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domingo, 26 de dezembro de 2021

Cruz templária em alguidar de Redondo

 

Alguidar em barro vermelho vidrado, de Redondo.


Ao meu caro amigo Dr. Carmelo Aires,

que reúne em si duas qualidades ímpares:
a de ser o maior coleccionador de cerâmica de Redondo
e simultaneamente ser o maior especialista do tema:


Prólogo
Como é sabido, o alguidar é um recipiente de barro, madeira, metal ou plástico, cuja boca tem muito maior diâmetro que o fundo. Tem múltiplas funcionalidades: conter líquidos ou sólidos e servir para lavar, amassar, etc. Têm particular interesse para mim, os alguidares em barro vidrado de Redondo, que estiveram na origem do presente texto.
A sabedoria popular
Devido às suas múltiplas funcionalidades, a sabedoria popular reconhece a importância do alguidar, o que está consignado no provérbio recolhido pelo padre António Delicado (3): "A arma e o alguidar não se hão-de emprestar". Dele é conhecida a variante "A mulher e o alguidar não se hão-de emprestar" e esta outra, que sintetiza as duas formulações anteriores: "A arma, a mulher e o alguidar, não são coisas de emprestar".
O alguidar figura ainda em provérbios populares portugueses, tais como: “Por um dedal de vento não se perca um alguidar de tripas” e “Perda de marido, perda de alguidar; um quebrado, outro no seu lugar”.
Uma decoração singular
O alguidar que é objecto do presente escrito, tem uma decoração predominantemente constituída por escorridos cremes, mas apresenta também algumas pinceladas a verde.
Nos escorridos cremes é possível considerar duas partes distintas:
1 - A primeira é constituída pelos quatro braços de uma cruz que imaginariamente se intersectam no centro do fundo do alguidar. A cruz tem as pontas convexas mais amplas no seu perímetro do que no centro, configurando "patas", daí ser uma cruz pátea, mais precisamente uma cruz pátea arredondada;
2 - A segunda é constituída por arcos duplos, dispostos entre os braços da cruz.
A cruz pátea aqui referida, quando em vermelho, é a cruz da Ordem dos Templários em Portugal, cujo simbolismo traduz os votos de pobreza, castidade, devoção e obediência, a que estavam obrigados os membros da Ordem.
As pinceladas a verde povoam as pontas convexas da cruz, formando como que tufos.
Epílogo
No meu dia a dia, na interacção com o mundo circundante, falo com os outros, falo comigo próprio, escuto o que os outros me dizem e o que digo a mim próprio. Todavia, ouço também as estórias que as coisas têm para me contar. Esta é a estória que me foi contada por um alguidar que tem muito que contar, dada a sua idade, as múltiplas funcionalidades, o simbolismo da sua decoração e as coisas que ouviu da boca do povo.

BIBLIOGRAFIA
(1) - CHEVALIER; Jean; Alain Gheerbrant, Alain. Dicionário dos Símbolos. Editorial Teorema. Lisboa, 1994.
(2) - CIRLOT, Juan Eduard. Dicionário de Símbolos. Publicações Don Quixote. Lisboa, 2000.
(3) - DELICADO, António. Adagios portuguezes reduzidos a lugares communs / pello lecenciado Antonio Delicado, Prior da Parrochial Igreja de Nossa Senhora da charidade, termo da cidade de Euora. Officina de Domingos Lopes Rosa. Lisboa, 1651.
(4) - MACHADO, José Pedro. O Grande Livro dos Provérbios. Editorial Notícias. Lisboa, 1996.
(5) - MARQUES DA COSTA, José Ricardo. O Livro dos Provérbios Portugueses. Editorial Presença. Lisboa, 1999.


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