Convento de São
Francisco em Estremoz, nos primórdios do séc. XX e anteriormente
a 1919, conforme
datação de obliteração dos Correios. patente no verso.Na época
ainda não tinham sido
construídos edifícios encostados ao lado direito do Convento
e não existia
ainda o Quiosque
Maniés, fundado em 1927. Bilhete-postal ilustrado de
editor não identificado com o nº 2248.
As personagens do auto, em número de quatro, podem ser
assim descritas:
- MARIA DAS DORES: Octogenária, pálida e seca de
carnes. Viúva dum oficial de Cavalaria, falecido há quarenta anos e cuja
memória preserva, trajando luto carregado. Frequentadora assídua da Igreja,
onde a prática do culto lhe mitiga as dores que lhe dilaceram a alma e o corpo.
- MARIA DA FÉ: Quarentona, solteira e de têmpera
rija, é afilhada de Maria das Dores, a quem presta assistência familiar.
- CRUZ: Devoto e douto historiador de assuntos da
Igreja, da qual foi ministro, dignidade de que abdicou por amor a uma mulher.
- MARTIM: Causídico de forte compleição e de
sólidas convicções religiosas. Transporta sempre consigo um rosário de marfim,
o qual guarda religiosamente num estojo de prata, finamente lavrado.
O enredo desenrola-se há duzentos anos atrás na
nossa notável vila. Ao fim da tarde de um dia soalheiro de Primavera, Maria das
Dores e Maria da Fé deslocam-se a caminho da Igreja do Convento de são
Francisco, onde vão assistir à Santa Missa. Na praça Luís de Gamões e frente à
Casa das Leis, atormentada pelo reumático, Maria das Dores é forçada a parar,
no que é secundada pela afilhada. A elas se juntam Cruz e Martim, provenientes
de direcções diferentes. Qualquer deles cumprimenta as piedosas senhoras,
curvando o torso para a frente, ao mesmo tempo que tiram o chapéu da cabeça, em
sinal de casta reverência. Decorridos os cumprimentos, Martim pergunta:
- A caminho
da Igreja, não é verdade, minhas senhoras? Eu também e julgo que o mesmo se
passará com o doutor Cruz.
Este último confirma a suposição de Martim,
enquanto Maria das Dores responde:
- É verdade senhor doutor Martim. Aonde é que havia de ir, senão à nossa bela Igreja? Só ali encontro conforto para as minhas mágoas.
- É verdade senhor doutor Martim. Aonde é que havia de ir, senão à nossa bela Igreja? Só ali encontro conforto para as minhas mágoas.
Cruz é então levado a dizer:
- Se me
permite, Dona Maria das Dores, a nossa Igreja para além de bela e da sua
importância em termos de culto, tem uma enorme importância histórica,
arquitectónica, escultórica e azulejar. Nela estão sepultadas algumas figuras
ilustres da nossa História e apesar da sua frontaria ser setecentista, os
primórdios da Igreja remontam a data imprecisa do séc. XIII, já que começou por
ser um convento franciscano.
E acrescenta:
- No seu
todo, a Igreja reúne em si, a arquitectura religiosa
gótica, renascentista e barroca. É de salientar o túmulo trecentista de Esteves Gatuz, a Capela
renascentista de D. Fradique de Portugal, o altar-mor de talha barroca e o
retábulo com árvore de Jessé em talha policroma. Para além de toda a imaginária
religiosa, há ainda a destacar os painéis de azulejos figurativos do séc.
XVIII, da autoria do pintor e azulejista alentejano, Policarpo de Oliveira Bernardes.
Maria das Dores contrapõe, dizendo:
- O que é
pena é a nossa bela Igreja estar ladeada de casas desabitadas e degradadas, que
nunca ali deviam ter sido construídas.
A afilhada alvitra:
- Madrinha,
isso é um mal que pode ser reparado. Se as casas estão degradadas, é deixá-las
ir abaixo e depois remover os escombros.
Resposta da madrinha:
- Isso é
coisa que ainda leva o seu tempo.
A afilhada replica:
- Talvez o
Regedor arranje maneira de as casas poderem ser derrubadas. Se o conseguisse,
ficaríamos aqui com um belo espaço cívico e cristão, que até podia ser
ajardinado e onde as crianças podiam brincar.
Perante tal sugestão, Martim intervém, dizendo:
- Minhas
senhoras, eu posso tentar falar com o Regedor, mas para além do meu apoio,
diplomacia e empenho, nada vos posso prometer. Têm que reconhecer que é um
assunto muito delicado, que tem de ser tratado com punhos de renda. Todavia,
creio que em nome da salvaguarda do património arquitectónico com interesse
histórico, o Regedor possa arranjar maneira de impedir a feitura de obras nas
casas degradadas. Porém, para as demolir, é necessário ressarcir os
proprietários do respectivo valor patrimonial. E aí a coisa complica-se, pois a
Regedoria não tem nenhuma fábrica de fazer dinheiro e estamos em período de
vacas magras. Apesar disto tudo, creio piamente que a ideia de Dona Maria da Fé
é uma ideia muito justa e legítima. Daí que possam contar comigo para
sensibilizar o Regedor para este assunto.
Em resposta, Maria da Fé diz:
- O Regedor é
uma pessoa boa e já tem um lugar assegurado no Céu. Se nos ajudar neste nosso
intento, decerto que o Senhor lhe reservará um lugar ainda mais aprazível a seu
lado.
Maria das Dores intervém para dar a sua anuência:
- Concordo
consigo afilhada e parece que estamos todos de acordo.
O tempo já vai adiantado, pelo que Cruz chama a
atenção geral:
- São horas
de nos dirigirmos para a Santa Missa, orar e dar graças ao Senhor. Não podemos
chegar atrasados.
Martim concorda imediatamente:
- Tem toda a
razão doutor Cruz, a Igreja espera por nós.
Dito isto, dali saíram todos em direcção ao Templo
vizinho. Martim com a missão de posteriormente interessar o Regedor pela causa
que os sensibiliza e anima. Cruz com a incumbência de informar Fernão, a fim de
que ele como cronista possa dar eco destes brados, no jornal onde cronista é.
Hernâni Matos
Muito oportuno nos dias de hoje, deveriam de ser feitos bons ofícios para destapar a Igreja
ResponderEliminarA meu ver deveria ser criado um movimento de opinião que alertasse as consciências das pessoas para a importância de que se revestiria devolver a Igreja, como monumento nacional que é, à sua primitiva dignidade. Depois seria necessário que a voz desse movimento ecoasse junto da Diocese de Évora e do Executivo Municipal de Estremoz.
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