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quarta-feira, 23 de março de 2022

Adriano Martelo e a influência de ti Rita Mestre

 

Fig. 1

Coisas que me acontecem

Colecciono “Cerâmica de Redondo” há mais de 40 anos e a publicação do livro homónimo da autoria do meu estimado amigo, Dr. Carmelo Aires (1), em Julho do ano transacto, foi o rastilho que fez deflagrar o barril de pólvora que há em mim. Sabem porquê? A obra daquele coleccionador/investigador revelou-se uma fonte preciosa de ensinamentos, que me têm aberto os olhos para ver com olhos de ver, a cerâmica daquela “Terra de oleiros e cardadores”, a qual povoa parte da minha casa. De então para cá, dei à luz uma série de textos, que rondam a vintena, nos quais me debruço sobre a cerâmica de Redondo, em termos de tipologia, morfologia, funcionalidade, tecnologia de fabrico, decoração e suas temáticas, cromatismo, História e Etnografia. De certo, que é uma ousadia fazê-lo, mas outra coisa não poderia fazer, já que sou um incorrigível contador de estórias. Estas têm sido publicadas no meu blogue “Do Tempo da Outra Senhora” e na minha página do Facebook, onde tenho amigos e seguidores, os quais têm a gentiliza de ler o que me vem à cabeça. Um deles, o Eng. Mário Tavares, contactou-me dizendo que tinha uns pratos (Fig. 1 a Fig. 6) que comprara em Redondo há uns largos anos e dos quais gostava muito. Facultou-me também as respectivas imagens, que acabaram por constituir o ingrediente indispensável para confeccionar este escrito. Bem-haja por isso.

Descrição dos pratos
Trata-se de pratos circulares, rodados, de covo pouco acentuado, de médias dimensões, de aba lisa, ligeiramente côncava. Decoração esgrafitada e pintada com base em tricromia verde-amarelo-ocre castanho, sobre fundo creme. Toda a pintura tem contornos a ocre castanho.
A decoração das abas tem por base a repetição de um motivo decorativo ao longo de uma circunferência imaginária situada sobre a aba. Há dois tipos de motivos: geométricos variados, mais ou menos complexos (predominantes) e fitomórficos (mais raros).
Se uma aba é decorada por um determinado motivo geométrico, este repete-se ao longo da extensão de toda a aba, encadeando-se nos seus congéneres e ficando a cadeia encerrada (Fig. 1 a Fig. 4 e Fig. 6).
Se uma aba é decorada por um determinado motivo fitomórfico, este repete-se ao longo da extensão de toda a aba, mas afastado dos seus congéneres (Fig. 5).
A decoração da aba é completada por dois filetes em ocre castanho, um junto ao bordo e o outro junto à caldeira.
Os temas utilizados na decoração do fundo do prato são: um ramo de flores (Fig. 1), um ramo de flores num cesto (Fig. 2), passarinhos pousados em ramos de árvores (Fig. 3 e Fig. 4), uma casa (Fig. 5) e ave a pescar peixes do rio (Fig. 6).
Na parte inferior da caldeira e junto ao filete, ostenta a marca manuscrita “Martelo” [i]. No tardoz, após a aplicação do engobe foi esgrafitada a marca “REDONDO PORTUGAL / A Martelo 25-5-86”, distribuída por duas linhas.

Comentários
Sem sombra de dúvida, que tanto a decoração das abas, como os temas do fundo, de cunho verdadeiramente “naif”, foram inspirados em ti Rita Mestre (1891-1974), mas não há risco de confusão entre a produção de um e do outro, já que a perfeição dos desenhos é maior em Ti Rita, que de resto utiliza a tricromia verde-amarelo-ocre castanho em tons mais fortes que Adriano Martelo. Para além disso, este último pinta filetes nos extremos da aba, o que não acontece com ti Rita.
Mais tarde, Adriano Martelo vem a abandonar a tricromia verde-amarelo-ocre castanho e procura outros caminhos na decoração, tanto temáticos como cromáticos. É desse período, um prato pertencente à colecção do autor (Fig. 7) e cuja decoração assenta numa quadricromia, que relativamente à tricromia precedente, apresenta um amarelo ainda mais forte que o usado por ti Rita, ao qual foi ainda acrescentada uma tonalidade de azul claro.

Ponto final
Este texto, tudo o que está à vista, bem como o que está por detrás, são uma demonstração cabal de que é possível utilizar as redes sociais de uma forma positiva, o que me apraz registar aqui.

BIBLIOGRAFIA
(1) - CARMELO AIRES, António. Cerâmica de Redondo – Um Outro Olhar. Câmara Municipal de Redondo. Redondo, 1921.
(2) - CATKERO. Adriano Martelo, o fundador da Casa Martelo. [Em linha]. Disponível em http://catekero.blogspot.com/2008/08/adriano-martelo-o-fundador-da-casa.html [Consultado em 21 de Março de 2022].


[i] Segundo o Dr. Carmelo Aires (1), Adriano Martelo (1916-2002) era em 1959, aferidor da Câmara Municipal de Redondo, altura em que arrendou a antiga oficina de José Hermínio Zorrinho, contratou como mestres oleiros, os irmãos Cabeça e, como decoradora, Ti Isabel Branco, tornando-se ele próprio decorador.
De acordo com o CATEKERO - Blog do Centro de Artes Tradicionais / Antigo Museu do Artesanato - Celeiro Comum (2) , em 1982, quando se reformou da profissão de aferidor, passou a dedicar-se exclusivamente à decoração de peças oláricas de Redondo, as quais eram adquiridas à Olaria do Poço Velho e depois de decoradas eram por si comercializadas.
Adriano Martelo foi o primeiro a marcar as peças por si decoradas, no que viria a ser seguido pelos oleiros da Vila.

Hernâni Matos

Fig. 2

Fig. 3

Fig. 4

Fig. 5

Fig. 6

Fig. 7

6 comentários:

  1. Caro professor e amigo Hernâni
    Só agora vi a sua mensagem e agradeço as amáveis referências à minha pessoa e ao meu livro sobre a Cerâmica de Redondo. Eu continuo a ser um aprendiz interessado nestes temas das (várias ) cerâmicas.
    Li com toda a atenção e tenho duas pequenas notas para as quais agradeço a sua atenção.
    --Na sua nota sobre o Adriano Martelo dá ideia que todo o seu conteúdo provém de informações de minha autoria o que se me afigura não ser exatamente assim.Assumo tudo o que está no 1º parágrafo da nota mas a partir daí será outra a fonte. Aliás nem sabia quando ele se tinha reformado nem que o fornecedor mais tardio teria sido a Olaria do Poço Velho.A não ser que a minha memória me esteja a atraiçoar!
    -- A segunda nota é meramente opinativa.Quanto a mim acho que não se trata de um caso de influência da Tia Rita mas de cópias mal executadas e de fraca qualidade e éticamente reprováveis porque aparentam visar um aproveitamento da fama ( justa e inquestionável ) de outrem

    Quanto a gostos diz o ditado ( e o meu amigo é um especialista nesta matéria ) que não se discutem e não sou eu que irei contra a sabedoria popular.A diversidade faz parte da vida e isso é uma das razões para a tornar tão saborosa.
    A prosa já vai longa mas com estas"máquinas" nem nos damos conta.
    Um abraço.
    A minha mulher tem afazeres proficionais amanhã em Estremoz. Se puder talvez vá com ela.

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    1. Caro Amigo
      Dr. Carmelo Aires:
      Aqui fica registada a sua respeitável opinião sobre a qualidade do trabalho do decorador Adriano Martelo.
      Tal como referiu, a olaria por mim indicada como local de produção de louça decorada por Adriano Martelo na fase tardia da sua actividade como decorador, não se baseia em qualquer referência do seu notável livro, mas noutra fonte, a qual por lapso não foi referida no meu texto, lacuna que, entretanto, supri.
      As minhas sinceras desculpas, acompanhadas de um grande abraço.

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  2. Grato pela iconografia.
    eo

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  3. Meu caro. Está o assunto esclarecido
    Um grande abraço e votos de boa saúde.

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  4. Obrigado, amigo.
    Um grande abraço para si, também. Votos de boa saúde, extensivos a toda a sua Família.

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