Mercado (1903).
Artur José de Sousa Loureiro
(1853-1932).
Óleo sobre madeira (32 x 40,5 cm ).
Museu Nacional de Soares
dos Reis, Porto.
Os provérbios populares constituirão porventura um dos géneros mais expressivos e divulgados da nossa literatura de tradição oral. Transmitidos verbalmente de geração em geração, ficaram registados no livro vivo da nossa memória colectiva. Alguns são intemporais, outros ficaram confinados a um espaço e a um tempo que os contextualiza. Todavia há aqueles que atravessaram fronteiras territoriais que não impediram a partilha de saberes entre os povos de cada lado. Muitos conheceram variantes regionais e outros sofreram corruptelas, que em vez de fragilizarem, pelo seu pluralismo enriqueceram a nossa literatura de tradição oral.
Os provérbios, muitas vezes conhecidos por adágios,
aforismos, anexins, axiomas, ditados, máximas, rifões, refrães e sentenças, têm
tido compiladores ao longo dos tempos. Das mais antigas compilações há que
salientar as do Padre António Delicado (1651), do Padre Raphael Bluteau
(1712-1728) e de Roland (1780).
Segundo Antero de Figueiredo (1866-1953), os
provérbios “encerram em poucas palavras, verdades ou máximas morais,
confirmadas no decurso das gerações”. Daí serem considerados a “ voz do povo”.
Alguns desses provérbios revelam a intenção notória
do exercício de crítica a quem exerce discricionariamente o poder. Actualmente
o exercício da crítica é um direito democrático que os cidadãos exercem
individualmente nos órgãos de comunicação social e nas redes sociais, onde dão
a cara. Todavia, nem sempre foi assim. Nas autocracias a critica não podia ser
exercida individualmente, dando a cara. Se o fosse, conduzia à masmorra, ao
pelourinho e mesmo ao cadafalso. Disso se encarregava o rei, o senhor feudal ou
os senhores da terra e quejandos. Por isso a crítica era anónima. Era a “vox
populi” – voz do povo ou sejam os provérbios. Passemos em revista, algumas
dessas pérolas da nossa literatura de tradição oral:
I - A ignorância é atrevida. Quem não é por mim, é contra mim. Ter a
faca e o queijo na mão. Levar a água ao seu moinho. Albarde-se o burro à
vontade do dono. Quem não tem cabeça, é mais cabeçudo. Todos têm o seu pé de
pavão. O pavão, quanto mais levanta a cauda, mais se lhe vê o rabo.
II - Em terra de cegos quem tem um olho é rei. Quando um cego leva a
bandeira, ai de quem vai atrás. Como as aves se alimentam de muitos insectos, os velhacos subsistem de muitos tolos. Com doces e bolos se
enganam os tolos. Quem diante de ti te elogia, por detrás te critica. As
capacidades mesquinhas incham com a adulação. Cada povo tem o governo que
merece.
III - O orgulho cega os homens. Pão
a uns e pau a outros. Quem tem uma manha, nunca a perde. Cada um é filho das
suas obras. Tem o rei na barriga. Em dia de festa, barriga atesta. Não há festa
nem festança a que não vá Dona Constança.
IV - A necessidade não tem lei.
Onde a força entra, a razão se ausenta. Onde não há honra, há desonra. Os fins
não justificam os meios. Uma dignidade desonra aquele que não a honra. Nunca um
perde sem outro ganhar. A injustiça feita a um, é uma ameaça para todos. Quem
dá e torna a tirar ao inferno vai parar. As injustiças sempre se vêm a pagar. Quem
faz mal, por mal espere. Cedo ou tarde, tudo se paga cá neste mundo. O mau, de
si próprio é algoz. Quem brinca com o fogo acaba por se queimar. Quem cava um
buraco para outro, cai nele. Quem cospe para o ar, na cabeça lhe cai. Sair o
tiro pela culatra. Virar o feitiço contra o feiticeiro. Não há bem que sempre
dure, nem mal que perdure. Uma onda se vai e outra vem. Não há matreiro que não
caia. Um dia cai a casa.
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