sexta-feira, 18 de outubro de 2024
Redundância olárica em moringue de Estremoz
quinta-feira, 17 de outubro de 2024
Púcaro de barro vermelho de Estremoz (séc. XVIII ?)
Púcaro de barro vermelho de
Estremoz, acusando marcas de erosão. Recolhido em areal do rio Tejo, próximo de
Abrantes. A morfologia do púcaro é uma das identificadas por VASCONCELOS,
Carolina Michaëlis de. Algumas palavras a respeito de púcaros de Portugal. Nova edição da revista Ocidente. Lisboa,
1957. (Pag. 64). Trata-se de uma morfologia muito antiga, presumivelmente do
séc. XVIII.
A fama dos púcaros de barro vermelho de Estremoz, propagandeada desde sempre por visitantes ilustres, levava a que eles fossem comercializados a partir da área geográfica de produção para “os quatro cantos do mundo”, seguindo rotas terrestres, fluviais e marítimas, o que poderá justificar o local de recolha.
terça-feira, 15 de outubro de 2024
A olaria tradicional como parte integrante da identidade cultural estremocense
sábado, 14 de setembro de 2024
A olaria tradicional de Estremoz é de se lhe tirar o chapéu
A olaria tradicional de Estremoz
é extremamente rica em múltiplos aspectos. Na verdade, observando-a como um
todo, revela-se de imediato uma grande variedade de funcionalidades,
tipologias, morfologias, tipos de decoração e tamanhos.
Assim, por exemplo, a
funcionalidade “recipiente para água”, depara-se imediatamente com a
possibilidade de assumir várias tipologias: ânfora, barril, bilha, cafeteira,
cântaro, cantil, copo, depósito, garrafa, jarro, moringue, pote, púcaro,
reservatório, tronco. A qualquer uma destas tipologias, podem corresponder
múltiplas morfologias, dependendo do modo como a volumetria do objecto olárico
foi preenchendo o espaço tri-dimensional, à medida que o mesmo crescia na roda,
até atingir a sua forma final. Daí que seja notável, por exemplo, a diversidade
morfológica dos moringues. A uma tal variedade há que acrescentar a
multiplicidade introduzida pelo tipo de decoração escolhido: pedrado, riscado,
polido, relevado e suas possíveis combinações.
Creio que o leitor perceberá
agora a razão de ser do presente texto, assim como perceberá decerto a dureza
da tarefa hercúlea que constitui a recuperação da extinta olaria tradicional de
Estremoz.
Publicado em 14 de Setembro de 2024
quarta-feira, 28 de agosto de 2024
Peça olárica de Estremoz, alegórica ao corso carnavalesco de 1935
A empatia entre o Orfeão e a Olaria Alfacinha
segunda-feira, 26 de agosto de 2024
Tudo o que é pequeno tem graça
“Tudo o que é pequeno tem graça” é uma máxima perpetuada na nossa memória colectiva. Trata-se de uma premissa que “assenta que nem uma luva”, não só aos brinquedos de louça de barro vermelho de Estremoz, como também aos exemplares da mais ínfima dimensão do vasilhame de barro desta cidade. É o que se passa com o cantil da figura, de pequenas dimensões (10 x 8,5 cm) e uma decoração por polimento com simetria radial, muito simples mas vistosa. Com efeito, o contraste entre o polido e a superfície sobrante que após a modelação na roda não sofreu mais nenhuma intervenção, surte um belíssimo e encantador efeito visual.
As miniaturas de louça de barro
vermelho de Estremoz, exerceram desde sempre forte atracção sobre a garotada.
Fialho de Almeida no conto “O Romana” [1] evoca a ida na sua juventude a uma feira,
onde na secção de loiças: “Iam-se-me os olhos nos pucarinhos de Estremoz,
com incrustrações de pedras brancas, alguns com desenhos de fantasia,
reproduzindo animaes duma fauna que se extinguiu muito antes do diluvio
universal. Por força que minha mãe havia de comprar-me um daqueles pucarinhos,
e mais um barrelinho para ter agua fresca, no verão, e mais um galo com
assobio, de grande crista vermelha, importando tudo bem regatiadinho, em
quantia nunca inferior a doze vintens.”
[1] ALMEIDA, Fialho de. Gente rústica. Guimarães e Cª, Lisboa, s/d.
domingo, 25 de agosto de 2024
Olaria tradicional de Estremoz
As peças oláricas tradicionais são um registo e um regalo de memórias da antiga tradição oleira, cuja recuperação é indissociável da salvaguarda da identidade cultural estremocense.
domingo, 28 de julho de 2024
A ADOE-Associação Dinamizadora da Olaria de Estremoz participou na Feira de Artesanato de Vila do Conde
A ADOE-Associação Dinamizadora da Olaria de Estremoz participou entre 20 e 27 de Julho na 46ª Feira Nacional de Artesanato de Vila do Conde. Fê-lo em stand próprio, na condição de associação independente, com personalidade jurídica, que se inscreveu por sua própria iniciativa e se deslocou pelos seus próprios meios.
A ADOE constitui-se em 2023, na
sequência do Curso de Olaria que por módulos teve lugar a partir de 2021, no
Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz. O Curso foi fruto de uma parceria entre
o Centro de Formação Profissional para o Artesanato e Património (CEARTE) e o Município
de Estremoz. Teve como formador Mestre Xico Tarefa, Mestre oleiro prestigiado,
com longa experiência e sempre pronto a ajudar os formandos.
A ADOE é constituída entre outros
por: Inês Crujo, Ana Calado, Luís Rosa, Vera Magalhães, Xico Tarefa, Jorge
Carrapiço, André Carvalho, Pedro Capão, Graça Paulo e Sara Sapateiro.
A ADOE propõe-se recuperar a
olaria tradicional de Estremoz, o que constitui uma iniciativa muito louvável e
de alcance incomensurável. Desejo-lhe os maiores êxitos na prossecução dos seus
objectivos estatutários. Bem hajam!
terça-feira, 23 de julho de 2024
Os Bonecos de Estremoz foram à Feira de Vila do Conde
terça-feira, 30 de janeiro de 2024
CERÂMICA DE REDONDO – Garrafão falante de Mestre Álvaro Chalana
Garrafão em barro de tonalidade vermelha, vidrado, de base
circular plana, corpo ovóide, colo cilindriforme e carenado a meia altura da
parede, bordo ligeiramente extrovertido e arredondado. Imediatamente abaixo da
carena deriva uma asa de secção rectangular, que finda na zona de diâmetro
máximo do bojo.
A superfície exterior está decorada com três manchas de
engobe, de cor amarelo de palha, de forma irregular, dispostas praticamente a
partir do início do colo e até à base. Estas manchas receberam decoração
esponjada, a verde e a amarelo.
Sobre cada uma das três manchas de engobe estão esgrafitadas
as inscrições: “Ai que belo”, “Viva a boa pinga” e a quadra:
Isto que digo e a verdade
O meu amigo come e bebe
Mas pode beber a vontade”
segunda-feira, 29 de janeiro de 2024
CERÂMICA DE REDONDO – Brasão de Lisboa em prato falante de Mestre Álvaro Chalana
Prato de barro vermelho vidrado, modelado, cozido e decorado na olaria redondense de Mestre Álvaro Chalana (1916-1983).
Prato covo, falante, brasonado, de grandes dimensões, com
superfície interna de cor creme, de aba larga ligeiramente côncava e bordo
plano. Decoração esgrafitada e pintada com base em quadricromia
verde-amarelo-castanho-negro.
Decorado no bordo com motivos fitomórficos constituídos por
pés de flores, bi-folheados, de dois tipos que se sucedem alternadamente.
Decorado no fundo com motivo configurando o escudo do Brasão de Armas de
Lisboa, com um barco castanho, um corvo na popa e outro corvo na proa. O barco
assenta num mar de cinco faixas onduladas, quatro de castanho e três verdes. Do
mastro, central, pende cordame em direcção à proa e à popa. No topo do mastro
está içada a Bandeira de Lisboa ou Bandeira de São Vicente, gironada de quatro
peças, creme e negro, símbolo do município de Lisboa. As velas, verdes, estão
recolhidas. Em torno do topo do barco, riscos a castanho parecem configurar
bases de nuvens e/ou aves a planar.
quinta-feira, 18 de janeiro de 2024
Entrevista sobre o 25 de Abril, concedida ao jornal E, de Estremoz
Hernâni Matos: “Foi assim até ao fim do dia, sempre com a sensação de até respirar melhor”
No ano em que se cumprem 50 anos sobre o 25 de Abril de 1974, o E’ associa-se às comemorações desta que é uma data tão importante da história do país. As memórias da Revolução dos Cravos também são feitas das memórias individuais daqueles que viveram essa experiência única. Registamos hoje a voz de Hernâni Matos, numa primeira entrevista com que assinalamos os 50 anos do 25 de Abril.
Quais as memórias mais fortes que tem do Estado Novo?
A NÍVEL
DE INFÂNCIA: - O aglomerado de pobres a pedir esmola à porta da Igreja de São
Francisco, à saída da missa de domingo; - Os pobres que nas segundas-feiras
percorriam os estabelecimentos comerciais a pedir esmola; - A constatação de que havia crianças que iam descalças
para a escola, porque os pais não tinham dinheiro para lhes comprar sapatos; -
A existência de um ensino repressivo que a nível da instrução primária permitia
que um professor desse reguadas nas mãos, canadas na cabeça ou puxões de
orelhas numa criança, só porque estava desatenta, era irrequieta ou porque não
sabia a lição; A NÍVEL DE JUVENTUDE: - Um indigente que nos anos 50 foi a
enterrar para o cemitério de Estremoz, transportado na carroça do lixo; - O
ambiente carregado das cerimónias do 10 de Junho em Lisboa, onde as mulheres e
as mães dos mortos em combate na Guerra Colonial iam receber condecorações a
título póstumo. DE ÂMBITO PESSOAL: - O aviso telefónico que foi feito ao meu
pai em 1958, no dia das eleições para a Presidência da República, para não se
dirigir para a assembleia de voto de S. Lourenço, na qualidade de delegado da
candidatura do General Humberto Delgado, uma vez que estava lá a PIDE para o
prender; - Uma carga da PIDE em 1968, na qual me vi envolvido, após a proibição
da exibição do filme Marcha sobre Washington e um debate subordinado ao tema Quem matou Martin Luther King?, na Paróquia de Santa Isabel, em Lisboa; - A proximidade
diária de gorilas, que eram ex-militares
das tropas especiais (comandos ou pára-quedistas), contratados como polícias
internos das faculdades e cuja função era identificar, vigiar, perseguir,
impedir ajuntamentos e espancar estudantes; - O cuidado e as precauções que
tinha com aquilo que dizia, ao falar publicamente com alguém, não se fosse dar
o caso de haver bufos (informadores) na
vizinhança, que me fossem denunciar à polícia política, a PIDE/DGS; - O meu
ingresso na carreira docente em 1972, o qual envolveu a chamada ao gabinete do
Chefe da Secretaria da Escola, onde tive que jurar e de subscrever com a minha
assinatura, a declaração formal exigida pelo famigerado Decreto-lei 27003, de
14 de Setembro de 1936 e cujo teor era o seguinte: “Declaro
por minha honra que estou integrado na ordem social estabelecida pela
Constituição Política de 1933, com activo repúdio do comunismo e de todas as
ideias subversivas.” Lá tive que mentir, pois embora não fosse
comunista era democrata, o que correspondia a perfilhar ideias subversivas no
Estado Novo, regime de partido único: a UN - União
Nacional.
Esteve
na Universidade ainda nos tempos da ditadura? Sentiu ou viveu a luta
estudantil? Tinha, ao tempo, alguma intervenção ou acção política?
Ingressei
na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa em 1965, pelo que não me vi
já envolvido na Crise Académica de 1962, mas não escaparia à Crise Académica de
1969. Era um jovem de espírito aberto, generoso e humanista, ávido de
liberdades civis que me eram negadas pelo regime, o que me levava a questionar
o sistema e a resistir. Foi assim que ingressei naturalmente no Movimento Associativo da Faculdade de Ciências de Lisboa,
o qual contestava o autoritarismo do Estado Novo e reivindicava direitos civis.
Lutávamos pela liberdade de expressão e de associação, pela autonomia
universitária e a democratização do ensino, pelo fim da repressão e da guerra
colonial. Como activista de base do Movimento Associativo da FCUL, integrei a IMPROP – Secção de Imprensa e Propaganda,
participei nalgumas RIA – Reunião Inter-Associações,
greves às aulas e ocupações da Cantina da Faculdade. Fui uma entre muitas
outras formiguinhas que anonimamente e em contexto universitário, deram o seu modesto,
mas indispensável contributo a nível civil para que no dia 25 de Abril de 1974
pudesse ocorrer uma mudança de paradigma.
Nas
eleições legislativas de 1969, na qualidade de activista da CDE – Comissão Democrática Eleitoral, fui delegado
da candidatura desta Comissão junto de uma das mesas da assembleia de voto que
funcionou na Faculdade de Ciências de Lisboa. As eleições viriam a ser ganhas
pela UN - União Nacional, liderada por
Marcelo Caetano. Era um desfecho previsível, já que a campanha e o acto
eleitoral ficaram assinalados, pela fraude, pela perseguição e intimidação da
Oposição.
Sentiu,
na altura que a ditadura tinha os dias contados?
Apesar da
repressão que há muito se vinha abatendo e intensificando sobre as lutas
operárias, camponesas, estudantis e dos trabalhadores de serviços, estas também
se vinham intensificando. Por outro lado, o Levantamento
Militar das Caldas da Rainha de 16 de
Março de 1974, apesar de gorado, deu a sensação de que era o prenúncio de uma
futura insurreição militar vitoriosa. Parece que havia um “cheirinho no ar” a
indiciar que tal viria a acontecer. De facto, lá diz o rifão “Agua mole em pedra dura, tanto dá até que fura” e
foi assim que os militares aperfeiçoaram o plano e a organização de um novo
levantamento, com a devida articulação entre as unidades envolvidas. À segunda
foi de vez. Em 25 de Abril de 1974, os militares não falharam. Bem hajam por isso!
Onde estava no dia 25 de Abril de 1974? Como soube da Revolução? Lembra-se do que fez nesse dia?
Estava adoentado e encontrava-me em casa. Só ao final da manhã tive conhecimento do que se passara em Lisboa e da participação do RC3. Saí imediatamente para a rua, ávido de notícias. A maioria das pessoas estava eufórica. Todavia também encontrei pessoas apreensivas, com temor daquilo que poderia vir a acontecer. Eu também fiquei eufórico e sempre que me cruzava com alguém com quem tinha mais confiança, lá proferia um “Porra! Até que enfim!”, invariavelmente acompanhado dum aperto de mão ou um abraço ou ainda uma pancada nas costas. O “V” da vitória e o punho erguido só surgiriam mais tarde. E foi assim até ao fim do dia, sempre com a sensação de até respirar melhor. Eram os ares da liberdade que nos tinha sido restituída pelo Movimento dos Capitães. Como reconhecimento e sinal de gratidão, nasceu-nos espontaneamente nos lábios, a palavra de ordem “O povo está com o MFA!” e assim seria durante muito tempo.
Olhando
para trás, que avaliação faz do processo de transição da ditadura para a
democracia que tivemos em Portugal?
A
avaliação dessa transição, obriga-me a falar dos responsáveis por essa
transição: as Forças Armadas Portuguesas.
O derrube da ditadura mais velha da Europa – o
regime de Salazar e de Caetano - foi conseguido em 25 de Abril de 1974, graças
à acção militar coordenada do MFA - Movimento das
Forças Armadas, cuja origem remonta ao clima de instabilidade no
interior das próprias Forças Armadas, particularmente do Exército,
instabilidade essa que se manifestou em meados de 1973, com o surgimento do
denominado Movimento dos Capitães, o qual
aglutinava oficiais de média patente, insatisfeitos com as suas remunerações e
com a perda de prestígio da oficialidade do quadro permanente, bem como com a
Guerra Colonial que, desde 1961, ou seja, há 13 anos, se arrastava em 3
frentes, sem se antever uma solução política para a mesma, bem como pela
previsibilidade de uma derrota militar iminente.
No seu poema “As portas
que Abril abriu!”, o saudoso poeta José Carlos Ary dos Santos,
diz-nos quem fez o 25 de Abril de 1974: “Quem o fez
era soldado /homem novo Capitão /mas também tinha a seu lado /muitos homens na
prisão.” E mais adiante: “Foi então que
Abril abriu / as portas da claridade /e a nossa gente invadiu / a sua própria
cidade.”
A chamada Revolução dos
cravos desencadeada pelo MFA, teve o apoio massivo da população e o regime foi
derrubado praticamente sem derramamento de sangue. A transição pacífica de
Portugal de uma ditadura para uma democracia teve repercussões a nível
internacional, pois foi vista como um exemplo positivo, influenciando assim
sucessivos processos de democratização que se desenvolveram por esse mundo
fora.
Que
impacto teve a Revolução dos Cravos na sua vida?
Em 1º
lugar senti uma grande alegria por sentir que tinham sido quebrados os grilhões
que me aprisionavam e que impediam de me sentir um cidadão de corpo inteiro. Em
2º lugar tive a percepção de que era imperativo que o movimento revolucionário
do 25 de Abril nos permitisse usufruir de direitos e liberdades que até então
nos tinham sido negadas, para o que haveria decerto que lutar, tal como veio a
acontecer. Em 3º lugar, intuí que o usufruto desses direitos e liberdades,
teria que ser temperado através da assunção de deveres que regulassem o
exercício da cidadania.
Um pouco
por toda a parte, assumimos o direito à liberdade, à informação e à greve.
Arrogámos o direito de reunião, de manifestação, de participação na vida
pública e de voto. Reclamámos e conquistámos entre outras, múltiplas formas de
liberdade: de expressão e informação, de imprensa, de criação cultural, de
aprender e ensinar, de associação, sindical, que mais tarde viriam a ser
consignadas na Constituição da República Portuguesa.
O 25 de
Abril não me trouxe só alegria pelos motivos apontados, mas também por
melhorias nas condições de vida dos portugueses que então ocorreram: aumento
dos rendimentos, das oportunidades de aprendizagem, da liberdade e dos direitos
das mulheres, bem como melhoria do acesso aos cuidados de saúde e uma mudança
de valores que tornaram a sociedade mais aberta, o que teve reflexos a nível da
cultura (literatura, artes plásticas, música, teatro, cinema, televisão).
Como
foi para si o período que se seguiu à Revolução?
O período
pós-25 de Abril, conhecido por PREC - Processo
Revolucionário em Curso foi marcado
por lutas por melhores de condições de vida de operários, assalariados
agrícolas e trabalhadores de serviços, assim como de moradores pelo direito à
habitação. Foi um período em que ocorreram nacionalizações, inúmeras
manifestações, assim como ocupações de fábricas, herdades e casas. Tratou-se de
uma época de grande agitação social, política e militar, caracterizada por
intensos debates de âmbito político, económico, social e cultural, bem como
confrontos militares entre sectores das Forças Armadas com visões distintas de
modelos de sociedade a seguir. Os maiores desses confrontos ocorreram a 11 de
Março e a 25 de Novembro de 1975. Nesse período há a assinalar a existência de
6 Governos Provisórios até à constituição do 1º Governo Constitucional liderado
por Mário Soares (PS), com base nos resultados das eleições de 25 de Abril de
1976, realizadas após a aprovação da Constituição da República Portuguesa, a 2
do mesmo mês. É com a constituição do 1º Governo Constitucional que se completa
a devolução do poder pelos militares aos representantes da sociedade civil,
legitimados pelo sufrágio, conforme estava previsto no Programa do MFA
Teve,
nessa altura, alguma militância ou intervenção política?
Logo a
seguir ao 25 de Abril e em termos cívicos integrei comissões had hoc que iam
surgindo, fruto da dinâmica social que se ia gerando: Comissão de vigilância de preços, Comissão de moradores da
zona centro, Comissão coordenadora das comissões de moradores, Comissão
pró-construção do parque infantil, Comissão Cultural de Estremoz, Comissão de
Base de Saúde. A nível sindical fui delegado sindical dos
professores na Escola Secundária de Estremoz.
A nível
político, desde 1969 e ainda estudante universitário em Lisboa, que me
identificava com a CDE - Comissão Democrática
Eleitoral, liderada por Francisco Pereira de Moura, pelo que após o
25 de Abril passei a frequentar a sede desde Movimento em Estremoz,
participando aí nos debates internos e nas dinâmicas então em curso. Fui um
entre muitos outros. Por ali passaram activistas que mais tarde se iriam
integrar em partidos: PCP, UDP, MES, PS e PSD. Quando em 1975 a CDE se
transformou em MDP/CDE – Movimento Democrático Português
/ Comissão Democrática Eleitoral e se
registou como partido, eu não me filiei, uma vez que me já me filiara no PCP – Partido Comunista Português, ainda em 1974,
se bem me lembro por influência do meu grande amigo, Aníbal Falcato Alves.
Acontece que a certa altura tive consciência de que não reunia condições
pessoais para ser militante daquele partido, cujo passado de luta e de resistência
me merecia o maior respeito, pelo que saí nos primeiros meses de 1975. Passei
então à condição de independente, condição que mantive até integrar a UDP – União Democrática Popular em meados de 1975, desta feita por influência do meu
colega e amigo, Albano Martins. Deste partido fui militante enquanto a
estrutura organizativa local esteve activa. Em 1993 e a convite do futuro
Presidente da Câmara Municipal de Estremoz, o independente e meu amigo José
Dias Sena, integrei como independente as listas da CDU
– Coligação Democrática Unitária, sendo eleito como deputado
municipal, cargo que desempenhei empenhada e activamente durante 3 mandatos,
até que senti que era chegada a altura de passar o testemunho, para ter uma
maior disponibilidade de intervenção na frente cultural, a qual desde sempre
foi e continua a ser a minha grande motivação.
E que
avaliação faz da democracia que temos na actualidade?
A
democracia portuguesa é uma democracia estável cuja arquitectura tem por base a
Constituição da República Portuguesa, lei suprema do país, aprovada em 1976 e
revista 7 vezes desde então. Os órgãos de soberania são eleitos, existindo
separação e interdependência dos seus poderes. Formalmente está tudo bem. Na
prática não é bem assim.
Qual o
estado da democracia em Portugal?
A
democracia portuguesa sofre de problemas graves que urge resolver em múltiplos
domínios: social, económico, financeiro, etc. Deles destaco: elevada abstenção
nos actos eleitorais, corrupção, demora na aplicação da Justiça, desemprego,
trabalho precário, fraca qualificação da mão de obra, baixa produtividade,
salários e pensões muito baixos, falta de oferta pública de habitação,
especulação imobiliária, elevada emigração jovem, baixa taxa de natalidade,
envelhecimento da população, insuficiência de cuidados dignos na velhice,
Serviço Nacional de Saúde com enormes carências, problemas graves a nível da
Educação e do Ensino, falta de coesão social e territorial. Estes são os
principais problemas que de uma forma ou de outra, atormentam diariamente a
esmagadora maioria das pessoas.
50 anos
depois do 25 de Abril, apesar da melhoria das condições de vida dos
portugueses, ainda se nos deparam desafios a enfrentar para que possa ser
assegurada a igualdade de género e a justiça social. Em democracia, isto só se
consegues através do aperfeiçoamento da própria democracia. É uma tarefa e um repto
que estão em aberto e que exigem o maior empenhamento de todos os cidadãos.
Hernâni Matos
sexta-feira, 5 de janeiro de 2024
Cerâmica de Redondo - Prato de aranhões decorado por Jacinto Ramalhosa
Prato de barro vermelho vidrado, confeccionado e cozido na olaria redondense de Mestre Pintassilgo [João Mértola (1929-2022)], decorado a azul cobalto por Jacinto Ramalhosa.
No covo está desenhada uma corça rodeada de
motivos vegetalistas. A aba, larga, encontra-se decorada com pares de pêssegos
estilizados (os pêssegos, originários da China, são símbolos relacionados com o
casamento e a imortalidade) que alternam com folhas de artemísia (planta
medicinal utilizada na medicina tradicional chinesa). Inspirado na faiança
portuguesa do séc. XVII.
Neste período, o fascínio pela porcelana
chinesa no nosso país, leva a que a faiança portuguesa seja caracterizada por
uma original adaptação de motivos ornamentais do Oriente, que são
reinterpretados em novas composições, de estilo híbrido, nas quais se combinam
influências orientalizantes e a permanência de valores tradicionais. Pertencem
a esse estilo, os chamados pratos de “aranhões”. Estes resultam da
simplificação interpretativa dos motivos empregues na porcelana chinesa,
nomeadamente as folhas de artemísia, frequentemente usadas na decoração da
porcelana “kraak”. Esta era um tipo de porcelana chinesa de exportação,
produzida sobretudo no reinado do Imperador Wanli (1563-1620) da dinastia Ming
(1368-1644), até cerca de 1640 e que chegava em abundância à Europa.
quinta-feira, 20 de julho de 2023
Mestres Bonequeiros de Estremoz
quinta-feira, 30 de março de 2023
Mestre Emídio Viana (1869-1954), ceramista estremocense
É sabido que sou um coca
bichinhos que cumpre o fado de andar metido no barro. Numa das minhas mais
recentes incursões no digital, descobri e acabei por adquirir o objecto
olárico, cuja descrição passo de imediato a fazer.
Escultura modelada em barro
vermelho, representando um pastor junto ao tronco de uma árvore ou melhor parte
dela, visto que só está representado o tronco que se bifurca em dois ramos abertos
nas extremidades, as quais nos revelam ser oco o seu interior.
A observação pormenorizada do
tronco revela que a sua modelação procurou representar a ausência de casca
junto á base da árvore, pelo que se trata dum sobreiro que sofreu extracção de
cortiça.
O pastor é representado como
calçando botas e vestindo calças e camisa, sobre os quais enverga respectivamente
safões e pelico, representados com todos os seus componentes. Na cabeça usa um
chapéu com fita, de aba e copa, ambas normais, mas esta última com duas “amolgadelas“
á frente, como é usual.
Os pés do pastor estão representados
na bem conhecida posição de “10 para as 2” e os braços de tal modo que o cajado
(de madeira) é seguro a meio pela mão esquerda e a extremidade superior pela
mão direita.
A observação da cabeça do
pastor revela uma modelação cuidada nos seus pormenores, os quais se encontram
todos representados.
A escultura tem uma altura de
34 cm e assenta numa base materializada por uma placa de forma elíptica com 20
cm de eixo maior e 16 cm de eixo menor.
Na modelação foram
representadas texturas: cabelo (cabeça),
lã (pelico e safões), cortiça (tronco do sobreiro), solo (base da escultura).
Na base e colada frente ao pé
direito, uma placa com as iniciais “E V”, iniciais de Mestre Emídio Viana
(1869-1954), proprietário da extinta Cerâmica Estremocense Lda, situada na Rua
do Lavadouro, nº ?, em Estremoz. Um homem polifacetado: desenhador,
caricaturista, ceramista, empreendedor, comerciante, editor de postais
ilustrados, ciclista, praticante de desportos motorizados, filatelista, coleccionador
de Bonecos de Estremoz e prestigiado estremocense. Um homem com H grande, a
quem tiro o chapéu e de quem tenho o prazer de, a partir de agora, ter uma
escultura sua na minha colecção. Uma escultura que não foi criada com finalidade
meramente decorativa, embora a tivesse. É que Mestre Emídio Viana tinha não só alma
de artista, como era também um grande empreendedor. Por isso, a escultura tinha
também uma funcionalidade: era a base de um candeeiro eléctrico, como é
revelado pelos restos de fio condutor que assomam nas extremidades abertas das
ramificações do tronco. As aberturas serviriam, como é fácil de concluir, para
encaixe de casquilhos de lâmpadas. “Deus disse: Haja luz e houve luz” (Génesis
1:3).
segunda-feira, 20 de março de 2023
Contributo pessoal para uma evocação de Mestre Álvaro Chalana (1916-1983), oleiro redondense