O sábado constitui um ponto alto na semana
estremocense. Há mercado, o que se traduz em fluxos consideráveis de
forasteiros que vêm até nós, o que tem reflexos muito positivos na economia
local. Creio ser interessante analisar aqui alguns aspectos sociológicos do
mercado das velharias.
Ainda as bancas estão a ser montadas e já se
começam a fazer negócios. Os primeiros compradores são os próprios vendedores,
que procuram peças para clientes seus. Por essa hora já por ali andam alguns
frequentadores assíduos, como é o meu caso. Procuramos coisas que o imaginário
que nos vai na alma nos incita a demandar.
No espaço do mercado das velharias coexistem três
fraternidades: 1 - FRATERNIDADE DOS
VENDEDORES - Engloba: antiquários, alfarrabistas, ourives, moedeiros,
vendedores de roupa antiga, revendedores de recheios de casa, ferro-velhos,
etc. Começam a conviver logo no mata-bicho, ainda antes de armarem as bancas.
Alguns já se encontraram noutros locais, depois de sábado passado. De qualquer modo,
começam logo ali a pôr a escrita em dia. Partem de seguida para a montagem e
arrumação das bancas, o que alguns não fazem sozinhos ou porque têm sociedade
ou trazem família. É vulgar ouvir exclamações do género: “Vamos lá ver o que é
que isto hoje vai dar!”. Cada um deles à sua maneira, é mestre na técnica de
vendas. Com ou sem regateio ou com atençõezinhas com os clientes, lá vão
fazendo negócio. Cada um deles tem o seu tipo próprio de clientes, o qual
procura fidelizar, já que lhe conhece os gostos. Aqueles que têm a melhor
mercadoria costumam dizer: “Os meus clientes só aparecem a partir das 11
horas”. A meio da manhã vão todos molhar o bico e alguns continuam conversas
interrompidas. Dali partem para dar o seu melhor até ao encerramento do mercado,
lá pela uma da tarde. Então, depois de darem contas à vida, lá vão levantando
as bancas e encaixotando a mercadoria. É uma tarefa cíclica que faz parte do
ofício que uns sempre tiveram e outros tomaram como seu, para reforçarem as
pensões de reforma. Alguns e até porque vão para longe, criaram o hábito de
almoçar juntos, o que fazem num restaurante vizinho. Não sendo uma classe, os
vendedores constituem uma fraternidade que se pode manifestar de maneiras
inesperadas, como aconteceu recentemente no funeral dum vendedor em Évora, onde
compareceram vendedores de todo o país. 2
- FRATERNIDADE DOS CLIENTES - Os compradores são dos mais diversos. Há
aqueles que compram circunstancialmente algo de que gostaram e aqueles que são
coleccionadores de objectos de determinada tipologia ou tema. Alguns são
simples ajuntadores. Todavia, há aqueles que são recolectores e procuram reunir
provas materiais ou imateriais de tempos idos, visando reconstruir essa época,
o que muitas vezes conduz à publicação de estudos sobre o assunto. Daí que os
coleccionadores constituam uma fonte de informação preciosa para os vendedores,
dos quais recebem também ensinamentos. Os clientes constituem também uma
fraternidade, pois partilham informação e dão conhecimento uns aos outros de
peças que lhe possam interessar. Por vezes também convivem à mesa do café ou
restaurante mais próximo. 3 -
FRATERNIDADE DOS MIRONES - Há diversos tipos de mirones: - Os que vão
visitar as bancas como quem visita um museu, ou não fosse o mercado de
velharias um museu generalista desarrumado; - Os que passam pelas bancas para
chamar a atenção de amigos ou familiares para determinados objectos. São
vulgares conversas do tipo ”Lembras-te José, quando a gente tosquiava ovelhas
com tesouras daquelas?” ou então “Sabes uma coisa neto? Quando eu era da tua
idade não havia computadores. A gente escrevia numa lousa como aquela, com um
lápis de pedra daqueles que ali estão. Era o que a gente tinha.”; - Aqueles que
passam pelas bancas para perguntar o preço de determinado objecto, pois lá em
casa têm um idêntico que poderão vender. Os vendedores já conhecem o estilo e
geralmente respondem: “Esse objecto não tem preço. Não está à venda!”. Os
mirones constituem igualmente uma fraternidade, caracterizada por não gastar um
cêntimo e que ao serem muitos, podem dar a falsa impressão de o mercado estar
forte, quando pode estar mesmo fraco em termos de compras e vendas.
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