segunda-feira, 5 de abril de 2010

Arte Conventual - O falar das mãos de Guilhermina Maldonado


Guilhermina Maldonado (1937-2019).

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Entre nós vivem pessoas relativamente às quais a Comunidade nutre profunda estima e admiração, pelas mais diversas e respeitáveis razões: o seu desempenho ou êxito profissional, o seu exemplo de vida, a sua participação cívica ou aquilo que criam, que é o caso da Senhora que é objecto do presente post.
Guilhermina Maldonado é uma artesã multifacetada cuja actividade se distribui entre outras artes pela criação de registos – bentinhos e lâminas, assim como de maquinetas.
Registos contendo gravuras representando Santos ou Passos das Sagradas Escrituras e que dependurados nas paredes dos quartos, mais que objectos decorativos, são objectos de veneração e de oração dos fiéis.
Maquinetas contendo imagens devotas que são objectos de Culto ou encerram Presépios, através dos quais se evoca ciclicamente o nascimento de Cristo Salvador.
E o que é um registo? E o que é uma maquineta?
A designação de “registo” engloba ícones religiosos gravados em madeira, cobre, ou pintados sobre pergaminho, tecido ou papel ou impressos litograficamente.
Os de pequenas dimensões, além de relembrarem o dia festivo do Santo Protector, serviam para marcar uma dada passagem no missal ou noutro livro qualquer.
Independentemente das suas dimensões, os registos começaram a ser usados no século XVIII para emolduramentos conhecidos por “bentinhos”, designação que também abrange saquinhos de pano, bentos, que se usavam ao pescoço por debaixo da camisa, contendo papeis com orações, relíquias ou outros objectos de devoção.


Filha de uma mãe exímia e assombrosa na arte do papel recortado e sobrinha do antiquário Venceslau Lobo, Guilhermina Maldonado, nasceu em Estremoz, na freguesia de Santo André, no ano de 1937. Desde muito cedo, conviveu com registos, bentinhos, lâminas e maquinetas. Depois do casamento com o lavrador Luis Maldonado, foi morar para um monte, onde a necessidade de combater o isolamento, a levou a ocupar o tempo de maneira criativa.
Os trabalhos da mãe e a loja do tio que sempre a fascinou, emergiram então na sua memória, levando-a a recriar registos, a partir dos que já conhecia, sem necessitar de qualquer aprendizagem.


Prendada com uma vontade férrea e uma paciência sem limites, a elas soube aliar o prazer de criar, o que faz com uma imaginação espantosa, ainda que temperada pelo rigor e pela procura incessante da delicadeza, perfeição e harmonia, com requintes de minúcia, que são o seu timbre. Dotada de rara sensibilidade artística, das suas mãos de ouro, saem entre outras, inúmeras peças ao gosto conventual do século XVVIII, com um destaque muito especial para os registos e maquinetas ricamente trabalhados.


Desde a sua primeira exposição, ocorrida em 1987 na Galeria de Exposições Temporárias do Museu Municipal de Estremoz, que o seu trabalho foi publicamente reconhecido, passando a receber antiquíssimos registos e maquinetas para restaurar, bem como encomendas para criar novos trabalhos.
Como matérias-primas, Guilhermina Maldonado utiliza papéis coloridos (simples ou metalizados), tecidos (lisos ou lavrados), galões, fitas de algodão e seda, laços, bordados a linha de vários matizes ou de fio prateado ou dourado, bem como pérolas, coral, lantejoulas, vidrilhos, missangas e contas das mais variadas cores. Utiliza também o barro, o miolo de sabugueiro, flores naturais, escamas de peixe ou cascas de árvore. Igualmente utiliza o cartão e o vidro.

As ferramentas utilizadas são as mais diversas: tesoura, lâminas, agulhas, teques, bastidores, pincéis e utensílios improvisados.
Nos bentinhos, a estampa começa por ser colada num cartão que é forrado com tecidos ricos e decorado com lantejoulas, vidrilhos ou papéis coloridos, entre outros materiais.
Guilhermina Maldonado domina e utiliza as múltiplas técnicas de trabalhar o papel: dobragem, vincagem, corte, recorte, enrolamento e picotagem. Com a ajuda da tesoura e da pinça, corta finamente o papel e enrola-o, compondo folhas, pétalas e caules finíssimos, assim como transforma retalhos de papel em preciosos bordados e rendas.


Na decoração é por vezes utilizado canotilho de ouro ou prata e bordados a fio de ouro e prata. Só depois a estampa é emoldurada com uma moldura ricamente trabalhada.
A geometria das molduras é variada: rectangular, quadrada, circular, oval, ogival, cruciforme, cuneiforme ou de contorno misto. A estampa em vez de ser emoldurada, pode ser montada numa caixa pacientemente armada em vidro, também ela de geometria variável, com as lâminas de vidro guarnecidas a papel, tecido, fitas de seda ou de algodão. Estamos então em presença de “lâminas”. Nelas, a dado momento, a estampa começou a ser substituída, por vezes, por pequenas esculturas de barro policromado, cera, marfim ou alguma massa de segredo conventual.



Além de registos – bentinhos e lâminas, Guilhermina Maldonado também executa “maquinetas”, que são caixas envidraçadas onde se expõem imagens devotas como o Menino Jesus ou cenas do Presépio. Os materiais e as técnicas são semelhantes aos dos registos, só que as caixas agora têm maior volume. Guilhermina Maldonado começou por montar maquinetas com figuras modeladas por outros, mas actualmente é ela própria que modela e decora as figuras das suas maquinetas.


Guilhermina Maldonado participa desde sempre na Feira de Artesanato de Estremoz, a qual constitui na sua opinião, a melhor forma de divulgação do seu trabalho. É lá que recebe grande parte das encomendas de clientes que ficaram seduzidos pelo seu trabalho.
Dentre as Exposições realizadas, destacamos entre outras:
-  REGISTOS (Exposição Colectiva), Museu Municipal de Estremoz, Março - Abril de 1986;
- ARTE CONVENTUAL (Exposição Individual), Galeria de Exposições Temporárias do Museu Municipal de Estremoz, Dezembro de 1987- Janeiro de 1988;
- Exposição colectiva, Portalegre, Maio de 1992;
- GUILHERMINA MALDONADO E O FALAR DAS MÃOS (Exposição Individual), Câmara Municipal do Alandroal, Dezembro de 1995.
- ARTE CONVENTUAL (Exposição Individual), Escola Secundária de Estremoz, Dezembro de 1999.
A continuidade da sua Arte foi uma questão que sempre a preocupou. Estela Marques Barata foi a colaboradora a quem transmitiu os seus saberes.
Vivemos numa época pautada pela exaltação dos valores materiais e pela globalização, ambos conducentes à insensibilidade artística e ao cinzentismo da perda de identidade cultural. Por isso é preciso cavar trincheiras e cerrar fileiras em tomo do que mais puro e genuíno tem a Cultura Popular, nas suas mais diferentes vertentes. Dai que procuremos transmitir às novas gerações, valores e estéticas, que sendo populares e regionais, são simultaneamente universais e intemporais.
Esse o sentido da Exposição, que de 16 de Janeiro a 7 de Fevereiro de 2010, esteve patente ao público no Centro Cultural Dr. Marques Crespo, em Estremoz. tratou-se de uma Exposição, onde a paciência, o requinte, a delicadeza, a sensibilidade e a mensagem de Paz e Harmonia sempre presentes, nos fizeram render à Arte de Guilhermina Maldonado.

Publicado inicialmente em 5 de Abril de 2010

17 comentários:

  1. Obrigado Hernâni. Que bom é receber de alguém a informação acerca da existência de tesouros preciosos que tendem a perder-se. Abençoadas mãos que dão vida a tanta beleza. JCarvalho

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    1. Meu Amigo obrigada pela partinha trabalhos lindos De enaltecer ,tanta arte beijinho Manuela Saias

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  2. É primoroso o trabalho da nossa conterrânea Guilhermina Maldonado - de quem me lembro na infância e felicito vivamente -,sobrinho de uma figura incontornável da nossa cidade, Venceslau Lobo.O resto é o que dizes muito bem: ( e que eu cito)," Vivemos numa época pautada pela exaltação de valores materiais e pela globalização, ambos conducentes à insensibilidade artística e ao cinzentismo da perda de identidade cultural". Até quando quem aprecia as várias formas de cultura, o poderá fazer!

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    1. José:
      Obrigado pelo teu comentário.
      É preciso remar contra a maré. Não podemos nunca desistir da luta pela defesa e preservação da nossa arte tradicional,espelho vivo da nossa identidade cultural.

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  3. São trabalhos lindíssimos! É de valorizar a sua arte... que pena que hoje já ninguém se interessa em querer fazer.

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  4. Obrigado pelo seu comentário. Felizmente que ainda vão aparecendo pessoas interessadas em aprender artes tradicionais, nomeadamente arte conventual. Será talvez difícil atingir o nível de D. Guilhermina Maldonado que pela sua sensibilidade artística e domínio de múltiplas tércnicas, levou a arte conventual ao expoente máximo do supremo requinte.

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  5. Fantástico trabalho! Procuro informações sobre a arte conventual dos registos para um trabalho de ando a realizar. Se alguém me puder ajudar, agradeço que entrem em contacto comigo para: pacodavilla@net.sapo.pt desde já, muito obrigado. Miguel Pires de Azevedo

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  6. pena esta senhora não assine estas preciosidades, parabéns.

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  7. Lindos e delicados os teus trabalhos prima adorei muito os ter descoberto por aqui!Estas tão parecida com a tua mãe que saudades tenho dela!!!Beijinhos com muita paz e luz em tua vida Teresa <3

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    1. Teresa:
      Obrigado pelo seu comentário.
      Os meus cumprimentos.

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    2. ������como disse Nietzsche, "-...pelo modo como homenageamos e pela escolha que fazemos dos que recebem as nossas homenagens, logo demarcados a distância do que nos rodeia."
      In.."A vontade de Poder"

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    3. Obrigado pelo seu comentário.
      Os meus cumprimentos

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  8. Excelente conjunto de trabalhos. Vale a pena divulgar tão belas obras e os seus autores.

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  9. Também perfilho essa ideia. Os seus autores são merecedores dessa divulgação, visando o reconhecimento do seu mérito pela comunidade.

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