Cecilia (1882).
Henrique Pousão (1859 - 1884).
Óleo sobre tela (82,3 x 57,2 cm )
Museu Nacional de Soares
dos Reis, Porto.
As palavras são
multifacetadas como as pedras preciosas. Podem ser encaradas sob vários
ângulos. Podem significar uma coisa ou outra, ou mesmo quase coisa nenhuma.
As palavras têm o seu
próprio visual. Há palavras elegantes e outras que não o são tanto. Há mesmo
palavras deselegantes.
As palavras têm a sua
própria sonoridade. Há palavras ruidosas, como as há graves ou melodiosas. Há
palavras que fazem eco e outras que esbarram contra muros de silêncio.
As palavras têm cheiro. Há
palavras que fedem a distância, tal como as há aromáticas, constituídas por
agradáveis e subtis fragrâncias.
As palavras têm sabor. Há
palavras doces, tal como as há azedas, amargas ou ácidas.
As palavras são tácteis. Há
palavras macias e mesmo aveludadas, mas também há palavras ásperas, como as há
peganhentas e mesmo viscosas.
Há palavras terrestres,
como as há aéreas, subterrâneas e aquáticas.
As palavras são caminheiras
que se deslocam entre as margens do papel.
As palavras são mariposas
que cruzam os ares, entre bocas e ouvidos.
As palavras em movimento
geram correntes, ondas e turbilhões.
As palavras geram
movimentos de apoio e de solidariedade, mas também de repulsa.
As palavras permitem saltar
obstáculos e mesmo mover montanhas.
As palavras têm a sua própria
velocidade. Há palavras lentas, tal como as há velozes.
As palavras têm o seu tempo
próprio, não devem ser ditas antes, nem depois dele.
As palavras têm uma
aceleração própria. Há palavras cadenciadas, como as há acelerantes ou
atrasadoras.
As palavras têm forma, umas
são angulosas e outras são redondas, já que não tem ponta por onde se lhes
pegue.
As palavras têm simetria ou
não. Há palavras simétricas e palavras assimétricas.
As palavras têm cor. Umas
são mais coloridas, outras mais cinzentas e mesmo negras. Há mesmo palavras
para todas as cores do espectro do arco-íris.
As palavras têm tamanho.
Umas são curtas como a polegada, outras são compridas como a légua da Póvoa.
As palavras têm volume.
Umas são como senhoras anafadas, outras como modelos anorécticos.
As palavras têm peso. Umas
são pesos leves e outras, pesos pesados, tal como no boxe.
As palavras não têm todas
igual densidade. Há palavras maciças, como há palavras balofas e mesmo ocas. As
mais compactas submergem no texto, enquanto que as de compactidade reduzida,
flutuam à flor do texto.
As palavras têm força. Há
palavras fortes e palavras fracas.
As palavras têm potência.
Umas são potentes, outras nem tanto e outras são mesmo impotentes.
A eficácia das palavras é
variável. Umas são eficazes, outras não.
As palavras não têm todas a
mesma duração. Há palavras imortais, como as há duradouras e breves. Há mesmo
palavras que já ultrapassaram o prazo de validade.
As palavras não têm todas a
mesma temperatura. Há palavras escaldantes, mas também as há cálidas, mornas,
frias e gélidas.
Há palavras sólidas, como
as há líquidas e até voláteis.
As palavras têm estrutura.
Podem ser cristalinas ou amorfas.
As palavras são materiais
com que moldamos, forjamos ou carpintejamos textos.
As palavras têm transparência
ou não, já que também há palavras opacas.
As palavras têm brilho.
Podem ser brilhantes ou baças.
É necessário saber escolher
as palavras.
As palavras permitem gerar
códigos e cifras.
As palavras permitem-nos
comunicar com os outros. Através delas podemos transmitir emoções e
sentimentos, bem como descrever situações, eventos e fenómenos.
As palavras não têm todas a
mesma dificuldade. Há palavras mais fáceis e palavras mais difíceis.
Há palavras que são
incontornáveis.
Há palavras sondas, com as
quais formulamos perguntas, para saber o que os outros pensam.
As palavras pertencem a uma
de dez classes gramaticais, reconhecidas pela maioria dos gramáticos:
substantivo, adjectivo, advérbio, verbo, conjunção, interjeição, preposição,
artigo, numeral e pronome.
As palavras têm género.
Podem ser masculinas ou femininas. Não há palavras gays, nem lésbicas.
Há palavras que designam
agrupamentos, enquanto que outras se referem apenas a um componente único.
A ortografia das palavras
têm variado ao longo das épocas e as mudanças nunca são pacíficas, como
acontece no presente, com o país partido em dois: os detractores e os
defensores do novo acordo ortográfico.
As palavras podem ser
características de uma época, ainda que haja palavras intemporais.
Em certos locais e em
certas épocas, algumas palavras foram consideradas impróprias, constituindo
tabu e sendo mesmo proibidas.
Há palavras características
de cada profissão, mas há igualmente as que lhe são transversais.
Há palavras que são mais
usadas num dado período da vida que noutros.
Há palavras características
de cada regime. Uma são monárquicas, outras são republicanas.
A religiosidade das
palavras é variável. Há palavras laicas e há palavras religiosas que alguns
podem considerar mesmo santas ou sagradas. E há ainda a palavra de Deus, que
repetidamente é invocada no culto.
As palavras têm mãos que ao
entrelaçarem-se com outras, conferem consistência ao texto.
As palavras têm pés para
encontrar e percorrer o seu próprio caminho.
As palavras são peças que
fazem funcionar o texto.
As palavras são bicicletas
que pedalamos e que nos permitem fazer caminho, à procura de um texto.
As palavras fazem-nos suar,
porque nem sempre é fácil parir palavras que traduzam exactamente o que nos vai
na alma.
As palavras são arados. Com
eles lavramos a terra-mãe do pensamento.
As palavras são as
mensageiras do pensamento.
As palavras são arautos,
tanto de boas como de más notícias.
As palavras são escadas que
ligam os patamares do texto.
As palavras servem de
ponte, umas às outras.
As palavras são cerejas,
que puxam umas pelas outras.
As palavras acompanham-nos
continuamente, mesmo em sonhos.
Há sempre o risco de
esquecer algumas palavras, pelo que nos podem faltar palavras.
É permitido revisitar
palavras nossas e mesmo inventar palavras. O que não se deve fazer, é
reproduzir palavras dos outros, como se fossem nossas. Tão pouco se devem
deturpar palavras.
Por vezes há que poupar
palavras, por uma questão de tempo ou de espaço. Não se deve é balbuciar
palavras, porque é indício de insegurança.
É através de palavras que
defendemos pontos de vista e damos ênfase àquilo em que acreditamos e àquilo de
que gostamos. Também é através das palavras, que damos conta daquilo que
rejeitamos e não nos agrada.
As palavras são armas com
as quais nos defendemos de agressões verbais ou não. Mas são também armas de
ataque com as quais praticamos também agressões verbais.
A utilização das palavras,
nem sempre é ética, já que através delas é possível dissimular, confundir e
mentir. O mesmo se passa em relação à possibilidade de através das palavras, se
atemorizar, aterrorizar, intimidar e dominar.
Há palavras que encerram em
si, o purismo da língua. Coexistem com outras que são regionalismos ou integram
a gíria popular e o calão. Há ainda palavras que constituem neologismos,
estrangeirismos ou internetês.
As palavras são pilares que
sustentam a língua, como factor de identidade nacional.
As palavras são porto de
abrigo. Nelas nos refugiamos, na fuga de tempestades e na procura de bonanças.
As palavras constituem uma
tábua de salvação. A elas nos agarramos, quando tudo parece estar perdido.
As palavras sobrevivem à
morte de quem as pronuncia. Se não todas, pelo menos algumas, através do seu
registo, tanto escrito como falado.
As palavras têm alquimia.
Com elas conseguimos transmutar o nosso estado de espírito e o estado de
espírito de quem nos ouve.
A nobreza das palavras é
desigual. Algumas têm nobreza como um touro Miura. E para aqui não é chamada a
nobreza de sangue azul, que pouco mais é que coisa nenhuma. A nobreza não é
monárquica. É uma atitude republicana.
As palavras têm carácter e
têm que ser usadas com carácter. Uma das maiores tragédias sociais, é a falta
de carácter de alguns que as usam, servindo-se de cargos para os quais
erradamente foram designados.
As palavras exigem plena
fidelidade à sua essência e à mensagem que lhes está subjacente. Traí-las é
trair o texto, o que pode configurar uma atitude de rendição.
As palavras têm que ser
frontais. Caso contrário, quem as profere, não tem as partes no sítio.
Há palavras para o tudo e
palavras para o nada.
Há palavras para acabar com
as palavras:
– PIM! O TEXTO CHEGOU AO
FIM!
Hernâni Matos
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