Preparação da consoada. Ilustração de Raquel Roque
Gameiro Ottolini (1889-1970),
para bilhete-postal emitido
pelos CTT.
Nos anos 50-60 do século passado, eu e os meus pais
passávamos normalmente a noite da missadura em casa da minha tia Estrela, no nº
17, do Largo do Espírito Santo, em Estremoz. Fazíamos
o lume de chão para nos aquecermos e para grelharmos a chouriça, o lombinho e o
toucinho das sete carnes. O pingo que escorria das missaduras era
cuidadosamente aparado com nacos de pão. Até dava para nos lambermos a comer
pão assim.
Por cima das nossas cabeças, o fumeiro – espécie de
enfermaria para os enchidos – onde luzidias e gulosas chouriças, morcelas e
farinheiras ficavam a curar, aguardando a sua vez da gente se poder repimpar
com elas.
Ti Manel Alturas, o meu avô materno, tocava ronca e
com a sua voz esganiçada, cantava:
"Olha o
Deus Menino
Nas palhas
deitado,
A comer
toicinho
Todo
besuntado!"
A mesa estava posta para o ritual da comezaina da
noite. Pão caseiro, fruta da época, arroz doce e bolos que as mulheres
atarefadas preparavam durante todo o dia. Ele era a boleima, o bolo podre, o
bolo de laranja, as filhoses, as azevias as argolinhas que os mais crescidos
empurravam com vinho doce ou com vinho abafado, depois de termos despachado a
chouriça, o toucinho e os lombinhos. Tudo acompanhado com brócolos ou couve-flor
e regado com vinho da adega do Zé da Glória. E sabem o que vos digo? Não me
lembro de alguma vez ter ouvido falar em colesterol.
Na lareira, crepitava o madeiro de Natal. Eu
passava a noite a brincar ao pé do lume, a ouvir falar e cantar os mais velhos.
Só saía dali cerca da meia noite quando me mandavam para a rua, ver o Pai Natal
entrar pela chaminé. Durante muitos anos não consegui perceber a razão exacta
pela qual, o bom do Pai Natal entrava precisamente na altura em que eu saía.
Depois de ter percebido isto, os presentes minguaram a olhos vistos. Para vos
falar disto é por que sei qual a diferença exacta que há entre os dois natais.
Publicado inicialmente a 5 de Janeiro de 2012
Texto adaptado do texto anterior "Memórias do Espírito Santo"
Carta ao Menino Jesus. Ilustração de Laura Costa
(activa 1920-1950),
para bilhete-postal emitido
pelos CTT em 1942.
Cântico do Natal. Ilustração de Laura Costa
(activa 1920-1950),
para bilhete-postal emitido
pelos CTT em 1942.
As Prendas do Menino Jesus. Ilustração de Raquel Roque
Gameiro Ottolini (1889-1970),
para bilhete-postal emitido
pelos CTT em 1943.
Obrigado...Bom Natal e Exelente 2020
ResponderEliminarBom Natal
ResponderEliminarO Natal da minha infância começava tarde
A família trabalhava até tarde distribuindo encomendas para as consoadas de Lisboetas afortunados
Mas a família se reunia
Havia bifinhos pequenos em pãezinhos feitos em casa doces tradicionais e chocolate quente
A certa altura toda a gente se silenciava
A missa era transmitida na rádio ao fim da qual púnhamos o sapatinho na chaminé
Presentes dia 25 de Manhã
Muito obrigado. Igualmente para si.
EliminarAgradeço a partilha de memórias do Natal da sua infância.
Os meus cumprimentos.
Gostei muito de ler e tive alguns postais com o mesmo traço...
ResponderEliminarRecordar foi bom.
Obrigada
Congratulo-me por o meu texto e as imagens terem sido do seu agrado.
EliminarOs meus cumprimentos.