Meu
Camarada e Amigo
Ary
dos Santos (1937-1984)
Revejo
tudo e redigo
meu
camarada e amigo.
Meu
irmão suando pão
sem
casa mas com razão.
Revejo
e redigo
meu
camarada e amigo
As
canções que trago prenhas
de
ternura pelos outros
saem
das minhas entranhas
como
um rebanho de potros.
Tudo
vai roendo a erva
daninha
que me entrelaça:
canção
não pode ser serva
homem
não pode ser caça
e
a poesia tem de ser
como
um cavalo que passa.
É
por dentro desta selva
desta
raiva deste grito
desta
toada que vem
dos
pulmões do infinito
que
em todos vejo ninguém
revejo
tudo e redigo:
Meu
camarada e amigo.
Sei
bem as mós que moendo
pouco
a pouco trituraram
os
ossos que estão doendo
àqueles
que não falaram.
Calculo
até os moinhos
puxados
a ódio e sal
que
a par dos monstros marinhos
vão
movendo Portugal
—
mas um poeta só fala
por
sofrimento total!
Por
isso calo e sobejo
eu
que só tenho o que fiz
dando
tudo mas à toa:
Amigos
no Alentejo
alguns
que estão em Paris
muitos
que são de Lisboa.
Aonde
me não revejo
é
que eu sofro o meu país.
Ary dos Santos (1937-1984)
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