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terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

“Perpétua Cegueira do Amor” de Maria Antónia Viana

 



É sobejamente conhecida a minha paixão pelos Bonecos de Estremoz, a qual sendo dominante, não é exclusiva, já que há outros bonecos capazes de fazer tanger as tensas cordas de violino da minha alma. Foi o que se passou recentemente com a figura “Perpétua Cegueira do Amor” da barrista estremocense Maria Antónia Viana. Daí que partilhe com os leitores, tudo aquilo que a imagem me disse e sugeriu.
Trata-se de uma figura alegórica com uma modelação simples, mas harmoniosa e expressiva, cujo fruto é uma figura esbelta, servida por um cromatismo de dominante quente, baseada no vermelho e no amarelo, simbolicamente associados à paixão carnal e à alegria, respectivamente.
O vermelho povoa lábios carnudos, prontos a beijar, bem como dedos que coroam mãos carentes de afagos.
O coração, omnipresente, transvaza as mãos e conquista o resto do corpo. As asas e o chapéu transmutaram-se em corações, eles próprios trespassados por setas, que na extremidade visível, terminam por corações de menores dimensões.
Os olhos estão tapados por um chapéu de plumas azuis com olhos laranja (que sugerem penas de pavão), o qual parece evocar os chapéus de plumas das sufragistas dos princípios de novecentos, como Ana de Castro Osório, Adelaide Cabete ou Carolina Beatriz Ângelo, pioneiras da luta pela igualdade de género em Portugal. O azul transmite a ideia de espiritualidade pautada por alegria e vitalidade, sugeridas pelos olhos cor de laranja. A utilização do azul e do laranja não terão sido ocasionais, já que são cores tradicionalmente usadas na decoração de Bonecos de Estremoz, muito em particular na figura do “Amor é cego”. Também a base na qual a figura assenta, parece querer dizer que a figura, não sendo Boneco de Estremoz, se inspirou nos Bonecos de Estremoz. Para tal, a barrista fez assentar a figura numa base de cor verde bandeira, orlada a zarcão e sarapintada de branco, amarelo e zarcão.
O coração sustentado pelas mãos e que ainda não foi atingido por nenhuma seta, apresenta uma decoração floral, que sugere a decoração das mobílias alentejanas, modo encontrado de referenciar a figura ao Alentejo.
A decoração da parte superior e inferior do vestido, integra corações que são pétalas vermelhas de flores, cujos caule verdes simbolizam no seu todo, a esperança num futuro que há de vir. Os folhos dos punhos e da gola do vestido, igualmente em verde, parecem configurar zonas de escape da quentura que do corpo dimana. Funciona como autodefesa de um corpo que não quer sofrer autocombustão.
Tendo em conta a designação ”Perpétua cegueira do amor” atribuída pela barrista á sua criação, sou levado a pensar que aquela denominação visa sugerir que há que tomar precauções. Se a ideia não for essa, que me perdoe a barrista, a quem agradeço e felicito vivamente pela oportunidade e felicidade deste seu trabalho. Bem haja.

Publicado inicialmente a 14 de Fevereiro de 2012 

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