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quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Poesia Portuguesa - 040

 Desenho de Azinhal Abelho (1911-1979)

Comoção Rural
Azinhal Abelho (1911-1979)

Já não há quem queira dar
uma filha a um ganhão…
Senhor Pai, senhora mãe,
que grande desolação.

Já bati a sete portas
por mais de mil e uma vez;
Vá-se embora seu ganhão,
disseram com altivez…
A minha filha é prendada,
não é para qualquer tunante,
sabe ler, sabe escrever
e todo o seu consoante.
O que é que tem um ganhão?
Um azinho dum pau torto;
só vive das tristes ervas,
não tem onde cair morto.

Os olhos já não são olhos,
estão estão desfeitos em chorar,
porque a um pobre ganhão
já não há quem queira dar
nem mulher para dormir
nem a filha para mulher;
nem quem o ajude a vestir,

nem quem o ajude a morrer.
Ramos secos, estéreis flores,
pedras de arestas cortantes
perdidas num vendaval,
perdidas numa aflição…
Eu já não posso gritar;
Senhor Pai, senhora Mãe,
que grande desolação
nestes matagais com longes,
aonde os anjos se afundam
em humus e punição!

Azinhal Abelho (1911-1979)

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