nossa memória colectiva, parte do qual eu destaco aqui:
- “Mais vale um ovo hoje que uma galinha amanhã.“
- “Dois narigudos nunca se beijam.“
- “Às três é de vez.“
- “Quatro olhos vêem mais do que dois.“
- “Sobre cornos, cinco soldos.“
- “Juntaram-se três para o peso de seis.“
- “Homem de sete ofícios, em todos é remendão.“
- “O preguiçoso, para não dar um passo dá oito.“
- “Às nove, deita-te e dorme.“
- “Entre dez homens, nove são mulheres.”
- “Doze galinhas e um galo comem como um cavalo.“
- “Aos quarenta, ou vai ou arrebenta.“
- “Depois dos cinquenta tudo apoquenta.“
- “Mais caga um boi que mil mosquitos. “
- “De tostão em tostão vai-se ao milhão. “
Porém, há quem não saiba contar. Quem?
- O frade! Porquê? Perguntam, porquê? Está registado no adagiário:
BIBLIOGRAFIA
[1] – FRAZÃO, A. C. Amaral. Novo Dicionário Corográfico de Portugal. Editorial Domingos Barreira. Porto, 1981.
“TREZE É A DÚZIA DO FRADE.”
BIBLIOGRAFIA
[1] – FRAZÃO, A. C. Amaral. Novo Dicionário Corográfico de Portugal. Editorial Domingos Barreira. Porto, 1981.
[2] - PIRES, A. Tomaz. Cantos Populares Portuguezes. Vol. IV. Typographia e Stereotipía Progresso. Elvas, 1912.
[3] - RAMOS, Francisco Martins; SILVA, Carlos Alberto da. Tratado das Alcunhas Alentejanas. 2ª edição. Edições Colibri. Lisboa, 2003.
Publicado inicialmente em 21 de Fevereiro de 2011
Publicado no meu livro Memórias do Tempo da Outra Senhora