Era
uma vez uma medieva Casa do Alcaide-Mor de Estremoz, que deixou de o ser,
passou a ser residência popular e no século passado albergou mesmo um
bordel.
Apesar
de o edifício ter sido classificado como Monumento Nacional em 1924, desde
essa data que a CME tem revelado autismo em relação a políticas da sua
preservação e valorização. Não é de admirar pois, que a seta do tempo o tenha
maltratado inexoravelmente, pelo que abateu primeiramente o telhado, seguindo-se
o segundo e o primeiro andar.
A lei de Lavoisier e a seta do
tempo
Como corolário de uma política errada em relação ao
património e com exclusão da fachada, o edifício é um monte de ruínas. Ainda
que a lei de Lavoisier registe: “Na natureza, nada se perde, nada se cria, tudo
se transforma”, a seta do tempo tem um sentido único, pelo que o tempo não
volta para trás, como no fado de António Mourão. Daí que o imóvel esteja como
está.
Desde a adesão à CEE nos anos 80 do século passado,
que o Município de Estremoz desperdiçou oportunidades sucessivas de
financiamento de projectos, visando a recuperação da edificação.
Consequentemente, à boca cheia ou pelos cantos, surgiram tesouradas e
alfinetadas à sua olímpica passividade. A edilidade tinha um menino nos braços,
do qual se tinha que ver livre. Em alternativa, tinha dois caminhos a seguir:
pegar o boi pelos cornos ou delegar noutros, aquilo que era competência sua.
Tragicamente para os munícipes, escolheu o caminho mais fácil, olvidando
valores identitários locais, numa atitude que ao alienar património, é
equiparável à de Esaú, que trocou a progenitura por um prato de lentilhas. Foi
assim que deliberou vender aquela Casa em hasta pública. Nesta e pela
importância de 279.000,00 €, o imóvel foi provisoriamente adjudicado a um
finório residente no concelho, em representação duma corporação americana,
sediada numa caixa de correio dum paraíso fiscal e sucursal num edifício
devoluto em Estremoz. Porém, o arrematante efectuou o pagamento inicial com um
chegue careca, pelo que a venda não se concretizou e o menino ficou novamente
nos braços de quem se queria ver livre dele, ao mesmo tempo que reforçava a
provisão dos cofres municipais.
A virgem violada
Entrementes, um grupo de “Cidadãos pela Defesa do
Património de Estremoz”, qual virgem violada, decide assumir-se no terreno como
travão à venda. Nesse sentido, elabora uma petição à Câmara local, a qual
recolhe um número irrisório de subscritores, relativamente ao universo
populacional do concelho. Foi a sua primeira fraqueza. A segunda, foi promover
uma Sessão Pública com deputados da “geringonça”. Não foi um tiro no pé, mas
foi um tiro com pólvora seca. Dali saíram os deputados, transpirando boas
intenções e os intervenientes com a alma aliviada pelo desfilar do seu rosário
de mágoas. Foi pouco mais que quase coisa nenhuma. Lá diz a gíria popular:
“Fica tudo como dantes, quartel-general em Abrantes”. Entretanto, uma pessoa
que eu cá sei, terá largado o bitaite: “São os do costume”. O séquito apoiou e
todos terão ficado contentes. Nesse meio-tempo, o “Grupo de Cidadãos” promoveu
uma vista guiada à cerca medieval de Estremoz, a qual foi bastante
participada e teve muita qualidade. O Município agradece, já que alguém está a
fazer aquilo que ele não faz.
Ministério da Cultura
questionado
O Grupo Parlamentar do BE dirigiu ao Governo,
através do Ministério da Cultura, perguntas pertinentes sobre a postura da CME,
as quais decorridos que são mais de 3 meses, carecem de respostas, talvez
devido à inoportunidade das perguntas. É que o Governo PS, maioritário na
“geringonça”, também precisa de reforçar os cofres do Estado, pelo que iniciou
em Agosto um “Programa de Valorização do Património”, através
do lançamento de 30 concursos de concessão da exploração de edifícios
públicos, que são espaços históricos únicos, muitos dos quais abandonados ou
em mau estado de conservação. Manuel Caldeira Cabral, ministro da
Economia, argumentou a esse propósito ao Expresso que “Isto é a nossa herança
histórica, temos a responsabilidade de olhar por este património, que não pode
continuar ao abandono e a apodrecer, face ao estado a que chegou”. Por outras
palavras, o Governo não tem chavo para fazer obras e precisa daquilo com que se
compram os melões, para os utilizar noutras direcções que não as do Património
Histórico. Por isso, estou convicto que as respostas do Ministério da Cultura
ao BE vão demorar e ser provavelmente inconclusivas.
De salientar que entre os edifícios que o Governo
quer privatizar, se situam edifícios emblemáticos como o Mosteiro de Arouca, o
Castelo de Portalegre e o Forte de Peniche. Relativamente a este último está a
decorrer uma petição cujos subscritores lutam pela preservação da memória e
resistência ao fascismo, pelo que apelam ao Governo para que o Forte permaneça
património nacional, símbolo da repressão fascista e da luta pela liberdade.
A subida da parada
Como da primeira vez não houve consumação do acto,
a CME decidiu lançar nova hasta pública, subindo agora a parada para uma base
de licitação de 250.000 euros. Não apareceram interessados, pelo que a
recuperação do imóvel continua em aberto e os cofres do Município ficaram sem o
almejado balão de oxigénio.
Regime Jurídico do Património
Classificado
A Lei n.º
107/2001 de 8 de Setembro, estabelece as bases da política e do regime de protecção e
valorização do património cultural. De acordo com ela, os
proprietários de bens classificados estão submetidos a restrições e obrigações
no que respeita à sua transmissão, alienação, aquisição, direito de
preferência, inscrições e afixações, projectos, obras e intervenções,
conservação, deslocamento, demolições ou expropriações, estabelecidas
nomeadamente nos artigos 9.º, 21.º, 31.º, 32.º, 34.º, 35º., 36.º, 37.º, 38.º,
41.º, 42.º, 45.º, 46.º, 48.º, 49.º,50º., 60º. e 99º. A transmissão de bens
classificados obedece também aos artigos 416.º, 417,º, 418.º e 1410.º do Código
Civil. De resto, vigora o Regime Jurídico do Património Imobiliário Público, aprovado
pelo Decreto-lei n.º 280/2007, de 7 de Agosto e alterado pelos seguintes diplomas:
- Lei N.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro; - Lei N.º 64-B/2011, de 30 De Dezembro;
- Lei N.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro; - Decreto-Lei N.º 36/2013, de 11 de
Março; - Lei N.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro; - Lei N.º 82-B/2014, de 31 de
Dezembro.
Que fazer?
Esta a pergunta sacramental que muitos estarão a
formular. Contudo, não me cabe a mim responder. Não sou juiz com capacidade de
administrar justiça, Ministério Público com competência de exercer acção penal,
nem estou togado para ser advogado de defesa nem de acusação. Como jornalista,
apenas me compete despertar consciências, pondo o dedo na ferida. E é nessa
qualidade que, correndo o risco de ser acusado de pessimista, sou levado a
citar o poeta António Aleixo: “Descreio dos que me apontam / Uma sociedade sã:
/ Isto é hoje o que foi ontem / E o que há-de ser amanhã.”.
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