O Quarto Estado (1901).
Giuseppe Pellizza da
Volpedo (1868-1907).
Óleo sobre tela (293 x 545
cm).
Civica Galleria d'Arte
Moderna, Milano.
A
acção decorre há dois séculos atrás na nossa urbe transtagana. Os personagens
do auto, em número de oito, podem ser assim descritos:
- JUSTO SEVERO: Caixotão da rua da Paróquia e
vizinho da Casa das Leis, que ao depor nele papéis devolutos, contribui para
a sua formação jurídica.
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- VASCO: Ávido de justiça social e
permanentemente mobilizado para a intervenção cívica, é o arauto dos novos
tempos.
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- FERNÃO: Cronista do burgo e mensageiro da
comunidade que nele confia.
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- LIBERTÁRIA: Mulher peituda, de pelo na venta e
sem papas na língua. Permanentemente em luta contra a injustiça social e
sempre pronta a distribuir tabefes por aqueles que se atravessam no seu
caminho.
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- CARIZ: Jurisconsulto local, bigodudo, de porte
imponente, que se desloca na rua com ar solene e como quem vai em procissão.
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- FRANCISCO TRÁS: Sargento-Mor aposentado, herói
da Abrilada e estudioso da História Militar local.
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- VASCÃO: Meirinho abatido ao activo e que
foi cocheiro às ordens de Sande-ao-cão. A sua frequência assídua da Tapanisca
e da estalagem do Jorge, estiveram na origem da respeitável barriga e da
vermelhidão do rosto.
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- LELO: Descansador nato que se assenta no poial
de entrada da Casa das Leis, onde apanha banhos de sol e tira umas fumaças.
Fim da manhã de um dia como os outros. Fernão tem
a barriga a dar horas, pelo que em passo apressado se dirige para a estalagem
do Jorge, onde vai dar ao dente e saber as últimas. Já na rua da Paróquia e
junto aos caixotões falantes, encontra uma folha de papel com o memorandum
elaborado por Justo Grave. A leitura do mesmo não o surpreende, pois
encontra-se a par do problema ali tratado. Decide então arrepiar caminho,
dirigindo-se para a praça Luís de Gamões, para ver quem é que anda por ali.
Frente à Casa das Leis encontra-se um grupo, no qual se podem ver: Vasco, Libertária,
Cariz e Lelo, aos quais se acaba de juntar Vascão, atraído pela voz
tonitruante de Libertária. Esta, gesticula e simultaneamente proclama:
- Isto não
anda, nem desanda. Continua tudo na mesma, como a lesma. O Regedor não atende
as nossas justas reclamações, das quais o Fernão tem sido mensageiro. Não
está certo. A resolução dos nossos problemas, fica sempre para o dia de São
Nunca à Tarde.
Fernão sente necessidade de intervir, dizendo:
- E há
ainda o problema dos caixotões falantes, dos quais Justo Grave é porta-voz.
Vasco entra também na conversa, observando:
- A
situação é conhecida de todos e exige resolução. O problema é não só dos
caixotões, mas também nosso. Daí que a gente esteja solidária com eles.
Vascão também não fica calado, pronunciando-se:
- Quanto ao
trânsito mal parado, o problema não é só nosso, é também dos meirinhos meus
colegas. Tenho que dizer ao Patilhas que apareça mais vezes. Por estas e por
outras, é que se vê a falta que o Sande-ao-cão faz cá.
Lelo também não fica calado, desabafando:
- E não se
esqueçam dos pombos, que eu estou farto de me cagarem em cima!
Cariz interrompe-o, advertindo-o:
- Não
precisa de falar mal, Lelo! Diga: cocó.
Lelo responde:
- Sim
senhor doutor cocó!
Libertária põe água na fervura, quando diz:
- Não faz
mal dizer cagar, que é uma coisa que toda a gente faz. O que interessa é que
o Lelo tem razão.
Francisco Trás, cordato e aprumado, como é timbre
dum militar, pronuncia-se:
- Meus
amigos: Não nos podemos igualmente demitir da resolução da situação chocante
das placas, a qual fere as nossas sensibilidades.
Depois de toda a gente ter falado, Fernão
conclui:
- Isto está
a precisar de um Auto de Fé!
Libertária, maliciosa, pergunta:
- E quem é
que vamos lançar na fogueira?
Fernão responde:
- Ninguém.
Nada de violência, que nós somos pacíficos e a razão está do nosso lado.
Temos é que voltar à carga. Eu encarrego-me de lavrar um Auto de Fé, um auto
da nossa fé em lutarmos pela resolução dos nossos problemas. Um auto a
apresentar ao Regedor. Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura.
Respondem todos em uníssono:
- A arraia unida,
jamais será vencida!
Terminado o desabafo, Fernão retira-se, a fim de
lavrar o Auto de Fé, que junto do Regedor, dê eco de todos estes brados,
através do jornal onde cronista é.
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