sábado, 31 de julho de 2010

Edifício do Museu da Alfaia Agrícola de Estremoz

EDIFÍCIO DO MUSEU
DA ALFAIA AGRÍCOLA DE ESTREMOZ
Crónica de uma morte anunciada
Publicado inicialmente em 31 de Julho de 2010
Publicado também no nº 90 (23-7-2010) do Jornal ECOS

O assalto perpetrado por meliantes ao Edifício do Museu da Alfaia Agrícola de Estremoz, no passado dia 13 de Julho, cerca das 3 horas 30 minutos, facilitado pelo estado de degradação do edifício, está na origem desta crónica.

Museu da Alfaia Agrícola de Estremoz (Foto recente de Jorge Pereira)

MARCOS NA HISTÓRIA DE UM EDIFÍCIO

O edifício que é objecto desta crónica abrange os números 87/89 da Rua dos Reguengos ou Rua Serpa Pinto e situa-se do lado esquerdo, logo à entrada, da chamada “Porta dos Reguengos”. Convém passar em revista, alguns marcos na História do edifício:
1878 - António da Cruz funda ali uma Fábrica de Moagem a Vapor.
1916 (JANEIRO) - João Francisco Carreço Simões e Máximo José Rocha, criam no local a FÁBRICA DE MOAGEM E ELECTRICIDADE, que além de ser a primeira moagem eléctrica do concelho, abastece a cidade de energia eléctrica. Nos anos 30 do século passado, a parte eléctrica da empresa é adquirida pela Sociedade Industrial do Bonfim, transitando em 1970 para a Federação dos Municípios de Évora e por fim para a EDP. A parte da moagem adquirida por um industrial de Castelo Branco transita posteriormente para a FEDERAÇÃO NACIONAL DE PRODUTORES DE TRIGO – FNPT, criada em Junho de 1933 pelo Governo de Salazar. Federação de Produtores só de nome, já que funcionava como serviço público de compra, conservação e distribuição de cereais, entre outras funções.
1953 (FEVEREIRO) - O edifício é registado em nome da FEDERAÇÃO NACIONAL DE PRODUTORES DE TRIGO – FNPT, que ali instala um seleccionador de trigo, que funcionará até ao início da década de 70.
1975 (SETEMBRO) - O edifício é registado em nome do INSTITUTO DOS CEREAIS, pois por decreto-lei de Agosto de 1972, a FNPT passou a designar-se Instituto dos Cereais, incorporando o Instituto Nacional do Pão e as Comissões Reguladoras do Comércio de Arroz, das Moagens de Ramas, e do Comércio de Cereais dos Açores.
1979 (ABRIL) - O edifício é registado em nome da EMPRESA PÚBLICA DE ABASTECIMENTO DE CEREAIS, criada por decreto-lei de Agosto de 1976, para proceder à reestruturação do Instituto dos Cereais, cuja extinção formal é decretada no último dia de 1977, com efeitos a 1 de Dezembro, data de início de funções da EPAC.
1987 (MAIO) – O edifício devoluto, é arrendado pela Câmara Municipal de Estremoz (CME) e após sofrer acções de limpeza, conservação e beneficiação, acolhe mais de 4000 peças da faina agro-pastoril, recolhidas pelo campaniço e encarregado de pessoal da CME, Crispim Vicente Serrano. Peças encontradas em lixeiras, em casões devolutos ou abandonadas ao ar livre. Peças doadas por 23 agricultores e também peças depositadas por 24 agricultores à guarda da CME. Peças recuperadas na Horta do Quiton e que estariam na génese do que se viria a chamar o “MUSEU DA ALFAIA AGRÍCOLA”, gerido a partir daí pela chamada “Comissão da Alfaia Agrícola”, liderada por Joaquim Vermelho e dependente da CME.
1990 (DÉCADA DE) – O edifício acumula as suas funções museológicas com o de pólo da EPRAL – ESCOLA PROFISSIONAL DA REGIÃO ALENTEJO, onde são leccionados cursos de Património e Museologia e de Contrução Civil, onde leccionam entre outros Joaquim Vermelho, João Paulo Ferrão, Francisco Rodrigues, Maria Luzia Margalho, João Carlos Chouriço, Vera Fonseca, Hernâni Matos e Odete Ramalho.
1996 (JANEIRO) – Graças a um protocolo com a CME, a ETMOZ – Associação Etnográfica e Cultural de Estremoz passa a gerir o Museu da Alfaia Agrícola (edifício e recheio), situação que se mantém até 2003.
2000 (JANEIRO) - O edifício é registado em nome da AMPLIMÓVEIS – COMPRA, VENDA E EXPLORAÇÃO DE IMÓVEIS.
2003 - A gestão do chamado Museu da Alfaia Agrícola (edifício e recheio) transita para a CME, passando aquela unidade museológica a constituir um pólo museológico do Museu Municipal de Estremoz.
2004 (Abril) – Após parecer dos engenheiros da CME, o Museu da Alfaia Agrícola deixa de receber visitas, por motivos de segurança.
2004 – 2006 – Realizam-se acções de inventário, preservação e conservação do acervo, por parte do Museu Municipal. De salientar que ao longo do processo de degradação, o Director do Museu e o pessoal de apoio foi incansável, tendo feito tudo o que lhes era humanamente possível para travar essa degradação.
2006 (EM DIANTE) – Impossibilidade de continuação de qualquer das actividades anteriores, face ao risco de vida a que estavam sujeitos os intervenientes.
2009 – Negociações entre a CME e a EPAC, visando o aluguer de um pavilhão junto aos silos para acolher as colecções, o qual viria a receber obras de adaptação.
2010 (14 de Julho) – O Museu da Alfaia Agrícola é assaltado de madrugada, facto que foi detectado por populares, que vigilantes travaram a continuação do saque.
2010 (15 de JULHO) - É reforçada pela CME, a segurança de portas e janelas do rés do chão do Museu da Alfaia Agrícola e começa a transferência do seu recheio para o novo local.

UM MONUMENTO DE MEMÓRIAS

Em primeiro lugar, memórias externas:
- Memórias de quase um século de acarretos em carros de bois, de muares e tractores, para alimentar a voracidade insaciável da moagem ou do separador de trigos;
- Memórias dos camponeses que nos seus trajes garridos e churriões vistosos franqueavam as Portas dos Reguengos para tratar de assuntos na cidade;
- Memórias dos ranchos de crianças que por ali transitavam nas suas idas e vindas às escolas do Caldeiro;
- Memórias dos fluxos humanos que sempre ali animaram a vida social e comercial da zona;
Em segundo lugar, memórias internas:
- Memórias de quase um século de moagem em laboração;
- Memórias dos ciclos de produção da faina agro-pastoril (pastorícia, trigo, azeitona, cortiça, vinha, etc.), através dos utensílios utilizados pelo Homem e dos aprestos usados pelos animais.

A AGONIA DUM MORIBUNDO

No edifício de 3 pisos, o abatimento do telhado em telha-vã, ocorrido há muito, esteve na origem do abatimento dos pisos em madeira, o que foi facilitado pela danificação das grandes janelas superiores. No edifício, transformado em amplo pombal e sujeito ao rigor do tempo, verificou-se como não podia deixar de acontecer, a degradação do seu valioso recheio museológico.
O edifício, propriedade de uma imobiliária, ainda que ferido de morte, teima em manter-se de pé, como quem espera desesperadamente por auxílio. Até quando poderá aguentar essa luta titânica contra a morte? É imprevisível. O que é certo é que há de chegar o momento, não sabemos se de dia, se de noite, em que o moribundo soltará o seu último suspiro, acompanhado da derrocada das suas paredes, que transformarão a Rua dos Reguengos, num segundo Largo do Espírito Santo, afastando dali a circulação automóvel, com naturais reflexos negativos para os moradores e para a vida comercial da zona. Então todos nós choraremos. Alguns, lágrimas de crocodilo. Porém ninguém assumirá a culpa. Lá diz o rifão: “A CULPA MORRE SOLTEIRA!”.

Publicado inicialmente em 31 de Julho de 2010
Publicado também no nº 90 (23-7-2010) do Jornal ECOS


MUSEU DA ALFAIA AGRÍCOLA EM 1987
(Revisitação para memória futura)

RÉS DO CHÃO - Enfardadeira mecânica (Foto Correia).

RÉS DO CHÃO - Charribam (Foto Correia).

RÉS DO CHÃO - Máquina debulhadora (Foto Correia).

RÉS DO CHÃO - Seleccionadores de sementes e forquilhas em madeira. (Foto Correia).

1º ANDAR  - Charruas em madeira. (Foto ETMOZ).

1º ANDAR - Grade de estrelas, zorra, selins e cangas para mulas. (Foto Correia).

1º ANDAR - Arreios, estribos, cangalhos, albardas, selas, cilhas. (Foto Projecto das Escolas Rurais - Estremoz)
2º ANDAR - Utensílios e objectos da cozinha tradicional alentejana. 
(Foto Projecto das Escolas Rurais - Estremoz).

2º ANDAR - Peças de vestuário e objectos de uso caseiro. (Foto Correia).

2º ANDAR - Instrumentos de corte utilizados em diversos trabalhos agrícolas. (Foto Correia).

6 comentários:

  1. Acervo impressionante, que transmite história/etnografia/vivências.
    Qualquer país civilizado teria preocupações acrescidas na preservação de um material que certamente terá sido um investimento a custo 0.
    Como pode então deixar-se assim abandonado?
    Ainda bem que este blog nos transporta a esta realidade e talvez contribua para uma melhor preservação!

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  2. e agora quem investe 1 centimo para recuperação de tão rico património?

    abraço

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  3. E assim, com o mudar de mão em mão e o deixa andar (quem vier atráz que feche a porta) desleixado, como é apanágio de quem deveria ter responsabilidades, se vai abandonando e degradando o nosso património. Essa riqueza museológica, que tanta riqueza e suor gerou, devia ser mais acarinhada e protegida.
    O edificio conheço-o bem, pois morei na Horta do Caldeiro, onde hoje são as piscinas.

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  4. Existe a possibilidade da CME proceder à expropriação do edifício por interesse público!
    Porque não o faz? Porque não toma à sua guarda (CME),entretanto, o espólio museológico?

    Maria Reis

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  5. É de facto uma pena que o edifício de tão rico museu se tenha transformado em túmulo e, como tal, esteja a saque de quem se sabe aproveitar, e bem, das fraquezas e, sobretudo, da inércia de quem podia fazer alguma coisa por tudo aquilo, mas não faz porque dá muito trabalho e não está para isso. Além do mais também porque, com certeza, não dará muitos votos.

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  6. Não dá votos nem dá lucro. Se houvesse onde ir buscar
    uns subsidios decerto que haveria cem cães a um osso.
    Embora não fizessem tudo, sempre haveriam de fazer alguma coisa para puderem sacar algum. Agora na situação em que já está, ninguém quer ficar com a batata quente. Os politicos hoje em dia só se preocupam com o que dá dinheiro.

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