Fachada da actual Biblioteca Municipal de Estremoz, no Largo General Graça.
Fotografia recolhida com a devida vénia no sítio do Município de Estremoz.
Exórdio
Ainda pairam no ar, os ecos de toda a trapalhada suscitada pela intenção do anterior executivo municipal (MIETZ) de implementação do Monumento ao Boneco de Estremoz no polémico Parque Municipal de Santa Catarina. Apesar disso, o actual executivo municipal (PS) vê-se novamente com “uma criança nos braços”, herdada do anterior executivo. Trata-se do gravíssimo estado em que ficou o novo edifício da Biblioteca Municipal, após as intensas e fortes chuvadas do passado dia 13 de Dezembro, para o qual fora decretado estado de alerta vermelho pelo Instituto do Mar e da Atmosfera (IPMA).
O que ali aconteceu foi uma autêntica tragédia, a qual relatarei mais adiante, recorrendo ás palavras de José Sadio, actual Presidente da Câmara Municipal de Estremoz, no decurso da reunião ordinária daquele órgão, ocorrida no passado dia 14 de Dezembro.
Como demostrarei no desenvolvimento do presente texto, o espaço em que foi construída a actual Biblioteca é um espaço de tragédia. Daí urge inferir as necessárias ilações para memória futura e com fins preventivos.
1ª tragédia
Por omissão de sucessivos executivos municipais, o chamado Edifício Luís Campos nunca foi classificado como imóvel de interesse público, pese embora o facto de o historiador de arte, Túlio Espanca, no Inventário Artístico de Portugal, o qual abrange o concelho de Estremoz e foi dado à estampa em 1975, ter realçado o interesse do imóvel, o qual remontava aos finais do séc. XVIII e incluía um património azulejar notável, que só por si justificaria aquela classificação.
2ª tragédia
Após o 25 de Abril, a Mercearia Luís Campos foi á falência e o edifício ficou ao abandono, até que alguém o adquiriu para o despojar de toda a azulejaria e não só, que depois vendeu a quem muito bem entendeu, uma vez que o edifício não se encontrava classificado. O referido património azulejar está actualmente exposto no Museu Berardo Estremoz.
3ª tragédia
Por motivos ainda hoje desconhecidos, o executivo municipal MIETZ resolveu adquirir o edifício e em 2016 já era publica a intenção de aí construir a futura Biblioteca Municipal, que do edifício anterior apenas viria a manter a fachada.
A decisão foi então objecto de fortes críticas da opinião pública, na medida em que o local e o espaço em que iria decorrer a construção, condicionavam fortemente as opções dos projectistas.
4ª tragédia
No decurso das obras, manifestou-se uma nascente de água nas fundações, a qual indiciava a conveniência ou melhor a necessidade de abandono da intenção de ali construir o futuro edifício da Biblioteca Municipal. Todavia, essa não foi a opção do executivo municipal em exercício de funções. Este decidiu prosseguir as obras projectadas até á sua finalização, procurando fazer passar a mensagem segundo a qual, a instalação de duas bombas hidráulicas em funcionamento permanente, permitiriam escoar a água que continuamente brotava da nascente.
5ª tragédia
Na sequência da forte intempérie ocorrida no passado dia 13 de Dezembro, o Presidente José Sadio, no decurso da reunião camarária ocorrida no dia seguinte, fez o balanço possível das sequelas da inclemência do tempo.
Referindo-se em particular á Biblioteca Municipal, informou que a situação da mesma era gravíssima e explicou porquê. As bombas de água instaladas na Biblioteca e que retiram a água no caso de o poço encher, revelaram-se manifestamente insuficientes, o que exigiu o reforço com outra bomba. Por outro lado e face ao risco, de inundação grave, houve que fazer prevenção no local. Tornou-se ainda necessário instalar sistemas de vigilância e detecção para emitir alarmes para o exterior, uma vez que eles não existiam.
Deu também conhecimento de que havia água por todo o edifício, muito em particular no auditório, registando-se graves prejuízos nos equipamentos de som e de luz.
Informou ainda que foi convocada a empresa construtora e a fiscalização, tendo sido reportadas todas as anomalias verificadas. De resto, vai ser accionada a garantia, esperando que se resolvam os problemas detectados para que o sucedido não volte a ocorrer.
O futuro é imprevisível
Ainda que o pessimismo não integre a matriz do meu pensamento, não sou um optimista irritante como o nosso actual Primeiro Ministro. Daí que dada a instabilidade cada vez maior do clima e que conduz a eventos meteorológicos cada vez mais extremos, ao contrário do Presidente José Sadio, não acalento a esperança de que o sucedido no passado dia 13 não se volte a repetir. É que o edifício da Biblioteca foi construído sobre uma nascente de água, está situado numa zona de acentuado declive e encontra-se na vizinhança dum curso de água subterrâneo.
A construção da Biblioteca no local onde foi efectuada, consistiu, a meu ver, numa tentativa vã de vencer as leis da Natureza. Estas, quando constrangidas ou desviadas do seu curso natural, procuram caminhos alternativos de acordo com as leis da Física. Surgem então os estragos consequentes, quase sempre irreversíveis e irreparáveis, que só surpreendem os ignorantes e os incautos, mas que são prejudiciais à comunidade no seu todo.
A sabedoria popular acerca do futuro é diversificada: “Não se pode contar com o futuro”, "Confiar no futuro mas pôr a casa no seguro", “O futuro a Deus pertence". Pessoalmente, encaro o futuro como imprevisível, o que me leva a não excluir os piores cenários. Daí que faça votos para que no local da antiga e prestigiada Mercearia Luís Campos, apostada em vender bacalhau sempre bem seco, não venham os amantes da leitura, a ter que consumir livros de molho.
Epílogo
Somos um país de brandos costumes, no qual a perda de memória colectiva tem tendência a branquear e validar situações lesivas do interesse geral da comunidade. Daí a importância da memória no exercício pleno da cidadania.
Ensina-nos a ancestral sabedoria popular que “A culpa não pode morrer solteira”, o que implica o exercício da cidadania através do sufrágio popular. Através dele, cada um de nós e de acordo com a sua consciência, pode prescindir daqueles cuja prática considera ter sido lesiva dos interesses da comunidade.
Pela minha parte, aguardo com serenidade a realização das próximas eleições autárquicas. Quando? Não sei!
Publicado no jornal E, nº 302, de 22 de Dezembro de 2022