sexta-feira, 1 de novembro de 2024

CONCERTO DOS UHF – A heroína ali foi a música

 

UHF - Capa do album À FLOR DA PELE (1981)


CONCERTO DOS UHF – A heroína ali foi a música [1]

Crónica rock [2] ou talvez não, por Hernâni Matos

 

Crónica publicada no jornal
Brados do Alentejo nº48 (3ª série),
de 25 de Setembro de 1981


Uma viola baixo, uma viola ritmo e uma bateria poderão não fazer uma orquestra. Fazem, porém, um concerto de rock. Que o digam a meia bancada e o terço de ringue que no passado dia 18 de Setembro [3], na Esplanada Parque em Estremoz, assistiram ao concerto dos UHF.

Amplificador que difunde vibrações, volts transformados em decibéis, poluição sonora estandardizada dum conjunto desfalcado dum vocalista que é também viola ritmo.

Montanhas de amplificadores e um aparato de projectores verde-laranja-branco, verde-laranja-branco, verde-… Poça que já me doía a vista.

Corpo forrado de jeans, camisetes e ténis. Homens programados, gestos computorizados, corpos electrificados geradores de música. E nas convoluções epilépticas, violas tricotam música que as malhas que o som tece lá vão aquecendo a malta. É preciso é conjugar o verbo pular.

Embora se vissem senhoras em traje de passeio, predominava a juventude, que o rock não liga com o reumático. Havia tipos exóticos, cabelos à Black Power, rapazes tipo West Side com Marias para todos os paladares. Havia também uma bebedeira com um lenço ao pescoço e um chapéu à 3 mosqueteiros, enfiado num pau de virar tripas. É que estas coisas têm os seus próprios regulamentos e a malta tem de ir fardada a rigor.

Ambiente morno, que em Estremoz nada pega. Um palco decorado com barreiras e uma mão cheia de PSP´s e PE’s que não chegaram a fazer falta, que não houve problemas com a malta. Oh, meu! Ainda dizem que a juventude é violenta!

Na escuridão, beijos generosos que se dão e óculos escuros que se tiram, pois à noite todos os gatos são pardos.

Os cigarros que tremulam são os novos pirilampos da sociedade de consumo.

Há quem deambule por aqui e por ali e há quem beba cerveja, que o escuro não mata a sede.

As coisas aqueceram aí pelo “Modelo Fotográfico”, não percebemos se vestido se despido, que por essa altura os tímpanos já tinham pifado. O quê? Queres um fósforo? Toma lá pá! Não tens de quê!

Com o “Cavalo de Corrida” atingiu-se o auge da morneza, com a malta de braços erguidos como quem protesta contra o preço da carne, o que não era o caso, pois ali todos tinham ido ao concerto por sua livre vontade.

Quanto à encenação, aquilo tava uma maravilha, pá! Era a gaja da saia transparente que tirava fotografias à contraluz e foi o blusão despido aí por alturas do “Cavalo de Corrida”, que era p’ra a gente acreditar que aquilo estava mesmo a aquecer. E até deu p’ra haver publicidade, que um sumo que se bebe no palco é sede comercial que é preciso promover.

Vale tudo menos tirar olhos. Não pensava isto quem no outro dia ia tirando um ao António Manuel Ribeiro (vocalista - viola ritmo), pois estava acompanhando o rock ao ritmo da fisga. Aquilo de colcheias e projecteis à mistura não resultou e o Tó Manel ia ficando como o Luís Vaz, vulgo Camões.

Isqueiros que se se acendem aqui e ali nos braços erguidos ao alto, como quem paga uma promessa a Fátima.

E eis que um fogo de artifício cria a apoteose que os espectáculos devem apresentar no fim. E aqui houve encenação de pormenor na cor cardinalícia que conferiu a solenidade que a apoteose precisava ter.  E no momento em que termina o concerto, os músicos erguem as violas bem alto, como um sacerdote num templo ao proceder à consagração da hóstia.

Música que se extingue, artifício de fogo que se acaba. Resta o fumo que o vento acaba por levar. E com aquela nuvem passageira, os músicos saem pela esquerda baixa para logo de seguida, numa semi-escuridão e com blusas trocadas entre si por questões de segurança, irem direitinhos à cozinha do bufete. A traça não perdoa. É preciso encher a mula, pá!

Uma hora de espectáculo. 13 composições, 85 contos de cachet. Nada mau. E o “Estremoz”[4]? Terá reforçado a verba ou averbado o esforço?

E é isto o rock. Rock à Portuguesa, pois claro!

Quando tiver um puto, hei de lhe dizer:

- Porta-te bem ou levo-te ao rock!

 Hernâni Matos

[1] Concerto realizado pelos UHF no ringue da Esplanada Parque em Estremoz, no dia 18 de Setembro de 1981.
[2] Crónica publicada no jornal Brados do Alentejo nº48 (3ª série), de 25 de Setembro de 1981.
[3] De 1981.
[4] Clube Futebol Estremoz.

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