Aguadeiro (2014).
Jorge da Conceição (1963- ).
Colecção particular.
Figurado de Estremoz – 3
Vimos que o núcleo base do figurado de Estremoz inclui
um exemplar conhecido por “Aguadeiro”, conjunto constituído por uma figura
antropomórfica masculina (o aguadeiro) e uma figura zoomórfica (o burro).
Trata-se de uma peça produzida pelos sucessivos barristas, utilizando as suas
próprias marcas de identidade, mas sem fugir aos traços gerais do modelo
original. Todavia, nem todos assim procederam, quando ao modo de Estremoz,
manufacturaram figuras, que duma forma insofismável, continuam a traduzir a
identidade cultural regional e local, observável em tempos ainda não muito
recuados.
O aguadeiro de Jorge da Conceição (2014) é um conjunto
constituído por uma figura antropomórfica masculina (o aguadeiro), um carrinho
de mão para transporte de cântaros e a fonte na qual se abastece de água. Representa
um aguadeiro rural trajando à maneira de meados do séc. XX, com o braço direito
pendente, empunhando um cocho de cortiça para beber água e o braço esquerdo
erguido, com a mão segurando um lenço branco com que limpa o suor. Na cabeça,
dois pontos negros em fundo branco, representam os olhos, encimados por dois
traços castanhos de espessura diferente, que figuram as pestanas e as
sobrancelhas. No nariz em relevo, estão representadas as narinas. Na boca, os
lábios avermelhados igualmente em relevo. O cabelo é castanho-escuro, penteado
para trás, com patilhas laterais e apresenta também volumetria, tal como as
orelhas que estão a descoberto. A figura enverga calças em relevo, de cor
castanha e camisa ainda em relevo, de cor cinzenta, com as mangas arregaçadas,
fechada no peito por três botões brancos de forma semiesférica e é atada à
frente, à moda dos eguariços. Os botins são analogamente castanhos, ainda que
duma tonalidade diferente das calças.
À frente do homem encontra-se um carrinho de mão,
com dois pés e dois braços, de cor castanha, sugerindo madeira. A roda com seis
raios, similarmente castanhos, apresenta o aro exterior cinzento-escuro,
lembrando ferro. O estrado do carrinho apresenta duas cavidades para transporte
de cântaros, orladas com um anel em relevo e de cor cinzento-escuro, alvitrando
borracha. No buraco da frente está encaixado um cântaro de tom avermelhado,
evocando barro e cujo gargalo se encontra vedado por uma tampa de cor
castanho-claro, supostamente de cortiça. O buraco de trás, está parcialmente
encoberto por um chapéu aguadeiro preto, de fita igualmente preta.
A fonte, de cor branca, aparentando alvenaria
caiada, tem um depósito em forma de urna ornamentada por grinaldas de flores, é
encimada por uma vieira e ostenta duas gárgulas antropomórficas, tudo em
relevo. Das bocas das gárgulas saem tubos de cor cinzento-escuro, aparentando
ferro e dos quais jorra “água” de tom prateado. A urna está emoldurada a azul
do Ultramar. Sob a bica da direita encontra-se um cântaro semelhante ao
anterior, a recolher água e cuja tampa está assente no bordo da taça, em cor
branca de mármore com veios.
O conjunto assenta numa base rectangular de cor
verde bandeira, pintada lateralmente num tom castanho-avermelhado.
O exemplar de figurado de Estremoz aqui descrito
exige uma confecção mais complexa e morosa do que o espécimen anteriormente
descrito. Para além disso e já não é pouco, corresponde em termos de imaginário
do seu criador, a uma ruptura com aquilo que vinha sendo feito, elevando assim
a nossa barrística a um novo patamar, como já tinha acontecido na criação de
outros modelos. É caso para dizer que ocorreu aqui uma mudança de paradigma, a
qual se regista e se valoriza.
Hernâni Matos
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