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sábado, 17 de outubro de 2020

J.R.: De Dallas para Estremoz


Peralta (2020). José Carlos Rodrigues (1970-  ).

Quem é quem
José Carlos Rodrigues (1970-  ) é um barrista que frequentou o Curso de Formação sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz, que no ano transacto teve lugar em Estremoz, no Palácio dos Marqueses de Praia e Monforte.
Não se tratou do seu primeiro contacto com o barro, visto que há mais de 20 anos pintou Bonecos para a barrista Fátima Estróia, da qual se considera discípulo. Aprendeu a vê-la modelar e em finais de Novembro de 2019, começou a modelar sob a sua orientação e nunca mais parou.

Uma encomenda
Há algum tempo atrás contactei o barrista, para lhe encomendar a figura de um Peralta para a minha colecção. Como “Tudo leva o seu tempo”, quando eu não estava à espera, recebi um telefonema dele a comunicar-me que já tinha aquela figura pronta para me entregar. Encontrámo-nos no Café e quando o Peralta ficou à vista, disse-lhe que gostava muito, que era diferente de tudo o que tinha e que iria escrever sobre ele. Agradeci-lhe, é claro, por ter correspondido à minha solicitação.
Já em casa, a minha primeira reacção escrita foi esta estrofe de quatro versos pentasilábicos de rima alternada:

“Grande chapelão
Comenta a malta,
Deste matulão
Que é Peralta.”

Depois, foi debruçar-me mais profundamente sobre o Boneco, para dele poder escrever com mais propriedade.

Descrição
Estamos em presença de uma figura antropomórfica masculina, trajando um fato e um chapéu ostentosos, contrastantes com um par de sapatos bastante discretos.
A imagem assenta numa base quadrangular com os vértices cortados em bisel, tem topo verde-seco e orla de cor Bordeaux.
No decurso da modelação, o barrista optou por conferir volumetria a alguns componentes da composição. Daí que a gola do casaco, os botões do mesmo, o lenço em torno do pescoço, o lenço que sai do bolso superior do casaco, a camisa e a fita do chapéu tivessem sido modelados em barro.
O casaco é tipo paletó, sem virados e bolsos frontais: os inferiores de chapa e o superior embutido. Atrás o casaco apresenta ao centro e na parte inferior, uma abertura com orla.
O chapéu tem copa de formato cilíndrico e aba circular virada lateralmente para cima, configurando um chapéu à cowboy (cowhat) usado pelos vaqueiros nos EUA.
A camisa tem colarinho algo levantado e punhos que saem das mangas do casaco. Junto ao pescoço um lenço cujas pontas se cruzam junto ao peito.
O fato, os botões do casaco e a orla do chapéu são de cor Bordeaux. A orla do casaco, assim como o chapéu, são cor verde-seco. A camisa é branca. Os lenços são laranja. Os sapatos são pretos. O cabelo é castanho.

Ónus simbólico
A figura é farta em mensagens que convém descobrir e destacar.
Em primeiro lugar, o SIMBOLISMO DAS CORES: - Bordeaux, cor quente  que confere um ar de requinte e  transmite a ideia de riqueza; - Verde-seco, uma variedade de verde, cor fria que, entre outras coisas está associada à vitalidade e à riqueza; - Laranja, cor quente que evoca as ideias de prazer, entusiasmo e dinamismo. O Bordeaux, um tipo de vermelho, predomina claramente no vestuário em relação ao verde seco. Por outras palavras, o barrista potencia fortemente o vermelho e deixa o verde, quase sem expressão. Será que tal desproporção é o reflexo do sentir da sua alma benfiquista e uma forte necessidade de afirmação em relação a tudo que é leonino?
Em segundo lugar, o SIMBOLISMO DO CHAPÉU, que para além da sua função protectora, é um elemento de moda carregado de valores estéticos e diferenciadores, que expressam a identidade do seu portador. O chapéu é mesmo um símbolo de distinção social. O adagiário português satiriza esse simbolismo, sentenciando: “Chapéu largo, camisa dura, de urso faz figura”.

Epílogo
O barrista interpretou a figura do Peralta com uma estética muito pessoal, recorrendo a uma modelação de grande perfeição formal, que rematou com uma decoração de elevada carga simbólica.
A figura tem um rosto bem projectado, com olhos, nariz, boca, queixo e orelhas bem definidas, o mesmo se passando com o cabelo, a que há que acrescentar maçãs do rosto de ténue tonalidade rosa e uma representação do olhar característica da escola em que o barrista se insere (Sabina Santos através de Fátima Estróia): as sobrancelhas e as pestanas são paralelas, algo afastadas das meninas dos olhos. Todos estes aspectos parecem ser marcas identitárias do barrista.
O barrista criou uma figura de Peralta, vestida de uma forma elegante e extravagante, como de resto é apanágio de todos Peraltas, com a particularidade de usar um chapéu texano. O simbolismo intrínseco da figura leva-me a encarar esta como representando um elegante, rico e dinâmico texano e penso de imediato no personagem J.R. Ewing da telenovela Dallas (1978-1991). Esta retrata a vida de uma rica família do Texas, os Ewings, donos da companhia petrolífera Ewing Oil e do rancho de gado Southfork. J.R. era um implacável magnata do petróleo, ambicioso, egocêntrico, manipulador e amoral, permanentemente envolvido em esquemas e negócios escuros, visando saquear a riqueza dos seus adversários.
Felicito vivamente José Carlos Rodrigues pelo Peralta criado. Decerto que ele me desculpará se pelo seu espírito nunca se passou o filme aqui projectado. Ele brotou espontaneamente no meu pensamento, pelo que não havia nada a fazer, senão projectá-lo aqui. Como nos diz Carlos Oliveira pela voz de Manuel Freire: 

“Nada apaga a luz que vive
num amor num pensamento
porque é livre como o vento
porque é livre”
 
José Carlos Rodrigues pintando o Peralta.

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