Balada
da Neve
Augusto Gil (1873-1929)
Augusto Gil (1873-1929)
Batem
leve, levemente,
como
quem chama por mim.
Será
chuva? Será gente?
Gente
não é, certamente
e
a chuva não bate assim.
É
talvez a ventania:
mas
há pouco, há poucochinho,
nem
uma agulha bulia
na
quieta melancolia
dos
pinheiros do caminho...
Quem
bate, assim, levemente,
com
tão estranha leveza,
que
mal se ouve, mal se sente?
Não
é chuva, nem é gente,
nem
é vento com certeza.
Fui
ver. A neve caía
do
azul cinzento do céu,
branca
e leve, branca e fria...
–
Há quanto tempo a não via!
E
que saudades, Deus meu!
Olho-a
através da vidraça.
Pôs
tudo da cor do linho.
Passa
gente e, quando passa,
os
passos imprime e traça
na
brancura do caminho...
Fico
olhando esses sinais
da
pobre gente que avança,
e
noto, por entre os mais,
os
traços miniaturais
duns
pezitos de criança...
E
descalcinhos, doridos...
a
neve deixa inda vê-los,
primeiro,
bem definidos,
depois,
em sulcos compridos,
porque
não podia erguê-los!...
Que
quem já é pecador
sofra
tormentos, enfim!
Mas
as crianças, Senhor,
porque
lhes dais tanta dor?!...
Porque
padecem assim?!...
E
uma infinita tristeza,
uma
funda turbação
entra
em mim, fica em mim presa.
Cai
neve na Natureza
–
e cai no meu coração.
Augusto
Gil (1873-1929)
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