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segunda-feira, 25 de março de 2024

Atrás da Primavera, outras Primaveras hão de vir

 

O testemunho da Primavera. A Boniqueira - Joana Santos Ceramista


Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!
FLORBELA ESPANCA (1894-1930)

Fascínio é o natural e intenso sentimento despertado pela imagem aqui apresentada. Lado a lado, duas Primaveras com os mesmos atributos, a mesma estética e o mesmo cromatismo, diferentes apenas no tamanho. Uma é Primavera adulta e a outra uma Primavera menina.
É notória uma forte ligação entre elas, patente na mão da mãe que segura a mão da filha, a quem comunica confiança e também ternura, igualmente transmitida pelo olhar que a Primavera menina absorve, encantada. É a partilha de saberes, de luz e de claridades, de cores e de tons, de perfumes e sons. É o legado de marcas identitárias ciclicamente propaladas à natureza e que assinalam a sua renovação. É uma mensagem de esperança nos dias da amanhã. É o revelar de um paradigma: Atrás da Primavera, outras Primaveras hão de vir.
O Testemunho da Primavera de Joana Santos é simultaneamente o testemunho do génio criativo e da mente brilhante de uma mulher ceramista, que há muito pôs a magia das suas mãos tecnicamente dotadas, em sincronia harmónica com os impulsos de alma. É um deleite de espírito a visualização e a contemplação das suas criações. É, de resto, um privilégio e isso para mim é muito importante, usufruir do privilégio da sua amizade.

Publicado em 18 de Abril de 2023

domingo, 24 de março de 2024

A Primavera de Joana Oliveira


Primavera de arco (2020) - Parte da frente. Joana Oliveira (1978-  ).
A Primavera constitui há muito um tema transversal a toda a poesia portuguesa. Camões, numa “Elegia” confessa: “Vi já que a Primavera, de contente, / De mil cores alegres, revestia / O monte, o rio, o campo, alegremente.”. Por sua vez, Florbela Espanca, no soneto “Amar” proclama: “Há uma Primavera em cada vida: / É preciso cantá-la assim florida, / Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!”. Já o cancioneiro popular considera que: “Primavera, linda flor / Como ela não há iguais: / Primavera volta sempre, / Mocidade não vem mais!”.
A Primavera dos pintores
A Primavera é o tema central de obras de grandes mestres da pintura universal, com destaque pessoal para Sandro Botticelli, Jacob Grimmer, Tintoretto, Christian Bernhard Rode, János Rombauer, Caude Monet, Alfons Mucha, Veloso Salgado e José Malhoa.
Os seus quadros representam a natureza, verdejante e florida, com a presença alegórica de graciosas figuras femininas, enquadradas por flores, em ramos, grinaldas ou arcos.
A Primavera dos barristas
Na barrística popular de Estremoz existem figuras designadas genericamente por “Primaveras”, que para além de constituírem uma alegoria à estação do mesmo nome, são também figuras de Entrudo e registos dos primitivos rituais vegetalistas de celebração e exaltação do desabrochar da natureza.
Como figuras emblemáticas que são, as Primaveras constituem um tema inescapável à modelação por qualquer barrista. Nela são variados os caminhos que se lhe deparam. Em primeiro lugar, a modelação, a qual pode ser executada na linha de continuidade dos barristas precedentes ou alternativamente num rumo que de certo modo constitui uma ruptura com aquela prática. Trata-se de uma ruptura que sem fugir aos cânones da modelação tradicional, proclama as suas próprias marcas identidárias, notórias na estética da figura criada. Em segundo lugar, a decoração desta. Aqui pode haver uma inovação na cromática tradicional que reforce a mensagem que é intrínseca ao tema, bem como a introdução de elementos de composição que reforcem a contextualização temática.         
A Primavera de Joana Oliveira
A barrista Joana Oliveira recriou recentemente a chamada “Primavera de arco”. Na sua construção seguiu o segundo dos caminhos anteriormente apontados: o da inovação. E fê-lo para dar conta do modo como vê as coisas e com a força anímica que é seu timbre.              
A Primavera nasceu-lhe das mãos e tomou forma. Cresceu como figura, emancipou-se e autonomizou-se para fazer companhia a um apaixonado incorrigível da barrística popular de Estremoz. Permitam-me que vos apresente a “Primavera” que é e será sempre de Joana Oliveira. 
É uma figura de corpo elegante, aspecto juvenil e delicado, com ar jovial, da qual irradia luminosidade e frescura.
A postura das mãos parece antecipar o levantamento dos braços para o corpo rodopiar sobre si mesmo. E aqui reside aquilo que me parece ser uma das características mais importantes da modelação de Joana Oliveira: a capacidade mágica de através de uma representação estática, sugerir uma representação cinemática. E só este pormenor, revela-nos de imediato, Joana Oliveira como uma barrista de primeira água. 
Na decoração da figura, predominam o verde e o amarelo. O primeiro é a cor da natureza viva, associada ao crescimento e à renovação. O segundo traduz a alegria e o calor humano que lhe está associado. O azul do chapéu transmite serenidade, tranquilidade e harmonia a todo o conjunto.
Gratidão
Eu queria agradecer-lhe Joana, a beleza da figura que criou.
Bem haja! 
Publicado inicialmente a 6 de Julho de 2020

Primavera de arco (2020) - Parte de trás. Joana Oliveira (1978-  ).

quinta-feira, 21 de março de 2024

Começou a Primavera


Primavera (1917).
José Maria Veloso Salgado (1864-1945).
Óleo sobre tela (108 x 160 cm).
Museu Abade de Baçal, Bragança. 

A Primavera (do latim primus, primeiro, et tempus, tempo), é a estação do ano que sucede ao Inverno e antecede o Verão. Marca a renovação da natureza, sendo especialmente associada ao reflorescimento da flora e da fauna terrestres.
Entre nós, a Primavera tem início a 20 de Março e termina a 20 de Junho. Inicia-se no equinócio de Março, em que o dia e a noite têm exactamente a mesma duração. A partir daí, a cada dia que passa, a duração dos dias aumenta e a das noites diminui. É uma estação que corresponde aos meses de Março, Abril, Maio e Junho. Caracteriza-se pelo abrandamento dos rigores do tempo verificados durante o Inverno, pela fusão das neves, assim como pelo brotar e pelo florescer das plantas. As árvores privadas das suas folhas no Outono, revivescem graças à acção de chuvas frequentes e de temperaturas amenas, proporcionadas por um sol mais presente que durante o Inverno.
Algumas árvores de fruto assinalam a sua actividade através do aparecimento de flores, que cobrem igualmente os campos, nos quais a erva tenra, regala o gado, liberto da dieta de feno ocorrida durante o inverno.
É nesta estação que devido a um aumento significativo do calor, despertem as espécies hibernantes e regressem as migratórias.
É escasso o adagiário português onde é utilizada explicitamente a palavra Primavera:
- Por morrer uma andorinha não acaba a Primavera.
- Dizem os antigos, gente rude e sincera: nunca passou por mau tempo a chuva da Primavera.
- Um dia de Outono vale por dois de Primavera.
- Como vires a Primavera, assim pelo al espera.
Na pintura portuguesa, a Primavera foi um tema abordado por mestres como: Silva Porto (1850-1893), Alfredo Keil (1854-1907), Veloso Salgado (1864-1945), José Malhoa (1855-1933) e Eduardo Malta (1900-1967). Nos seus quadros a natureza está verdejante, florida e por vezes regista-se a presença de graciosas figuras femininas, visando reforçar a alegoria.

Hernâni Matos
Publicado inicialmente em 20 de Março de 2012


 Primavera (1882).
António Carvalho de Silva Porto (1850-1893).
Óleo sobre madeira (37,2 x 55 cm).
Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves, Lisboa.
Primavera (1882).
Alfredo Keil (1854-1907).
Óleo sobre tela (114 x 76 cm).
Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves, Lisboa. 
Primavera (1932).
José Malhoa (1855-1933).
Óleo sobre tela (24,5 x 33, 5 cm).
Museu José Malhoa, Caldas da Rainha.  
Primavera (1933).
José Malhoa (1855-1933).
Pastel sobre papel (30 x 23 cm).
Museu José Malhoa, Caldas da Rainha. 
A Primavera (séc. XX).
Eduardo Malta (1900-1967).
Óleo sobre tela (46,2 x 33 cm).
Museu José Malhoa, Caldas da Rainha.


Allegro do concerto para violino
 “Primavera" das “Quatro Estações”
 de Antonio Lucio Vivaldi (1678-1741),
executado pela orquestra Filarmónica de Israel
sob a direcção do Maestro Itzhak Perlman.

quarta-feira, 20 de março de 2024

Vem aí a Primavera!


Primavera de arco (Alegoria à estação homónima).
Liberdade da Conceição (1913-1990).

A Primavera é a estação do ano que sucede ao Inverno e antecede o Verão.
No hemisfério norte a Primavera tem início no equinócio de Março (20 de Março) no qual o dia e a noite têm a mesma duração na linha do equador. A cada dia que passa, a duração do dia aumenta e da noite diminui, o que faz aumentar a insolação. A Primavera termina no solstício de Junho (20 de Junho). As datas referidas variam pouco de ano para ano.
A Primavera marca a renovação da natureza, sendo especialmente associada ao reflorescimento da flora e da fauna terrestres.
Como é natural, a Primavera marca presença no adagiário português:
- Após a névoa opaca do Inverno, sempre vem o colorido vivo da Primavera
- Borboleta branca: Primavera franca.   
- Como vires a Primavera, assim pelo al espera.
- Dizem os antigos, gente rude e sincera: nunca passou por mau tempo a chuva da Primavera.
- Foi atravessando os rigores do Inverno que o tempo chegou à Primavera.
- Por morrer uma andorinha não acaba a Primavera.
- Um cuco não trás a Primavera.
- Um dia de Outono vale por dois de Primavera.
- Uma andorinha não faz a Primavera.
- Uma andorinha só não faz a Primavera.
- Uma flor não faz Primavera.
- Uma palavra gentil é como um dia de Primavera.


Publicado a 13 de Março de 2020

quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

O frio na gíria popular

 

Costumes alentejanos (1923). Jaime Martins Barata (1899-1970).
Aguarela sobre papel. Museu Grão Vasco, Viseu.

 

Para mim hoje é Janeiro, está um frio de rachar
Rui Veloso in "Não há estrelas no céu"


Em Janeiro, o frio “é fruta da época”, pelo que não é de estranhar ouvirem-se frases que em gíria popular traduzem o rigor da frialdade:- “Está cá um barbeiro”; - “Está cá um briol”; - “Está cá um griso”, - “Está frio como o diabo”, - “Está um frio de rachar”, - “Estou frio como um cão”. De resto, o frio que impera, faz-nos:  - “Bater o dente”; - “Tiritar de frio”; - “Tremer de frio”.

A abundância de expressões idiomáticas atinentes ao vocábulo “frio“, é reveladora da riqueza da nossa língua, sem a qual não há cultura portuguesa e identidade cultural nacional, uma vez que a construção desta se alicerça naquelas.

Há, pois, que lutar contra a agressiva operação de colonização linguística, veiculada maioritariamente pelos meios de comunicação social, os quais nos bombardeiam com estrangeirismos e muito em especial com anglicismos em nome da globalização, apregoada por alguns como uma fatalidade irreversível.

Publicado inicialmente em 10 de Janeiro de 2024

domingo, 22 de outubro de 2023

Adagiário das castanhas

 

MULHER DAS CASTANHAS (1938) - Ana das Peles (1869-1945).
Ex-colecção Azinhal Abelho.

À Catarina, minha filha,
que nesta época anda envolvida
na apanha da castanha na sua quinta.

Anualmente entre Junho e Julho, os castanheiros ficam floridos e a estas flores sucedem-se os ouriços, que encerram as castanhas, as quais começam a cair no início do Outono, em Setembro e Outubro.
É vasto o adagiário das castanhas:

- A castanha amarela em Agosto tem a tinta no rosto.
- A castanha é de quem a come e não de quem a apanha.
- A castanha e o besugo em Fevereiro não têm sumo.
- A castanha em Agosto a arder e em Setembro a beber.
- A castanha tem três capas de Inverno: a primeira mete medo, a segunda é lustrosa e a terceira é amarga.
- A castanha tem uma manha: vai com quem a apanha.
- A castanha veste três camisas: uma de tormentos, outra de estopa e outra de linho.
- A noz e a castanha é de quem a apanha.
- Ao assar as castanhas, as que estouram são as mentiras dos presentes.
- Arreganha-te, castanha, que amanhã é o teu dia.
- As castanhas apanham-se quando caem.
- As castanhas para o caniço e o boneco para o porco.
- As folhas de castanheiro andam sete anos na terra e depois ainda voam.
- Carregadinho de castanha, vai o burrinho para Idanha.
- Castanha assada, pouco vale ou nada, a não ser untada.
- Castanha bichosa, castanha amargosa.
- Castanha peluda, castanha reboluda.
- Castanha perdida, castanha nascida.
- Castanha que está no caminho é do vizinho.
- Castanha quente só com aguardente, comida com água fria causa “azedia”.
- Castanha semeada, p´ra nascer, arrebenta.
- Castanhas boas e vinho fazem as delícias do S. Martinho.
- Castanhas caídas, velhas ao souto.
- Castanhas do Marão, a escolher se vão.
- Castanhas do Natal sabem bem e partem-se mal.
- Castanheiro para a tua casa, corta-o em Janeiro.
- Com castanhas assadas e sardinhas salgadas não há ruim vinho.
- Crescem os reboleiros, morrem os castanheiros.
- Cruas, assadas, cozidas ou engroladas, com todas as manhãs, bem boas são as castanhas.
- Dá-me castanhas, dar-te-ei banhas.
- De bom castanheiro, boa acha.
- De bom castanheiro, bom madeiro.
- De castanha em castanha (roubando) se faz a má manha.
- De castanheiro caído todos fazem lenha.
- Desde que a castanha estoira, leve o diabo o que ela tem dentro.
- Do castanho ao cerejo, mal me vejo.
- Em ano de muito ouriço não faças caniço.
- Em minguante de Janeiro, corta o teu castanheiro.
- Em Setembro, antes de chover, o souto o arado quer ver.
- Folha amarela do castanheiro cai ao chão.
- Mais vale castanheiro, que saco de dinheiro.
- No dia de S. Martinho, come-se castanhas e bebe-se vinho.
- No dia de S. Martinho, lume, castanhas e vinho.
- No dia de S. Martinho, mata o teu porco, chega-te ao lume, assa castanhas e prova o teu vinho.
- No dia de São Julião, quem não assar um magusto não é cristão.
- O castanheiro, para plantar, precisa ir na mão, o carvalho às costas e o sobreiro no carro.
- O céu é de quem o ganha e a castanha de quem a apanha.
- O ouriço abriu, a castanha caiu.
- Oliveira do meu avô, castanheiro do meu pai e vinha minha.
- Os ouriços no São João são do tamanho de um botão.
- Pelo S. Martinho castanhas assadas, pão e vinho.
- Pelo São Francisco, castanhas como cisco.
- Quando gear, o ouriço vai buscar.
- Quando o sol aperta, o ouriço arreganha.
- Quem castanhas come, madeira consome.
- Quem não sabe manhas, não come castanhas.
- Raiz de castanheiro, dá bom braseiro.
- Sete castanhas são um palmo de pão.
- Temporã é a castanha, que em Agosto arreganha.

BIBLIOGRAFIA
- BLUTEAU, Raphael. Vocabulario Portuguez e Latino. Vol. I a X. Officina de Pascoal da Sylva. Coimbra, 1712-1728.
- CHAVES, Pedro. Rifoneiro Português. Imprensa Moderna, Lda. Porto, 1928.
- DELICADO, António. Adagios portuguezes reduzidos a lugares communs / pello lecenciado Antonio Delicado, Prior da Parrochial Igreja de Nossa Senhora da charidade, termo da cidade de Evora. Officina de Domingos Lopes Rosa. Lisboa, 1651.
- MARQUES DA COSTA, José Ricardo. O Livro dos Provérbios Portugueses. Editorial Presença. Lisboa, 1999.
- ROLAND, Francisco. ADAGIOS, PROVERBIOS, RIFÃOS E ANEXINS DA LINGUA PORTUGUEZA. Tirados dos melhores Autores Nacionais, e recopilados por ordem Alfabética por F.R.I.L.E.L. Typographia Rollandiana. Lisboa, 1780.


MULHER DAS CASTANHAS (1906) – Ilustração de Raquel Roque
Gameiro para capa da revista “Serões”, de Novembro de 1906.

quinta-feira, 20 de maio de 2021

As Primaveras de Ana Catarina Grilo


Primaveras. Ana Catarina Grilo (1974-   ).

Estas Primaveras há muito que nos aquecem a alma. Sim, porque a alma também precisa de ser aquecida. E então sentimo-nos rejuvenescidos, mais novos que nós próprios e com vontade de nos transformar em borboleta e pousar de flor em flor, até nos transformarmos em larva e regressar na Primavera seguinte, novamente borboleta. É isso a vida. Uma sucessão de ciclos com picos primaveris que mantêm a chama da alma acesa.
Obrigado Ana por partilhar connosco estas Primaveras ternurentas. Bem-haja.

Hernâni Matos
Publicado a 20 de Maio de 2021

sábado, 7 de novembro de 2020

Isabel Pires e a Alegoria do Outono

 

Alegoria do Outono (2018). Isabel Pires (1955-  ).

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Folhas secas e frutos maduros
O Outono é a estação do ano compreendida entre o Verão e o Inverno, que corresponde entre nós, aos meses de Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro. Caracteriza-se por um declínio gradual da temperatura e é marcada por tempo chuvoso, ventoso e pouco ensolarado.
Uma das características principais da estação é a mudança da coloração das folhagens das árvores, que passam a apresentar tons amarelados e avermelhados e caem. O Outono é assim a estação da libertação que abre as portas a uma futura renovação na Primavera seguinte.
No Outono, os frutos já estão maduros e começam a cair no chão, pelo que têm lugar as colheitas das culturas de Verão (milho, girassol, etc.), de muitos tipos de frutos (uvas, maçãs, peras, marmelos, etc.) e de frutas secas (castanhas, nozes, avelãs, etc.).

O Outono na Tradição Oral
As colheitas de Outono estão presentes na tradição oral. Em particular, no CANCIONEIRO POPULAR, que põe os meses a falar: “Eu sou o Setembro / Que tudo recolho, / Trigos e milhos, / Palhas e restolho.” e “Eu sou o Outubro, / O mês dos Outonos, / Engrosso as terras / Proveito dos donos.”.
As colheitas de Outono estão igualmente presentes no ADAGIÁRIO. Relativamente a Setembro, o adagiário regista que “Agosto amadura, Setembro derruba” e “Em Setembro, colhendo e comendo”, mas recomenda: “Para vindimar deixa Setembro acabar”. Para além disso, afirma que: “Pelo São Miguel (29/09) os figos são mel” e “Setembro que enche o celeiro, salva o rendeiro”.
No que respeita a Outubro, o adagiário proclama que “Outubro sisudo colhe tudo” e pormenoriza algumas dessas colheitas: - Milho e feijão: “Em Outubro não fies só lã; recolhe o teu milho e o teu feijão, senão de Inverno tens a tua barriga em vão”; - Castanha: “Pelo São Simão (28/10), quem não faz um magusto, não é cristão”; - Fava: “Por São Simão (28/10), fava na mão” - Uva: “ Por São Lucas (18/10) bem sabem as uvas” e “Por São Simão e São Judas (28/10), colhidas são as uvas”.

Referências poéticas
A temática do Outono tem sido abordada por muitos poetas portugueses. Do Outono nos fala Fernando Pessoa[i] no poema “No entardecer da terra”[ii] : “No entardecer da terra / O sopro do longo Outono / Amareleceu o chão. / Um vago vento erra, / Como um sonho mau num sono, / Na lívida solidão.  (…)
Do Outono fala também Florbela Espanca[iii] no soneto “Outonal”[iv]: (…) / “Outono dos crepúsculos doirados, / De púrpuras, damascos e brocados! / - Vestes a terra inteira de esplendor!” (…). No soneto “Ruínas” [v] acrescenta: “Se é sempre Outono o rir das Primaveras, / Castelos, um a um, deixa-os cair... / Que a vida é um constante derruir / De palácios do Reino das Quimeras!” (…).
Do Outono nos fala ainda Miguel Torga [vi]  no poema homónimo: “ Tarde pintada / Por não sei que pintor. / Nunca vi tanta cor / Tão colorida! / Se é de morte ou de vida, / Não é comigo. / Eu, simplesmente, digo / Que há tanta fantasia / Neste dia, / Que o mundo me parece / Vestido por ciganas adivinhas, / E que gosto de o ver, e me apetece / Ter folhas, como as vinhas.”

Alegorias do Outono na Pintura
Em Portugal, pintores como Columbano Bordalo Pinheiro[vii] e José Malhoa[viii], entre outros, utilizaram as características do Outono atrás referidas ao criarem composições alegóricas desta estação do ano.
Essas mesmas características constituem o tema central de telas criadas por grandes nomes da pintura universal, dos quais destaco cronologicamente: Francesco del Cossa[ix], Giuseppe Arcimboldo[x], Pieter Pauwel Rubens[xi], Nicolas Poussin[xii], Rosalba Carriera[xiii], Jacob van Strij[xiv],  Jacob Cats[xv] , Jean-François Millet[xvi] e Frederic Edwin Church[xvii].

Alegoria do Outono na Barrística de Estremoz
Na Barrística de Estremoz, existem exemplares designados genericamente por Primaveras, cuja característica principal é ostentarem um arco com flores apoiado nos ombros e circundando a cabeça. A origem de tais Bonecos remonta pelo menos ao séc. XIX. Para além de serem figuras de Entrudo, são alegorias à estação homónima, que evocam remotos rituais vegetalistas de celebração e exaltação do desabrochar da natureza, os quais vieram a ser assimilados pela Igreja Católica, que começou a comemorar o Entrudo.
O ano tem quatro estações, pelo que faz sentido existirem alegorias para todas elas. Foi o que pensou a barrista Isabel Pires que criou alegorias para as estações em falta. O presente texto tem por finalidade analisar a Alegoria do Outono de Isabel Pires.

Morfologia da figura
Formalmente e em termos morfológicos a Alegoria do Outono é semelhante à de alguns modelos de Primavera. Assim: 1 - Ostenta um arco ornamentado com o que simula serem folhas secas de uma planta indeterminada e parras secas repartidas em lóbulos pontiagudos que configuram estrelas, tal como o arco da Primavera está enfeitado com flores; 2 - Segura numa das mãos um cacho de uvas e na outra, um cabaz de vime com os frutos da época: diospiros, romãs, marmelos, castanhas, nozes, uvas. Existe aqui uma analogia com o que se passa nalguns modelos de Primavera, que sustentam uma cornucópia numa das mãos e na outra um ramalhete de flores; 3 - A cabeça está adornada com uma grinalda de folhas secas, tal como a cabeça da Primavera pode estar ataviada com plumas, toucados ou chapéus.
Para além destas analogias formais entre a Alegoria do Outono de Isabel Pires e certos modelos de Alegorias das Primavera, há a salientar que a Alegoria do Outono: 1 - Traja um vestido rodado em tom de Bordeaux, com gola verde de inspiração vegetalista e orla bicolor verde-amarela, cores que para além do Bordeaux são igualmente cores de folhas. As mangas do vestido estão decoradas com um fileira de folhas secas dispostas no sentido longitudinal. Uma guirlanda de folhas secas desce do ombro esquerdo em direcção ao cesto e ali se bifurca em duas guirlandas que seguem em direcção à orla do vestido, donde pendem parcialmente; 2 – Calça meias brancas e botas de cor Bordeaux. Estas têm a extremidade do cano com uma orla verde de inspiração vegetalista, da qual pendem folhas secas de cor Bordeaux e amarelo acastanhado; 3 - Assenta numa base circular de cor verde, orlada no topo com girassóis; 4 – O rosto está muito bem definido e é revelador do tratamento fortemente naturalista que a barrista imprime às suas criações. De salientar que os brincos pendentes das orelhas configuram duas folhas, de cor amarela.

Cromatismo da figura
Sob um ponto de vista cromático são dominantes os tons de Bordeaux e de amarelo, característicos das folhas secas e da fruta da época.

Simbolismo da Alegoria
Em termos simbólicos, a Alegoria do Outono, tal como a Alegoria da Primavera, está ligada à renovação da natureza. Assenta numa base verde, cor que simboliza a esperança e a renovação, aqui associadas ao Outono. As parras secas que ornamentam a composição, configuram estrelas, fontes de luz associadas ao simbolismo celeste, nomeadamente a esperança e a renovação. Os girassóis que ornamentam a base, dada a sua mobilidade em relação ao Sol, são um símbolo de instabilidade, aqui associado ao fluir da natureza e à sucessão cíclica das estações do ano.

Epílogo
O Outono é a estação das frutas, das folhas secas, da renovação. É o Inverno que se avizinha. Mas no dizer de Albert Camus[xviii], “Outono é outra Primavera, cada folha uma flor.”. Essa a intuição e também a convicção de Isabel Pires, que teve a sagacidade de criar uma Alegoria do Outono ou melhor, a primeira Alegoria do Outono na Barrística de Estremoz. Para além da qualidade da execução e da criatividade, pelo seu pioneirismo é merecedora de toda a nossa admiração, o que aqui registo e sublinho.
 
BIBLIOGRAFIA
ESPANCA, Florbela. Charneca em Flor. Livraria Gonçalves. Coimbra, 1931.
ESPANCA, Florbela. Livro de Máguas - Soror Saudade. Livraria Gonçalves. Coimbra, 1931.
EVANGELISTA, Júlio. Cantares de todo o ano. Colecção Educativa – Série F – N.º 6. Campanha Nacional de Educação de Adultos. Lisboa, s/d.
PESSOA, Fernando. No entardecer da terra in Ilustração Portuguesa , 2ª série, nº 83. Lisboa, 28-1-1922.
TORGA, Miguel. Diário X. Edição do autor. Coimbra, 1968.

Hernâni Matos
Publicado inicialmente em 7 de Novembro de 2020

[i] Fernando Pessoa (1888-1935). 
[ii] Ilustração Portuguesa, 2ª série, nº 83. Lisboa: 28-1-1922.
[iii] Florbela Espanca (1894-1932).
[iv] De “Charneca em Flor”.
[v] De “Livro de Máguas - Soror Saudade”.
[vi] De “Diário X”.
[vii] Columbano Bordalo Pinheiro (1857-1929, pintor naturalista e realista.
[viii] José Malhoa (1855-1933), pintor naturalista.
[ix] Francesco del Cossa (c. 1435-c. 1477), pintor italiano, renascentista.
[x] Giuseppe Arcimboldo (1526-1593), pintor italiano, maneirista.
[xi] Pieter Pauwel Rubens (1577-1640), pintor flamengo, barroco.
[xii] Nicolas Poussin (1594-1665), pintor francês, barroco.
[xiii] Rosalba Carriera (1675-1757), pintora italiana, barroca.
[xiv] Jacob van Strij (1756-1815), pintor holandês, barroco.
[xv] Jacob Cats (1741-1799), pintor holandês, rócócó.
[xvi] Jean-François Millet (1814-1875), pintor francês, realista.
[xvii] Frederic Edwin Church (1826-1900), pintor americano, romântico.
[xviii] Albert Camus (1913-1960), escritor franco-argelino.
 


domingo, 24 de março de 2019

A Primavera no figurado de Estremoz


PRIMAVERA (séc. XX). Autor desconhecido. Altura: 20; largura: 10;
diâmetro: 8,5 (cm). Museu Nacional de Etnologia, Lisboa.

No figurado de Estremoz existem imagens conhecidas genericamente por “Primaveras”. Trata-se de representações de figuras de Entrudo, envolvidas em rituais de vegetação, que anunciavam e saudavam a proximidade da Primavera, na qual a natureza e muito em especial a flora, refloresce.

Publicado inicialmente a 24 de Março de 2019
 
PRIMAVERA (séc. XX). Ana das Peles. Altura: 22; largura: 12; 
diâmetro: 8,6 (cm). Museu Nacional de Etnologia, Lisboa. 

PRIMAVERA (séc. XX). Olaria Alfacinha. Altura: 26; largura: 14;
diâmetro: 8,6 (cm). Museu Nacional de Etnologia, Lisboa.
 
PRIMAVERA (séc. XX). Ana das Peles. Altura: 30; largura: 16;
diâmetro: 10,7 (cm). Museu Nacional de Etnologia, Lisboa.

PRIMAVERA (séc. XX). Ana das Peles. Altura: 20,5; largura: 9,5;
diâmetro: 9,5 (cm). Museu Nacional de Etnologia, Lisboa.

segunda-feira, 23 de julho de 2018

Adagiário do Verão


Verão. Gravura de Paul van Somer II (activo ca.1670 – 1714).

O Verão, estação caracterizada por elevadas temperaturas, decorre de cerca de 21 de Junho até por volta de 23 de Setembro. O adagiário de Verão é assim o somatório dos adágios de Junho, Julho, Agosto e Setembro, que já foram inventariados nos respectivos meses. Daí que aqui só se apresentem aqueles em que figura explicitamente a palavra Verão:
- A água com que no Verão se há-de regar, em Abril há-de ficar.
- A água que no Verão há-de regar, de Abril e Maio há-de ficar.
- A burra de vilão, mula é no Verão.
- A formiga faz as suas provisões no Verão, ajunta no tempo de ceifa o seu alimento.
- A Inverno chuvoso Verão abundoso.
- Ande por onde andar o Verão, chega sempre pelo S. João;
- Ande por onde andar o Verão, há-de vir no S. João.
- Março, marçagão, de manhã Inverno, à tarde Verão.
- Março, marçagão, manhãs de Inverno e tardes de Verão.
- Nem no Inverno sem capa, nem no Verão sem cabaça.
Nem o Inverno sem capa, nem o Verão sem cabaça.
- No Verão acabam as ceias e começam os serões.
- No Verão ardem os montes e secam as fontes.
- No Verão o sol dá paixão.
- O Verão colhe e o Inverno come.
- Orelha de homem, nariz de mulher e focinho de cão, nunca viram o Verão.
- Outubro suão, negaças de Verão.
- Pão de hoje, carne de ontem, vinho do outro Verão, fazem um homem são.
- Quem no Verão colhe, no Inverno come.
- Sol nascente desfigurado, No Inverno, frio, no Verão, molhado.
- Uma (só) andorinha não faz o Verão.

Hernâni Matos
Publicado inicialmente a 23 de Julho de 2018

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Agosto na Pintura Universal


Agosto (1412-16). 
Paul, Jean et Herman de Limbourg (1370/80 – 1416).
Livro de Horas do Duque de Berry. 
Musée Condé, Chantilly.

“Agosto” é o tema central de obras executadas por grandes mestres da pintura universal, dos quais destacamos, associados por épocas/correntes da pintura, os seguintes:
- RENASCENÇA: Paul, Jean et Herman de Limbourg (1370/80 – 1416), holandeses; Cosmè Tura (1430-1495), italiano; Jean Poyer (activo pelo menos de 1483 até c.1503), francês; Gerard Horenbout  (c. 1465–1541), holandês; Simon Bening (1483/84-1561), flamengo; António de Holanda (1480/1500 – c. 1571), holandês; Oficina Simon Bening (c. 1483 – 1561), flamengo; Pieter Bruegel, o Velho (1525-1569), flamengo;
- BARROCO: Leandro Bassano (1557-1622), italiano; Adriaan van Stalbemt (1580-1662). Flamengo;
- ESCOLA VENEZIANA: Bernardo Bellotto (1720-1780), italiano;
- ROMANTISMO: Francisco da Silva (séc. XVIII), português;
- IMPRESSIONISMO: Alfred Sisley (1839-1899), francês;
- ABSTRACCIONISMO: Gregory Amenoff (1948-  ), mericano;
Por norma, as pinturas destacam as actividades senhoriais ou agro-pecuárias características do quente mês de Agosto: ceifa, acarreto e debulha do cereal, trabalhos de eira, descanso e refeição de ceifeiros, colheita de frutos e tosquia de ovelhas. A noção de calor pode também ser transmitida através da presença de nadadores ou pelo trabalho de tanoeiros que fabricam vasilhame que vai ser usado após as vindimas do mês de Setembro que se avizinha.


Alegoria de Agosto: Triunfo de Ceres (1476-84).
Cosmè Tura (1430-1495).
Fresco (500 cm x 320 cm).
Palazzo Schifanoia, Ferrara. 
Agosto (c. 1500).
Jean Poyer (activo pelo menos de 1483 até c.1503).
Livro de Horas de Henrique VIII (c/1500).
Morgan Library, New York. 
O Mês de Agosto (c. 1510).
Gerard Horenbout  (c. 1465–1541).
Breviário Grimani (28 cm x 21,5 cm).
Biblioteca Nazionale Marciana, Venice.
 Agosto (c.1515).
Simon Bening (1483/84-1561).
Livro de Horas da Costa (c/ 1515).
Morgan Library, New York.

Agosto (1517-1551).
António de Holanda (1480/1500 – c. 1571). 
Livro de Horas de D. Manuel I. Pintura a têmpera e ouro sobre pergaminho
(10,8 cm x 14 c m). Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa.
Agosto (1530-1534)
Oficina Simon Bening (c. 1483 – 1561).
Livro de Horas de D. Fernando. Pintura a têmpera e ouro
sobre pergaminho (9,8 cm x 13,3 cm).
Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa.
 A colheita de milho – Agosto (1565).
Pieter Bruegel, o Velho (1525-1569).
Óleo sobre madeira (118 cm x 161 cm).
Metropolitan Museum of Art, New York.
Agosto (1595/1600)
Leandro Bassano (1557-1622).
Óleo sobre tela (145 cm x 213 cm).
Museu de Arte Regional, Tula. 
 Alegoria do Mês de Agosto (?).
Adriaan van Stalbemt (1580-1662).
Oleo sobre madeira (76 cm x 123 cm).
Colecção privada.
Julho, Agosto (1731)
Francisco da Silva (séc. XVIII).
Óleo sobre madeira (23 cm x 33 cm).
Museu de Évora.
Dresden a partir da margem direita do rio Elba, acima da Augustusbrücke (1747).
Bernardo Bellotto (1720-1780).
Óleo sobre tela (132 cm x 236 cm).
Gemäldegalerie, Dresden.
Uma tarde de Agosto próximo de Veneux (1881).
Alfred Sisley (1839-1899).
Óleo sobre tela (54 cm x 73 cm).
Colecção privada.
Luz em Agosto (1996).
Gregory Amenoff (1948-  ).
Óleo sobre tela (233.7 cm x 304,8 cm).
Kemper Museum of Contemporary Art, Kansas City.