Fuga para o Egipto.
Oficinas de Estremoz.
Finais do séc. XIX – princípios do séc. XX.
Museu Municipal de Estremoz.
Foi Camões que proclamou: “Todo o mundo é composto
de mudança, / Tomando sempre novas qualidades. (…)”. A esta máxima acrescento a
firme convicção de que “Nada acaba no fim”, tema que animou a última sessão do
“Correntes d'Escritas”, um encontro anual de escritores de expressão ibérica
que em Fevereiro passado, decorreu na Póvoa de Varzim, minha cidade
adoptiva. Vem isto a propósito de, em crónica antecedente, ter dito não ter
conhecimento de nenhum exemplar do figurado de Estremoz, de produção local,
anterior aos começados a executar por Ana das Peles e Mariano da Conceição, nos
anos 30 do séc. XX, na Escola Industrial António Augusto Gonçalves, sob a
orientação do Director, o escultor José Maria de Sá Lemos. Acontece que não é assim,
já que o Museu Municipal de Estremoz tem no seu acervo e presentemente em
exposição, um exemplar cuja presença ali, revoga aquilo que disse então.
Trata-se de uma peça das oficinas de Estremoz dos finais do séc. XIX –
princípios do séc. XX, a qual reúne, montadas numa única base, as figuras do
episódio bíblico de que venho falando. Para além do que já foi dito em crónica precedente,
a propósito da interpretação de Mariano da Conceição e pondo de parte,
pormenores de decoração, há que referir certas particularidades. A base,
sensivelmente rectangular e com os vértices adoçados, não ostenta qualquer
marca de autor. São José enverga um manto que lhe protege também a cabeça, à
maneira de capuz. A mutilação do braço direito não deixa antever se originariamente
empunharia ou não, um bordão encimado por um lírio branco, um dos atributos de
São José. Quanto a Nossa Senhora, monta uma burrinha que marcha para o lado
esquerdo do observador, à semelhança do que viria a fazer Mariano da Conceição
e ao contrário do que faria Ana das Peles e mais tarde, o seu discípulo José
Moreira.
A imagem de que venho falando, foi doada em 2002
por Isabel Maria Osório de Sande Taborda Nunes de Oliveira, ex-Vereadora do
Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Estremoz. Pertencia à Casa da Horta
Primeira, onde vivia sua tia, Maria Palmira Osório de Castro Sande Meneses e
Vasconcellos Alcaide (1910-1992), grande poetisa estremocense, conhecida por
Maria de Santa Isabel, casada com Roberto Augusto Carmelo Alcaide (1903-1979),
comerciante, dramaturgo e caricaturista, irmão de Tomaz de Aquino Carmelo
Alcaide (1901-1967), tenor lírico de projecção internacional.
A imagem era utilizada por Maria Palmira na
montagem do Presépio, através do qual, ciclicamente era evocado naquela Casa, o
nascimento de Jesus. A Poetisa sentia na alma a magia irradiada pelos bonecos
de Estremoz e deles fala no seu livro “Flor de Esteva” (1948), no poema
“Bonecos de Estremoz”: “Bonequinhos de barro de Estremoz! / Floridas
cantarinhas! Primaveras! / Figuras dum presépio de quimeras! / Quem foi que
lhes deu vida no meu sonho? / Eterna fantasia cor de luz, / Milagre suavíssimo,
risonho, / Do Menino Jesus…/(…)”
A nível local, existem também representações
eruditas da “Fuga para o Egipto”, que não podem deixar de ser aqui referidas.
Uma delas está pintada na porta direita da maquineta do Presépio da
Misericórdia de Estremoz. A maquineta, de pau-santo, acomoda um presépio em
barro policromado, atribuído às oficinas de Machado de Castro e de António
Ferreira. A outra, figura num painel de azulejos, fabrico de Lisboa, do segundo
terço do século XVIII, que se encontra na parede da Igreja dos Mártires, do
lado da epístola.
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