A CADEIRINHA DE
"PROMETIDA" - Símbolo do contrato pré-matrimonial
no Alentejo da
primeira metade do séc. XX. Talhada em madeira numa
única peça (2,1x2,1x5,2 cm).
Campos do Alentejo na primeira metade do século vinte. Um moço que num rasgo de olhar, vislumbra uma moça, na qual existe qualquer coisa que irreversivelmente o atrai e o fulmina. É tiro e queda. Passa a segui-la como um perdigueiro que segue a caça. Pisteiro, procura dirigir-lhe palavra. Mas manda a tradição que a moça, apesar de se sentir atraída por ele, lhe dê um ou mais cabaços (negas). Todavia, “Quem porfia sempre alcança” e um dia, os sentimentos do moço são retribuídos pela moça e o amor irrompe como um vulcão. Ela dá-lhe trela e ele recebe luz branca para lhe fazer a corte. Derretem-se um pelo outro, mas procuram encontrar-se em segredo, longe das bocas do mundo, para que a família dela não saiba antes do tempo próprio. E as coisas assim continuam até que um dia, deixam de ter medo que os outros saibam e passam à condição de “conversados”, encontrando-se às claras, na pausa dos trabalhos do campo, no regresso dele, junto à fonte ou na igreja, nos domingos e dias santos. É a época em que o moço oferece à moça, objectos utilitários de arte pastoril, finamente lavrados: dedeiras para a ceifa, rocas e fusos, ganchos de fazer meia ou caixas de costura, que ele próprio confecciona se da arte pastoril tem o jeito ou que encomenda a alguém, no caso de não o ter. Ela retribui com prendas finamente bordadas, tais como uma bolsa para o relógio, para a tabaqueira ou para as moedas. E na comunhão do amor perene, qualquer deles usa e ostenta com orgulho, as prendas que recebeu do outro e que “selam” a sua condição de “conversados”.
A instâncias da moça, com o apoio da mãe primeiro e do pai depois, os pais dão autorização para que os “conversados” falem à janela ou à porta de casa, seja ela na vila ou no monte. E as coisas assim vão prosseguindo até que o estado psicológico do par atinja o ponto de rebuçado. Nessa altura, o moço pede aos pais da moça que lha dêem em casamento. Estes, naturalmente, protagonistas activos ainda que ocultos, desta saga amorosa, concedem-lhe a graça solicitada. A moça passa então da condição de “conversada”, à condição de “prometida”. Só então o par recebe autorização para conversar dentro da casa dos pais da moça. E para “selar” o contracto pré-matrimonial, o moço oferece à sua “prometida” uma cadeirinha em madeira que ela passará a usar, presa na fita do chapéu de trabalho, até à altura do matrimónio. Esta a fórmula encontrada pela sábia identidade cultural alentejana, de dar a conhecer à comunidade que a moça já estava “prometida” e que em breve iria casar.
TROCA DE PRENDAS ENTRE
"CONVERSADOS" - Fotografia adicionada por Robert DeSousa
ao grupo do Facebook
"ARTES E OFICIOS, USOS E COSTUMES DE PORTUGAL", no dia 21 de
Outubro de 2010, de onde
foi partilhada e reproduzida com a devida vénia.
Caro Hernâni,
ResponderEliminarSimplesmente lindo!
O texto e o conteúdo.
Que graça!
Mais admirável ainda a tradição alentejana.
Obrigado pela partilha!
Regina Barros
This is so nice to read the story. I saw them already in my holidays, the little chairs...(I am from Holland) and a several months ago I found one at the trash. Where you sit on was fom palha and it is painted red. Only the palha has to be reneweld, but I am very proud of what I found and now I know the story.
ResponderEliminarThank you.
Greetings from Rixt in Portugal! (Alentejo where I live now!)
I read this on Facebook where I can be found under Rixt Portugal.
Pouco tenho comentado os seus textos para não estar sempre a dizer a mesma coisa: Primorosos!
ResponderEliminarUm abraço
Amigo Hernâni, mais um excelente texto recordativo dos costumes alentejanos. Descreveste muito bem o que era o namoro naquele tempo e o costume rural que imperava cheio de sentido respeito; e, avisador no quotidiano braçal da condição da futura "prometida".Como sabes o meu avô e o meu pai foram marceneiros de obra fina; eram os fornecedores de quase todas as mobílias para as gentes casamenteiras desde a Aldeia da Serra , aos cheiros da Orada e périplos veirenses. Lembro-me de num acompanhamento para entrega dos móveis, numas casa perto da Granja, ver duas moças, duas " prometidas", ostentando este " burloque" talhado com amor - " a cadeirinha da " Prometida" - muito cativo fiquei dessa explicação à data: que tão bem agora iluminaste.
ResponderEliminarAs minha felicitações por mais este belo contributo.
Abraço
Que lindo texto e que lindas fotos. Parabéns e obrigado. Fez-me lembrar a história que os meus pais me contaram do seu namoro à janela no bairro da Graça, em Lisboa nos anos 40.
ResponderEliminarComo os tempos mudam... Com a geração actual, a cadeirinha é substituída por viagem a Paris, às Maldivas ou outro lugar paradisíaco, onde se oferece o anel de noivado desenhado e esculpido a preceito. Modernices... E ainda falam da crise... Decerto que há muitos que não a sentem, a julgar pelo nosso parque automóvel.
Vítor S. Ferreira
Parabéns, já postei no facebook, espero que não se importe. Mas não resisiti!
ResponderEliminarEstá excelente.
Emilia pereira Santos
Magnífico!
ResponderEliminarTexto muito explícito!
Gosto muito de conhecer as diversas tradições. Já tinha ouvido falar da cadeirinha, mas não conhecia a história.
Adoro ler as histórias que tem postado.
Muito obrigada.
Bem haja!
Como filha e neta de alentejanos, e amante de tudo quanto é cultura neste país, fiquei deliciada com este tesouro!!! Vou partilha-lo com minha mãe, alentejana de gema!!!!
ResponderEliminarImensamente belo.
ResponderEliminarAdorei a história principalmente o tema "AMOR" parabéns
ResponderEliminarSr, Hernâni... leio o seus POSTS todos o dias e fico maravilhada! obrigada por deixar a minha mente viajando até o Alentejo. Um grande abraço!
ResponderEliminarOutros tempos, outros costumes!
ResponderEliminarHoje é tudo diferente, pois utilizando uma expressão vulgar " é tiro e queda", qual romantismo, qual carapuça.
Hoje as pessoas experimentam-se como quem experimenta sapatos numa sapataria, como se fosse possivel acertar logo com o para de sapatos certo.
Os casados sabem que a adaptação de um ao outro não é imediata e por vezes leva algum tempo, até isso ser conseguida na plenitude.
Hoje os jovens querem tudo a correr, como se nesta matéria fosse possivel resultados imediatos.
Os resultados estão à vista.
Tenho esperança num retrocesso aos tempos anteriores!
Abraço
Amigo:
ResponderEliminarObrigado pelo seu comentário.
Lá diz o rifão "Tudo leva o seu tempo!".
Um abraço.
"... e um dia o ti manel entra em casa de cara pesada e diz à mulher:
ResponderEliminar- avisa a tua filhe que se acabou o namoro aqui à porta!
- mas porquê homem? ele é bom moço.
- esse teu bom moço mijou-me à porta. acabou-se!
- ora, então ele tinha que se aliviar em qualquer lado. anda ver, até escreveu o nome dela m-a-r-i-a com a urina.
- desengana-te mulher, que eu conheço muito bem a letra da tua filha!"
esta conta-se por aqui, no alentejo...
Augusto.
ResponderEliminarObrigado pelo seu comentário.
Gostei desta tradição. O esquecimento é o maior inimigo do património cultural popular. Nunca vi nenhuma destas cadeirinhas. Talvez encontre alguma foto de mulher com a dita pendurada no chapéu. Obrigada por preservar a memória do futuro.
ResponderEliminarAbílio:
ResponderEliminarObrigado pelo seu comentário.
De facto é iomportante divulgar estes registos da memória, a fim der preservar a nossa identidade cultural.
Cumprimentos.
AMIGO HERNÂNI SOMOS PRATICAMENTE DA MESMA IDADE.PARA DIZER QUE O SEU DEPOIMENTO SOBRE O TEMA EM APREÇO SE ENCONTRA EM SINTONIA COM A REALIDADE DAQUELE TEMPO..AINDA LIDEI COM TODOS ESSES ASPECTOS LIMITATIVOS DESSA ÉPOCA. PARABÉNS..E TIRO-LHE O CHAPÉU PELA NARRATIVA.QUE VAI FICAR PARA AS GERAÇÕES FUTURAS, O CONHECIMENTO DE UM PROCEDIMENTO .. (DESCUTIVÉL NOS DIAS DE HOJE ).? MAS QUE ERA PRECISAMENTE ASSIM NA NOSSA ÉPOCA..gOSTEI...UM ABRAÇO
ResponderEliminarAMIGO.!!!!
Amigo Roque:
EliminarO brigado pelo seu comentário.
Um abraço para si, também.
O que vale é que estes textos são sempre atuais! Gostei muito, bem explicado e bem escrito.
ResponderEliminarJoão:
EliminarSão memórias que têm a ver com a nossa identidade cultural regional.
Obrigado pelo seu comentário.
Um abraço.
Caro Hernâni ... como sempre um texto belíssimo que curiosamente li como se estivesse a ouvir uma "narrativa oral" face à exuberância do texto e das imagens que reportam a um tempo em que "o amor e o enamoramento" eram sustentados (na classe que descreve)a um projecto de vida baseada na "instituição " casamento e a constituição de uma nova família para a continuidade da comunidade.
ResponderEliminarSublime!
Conceição
EliminarConceição:
Obrigado pelo seu comentário. A minha resposta ao mesmo é o post:
O PALRÃO
http://dotempodaoutrasenhora.blogspot.com/2013/08/o-palrao.html
Simplesmente fantastico!!!Adorei
ResponderEliminarParabéns!
Obrigado pelo seu comentário.
EliminarO texto ajuda-nos a perceber os rituais visíveis do amor entre campaniços no Alentejo de antanho.
obrigada pela sua pagina sou artesã e sempre defendi a arte popular e as lindas histórias que ouvia das gentes humildes que tanto me ensinaram a elas devo tudo o que sei e o que tenho feito .pena a minha cidade elvas quando eu queria realizar e passar testemunho nunca me ter apoiado .hoje com um pouco de dificuldade devido ao parkinson ainda falo dessa linda gente que conheci e conto as suas historias .para quê escrever mais o sr é um todo
ResponderEliminarda artesã joana leal
Joana:
EliminarObrigado pelo seu comentário.
Muito gosto em tê-la como leitora.
Espero não desmerecer o interesse manifestado.
Os meus cumprimentos.
Muito giro o respeito acima de tudo Belo testo
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