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segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Figuras da faina agro-pastoril e inovação


Carreteiro transportando sacos de trigo. Irmãs Flores.

Figuras da faina agro-pastoril da tradição
A recuperação da produção de Bonecos de Estremoz, extinta desde 1921, foi concretizada em 1935 e nos anos seguintes, graças à acção do escultor José Maria de Sá Lemos (1892-1971), que para o efeito recorreu primeiro à velha barrista Ana das Peles (1869-1945) e depois ao mestre oleiro Mariano da Conceição (1903-1959).
Uma tal recuperação incluiu as figuras que retratam as actividades agro-pastoris do Alentejo do passado e que podem ser agrupadas nos seguintes grupos:
PASTORÍCIA – Inclui: Pastor de tarro e manta, Pastor com um borrego ao ombro, Pastor com dois borregos, Pastor das migas, Pastor a comer, Maioral e ajuda a comer, Pastor do harmónio, Mulher dos carneiros, Mulher dos perus, Mulher das galinhas, Matança do porco e Mulher dos enchidos.
CICLO DO PÃO – Inclui: Ceifeira.
CICLO DO AZEITE – Inclui: Mulher da azeitona.
Todos estas figuras são “Bonecos da tradição”, possuem todas elas os seus próprios atributos e ainda são modeladas na actualidade por barristas seguidores da estética de Sá Lemos.

Figuras da faina agro-pastoril e inovação
Para além das figuras atrás referidas, existe um número considerável de outras, retratando igualmente as actividades agro-pastoris do Alentejo do passado, as quais foram criadas por iniciativa dos barristas ou por sugestão de coleccionadores ou de estudiosos da barrística popular estremocense.
Fruto de um levantamento por mim efectuado, decerto correndo o risco de omissões, dada a complexidade do levantamento, identifiquei 81 dessas figuras, as quais por oposição às anteriores, são designadas por “Bonecos da inovação”. Tais figuras distribuem-se por 8 grandes áreas da actividade agro-pastoril, a saber:
- COLECTA: Caçador, Pescador.
- PASTORÍCIA: Pastor sentado a fazer uma colher, Pastor junto à fogueira, Pastor de tarro e alforge, a comer sentado, Pastor de barrete com alforge ao ombro, Pastor com alforge e cornas, Pastor de capote com cabeça descoberta, Pastor de capote com cão, Pastor de capote com tarro e manta, Pastor com tarro, Pastor de colete com tarro e manta sentado, Pastor deitado debaixo da árvore a tocar gaita de beiços, Pastor sentado debaixo da árvore com borregos, Pastor a dormir a sesta debaixo da árvore com borregos, Pastor a fazer as migas de cabeça descoberta, Pastor de tarro e manta com corna e barril a comer, Pastor sentado a limpar o suor, Pastor na choça, Pastor a tirar água do poço, Ordenha de ovelhas, Tosquia de ovelhas, Mantieiro, Roupeiro a caminho da rouparia, Homem a ordenhar vaca, Mulher a ordenhar vaca, Roupeiro na rouparia, Porqueiro, Matança do porco e mulheres dos enchidos, Mulher dos enchidos junto à chaminé, Vendedora de criação a caminho do Mercado.
- CICLO DO PÃO: Lavrador abastado, Ganhão a lavrar, Semeador, Mondadeira, Mondadeira a mondar, Mondadeira a comer, Mondadeira sentada a descansar, Ceifeiro, Ceifeiro com alforge e canudos, ceifeira com canudos, Ceifeira sentada, Aguadeira da ceifa, Coqueira, Carreteiro transportando molhos de trigo, Debulha com trilho na eira, Carreteiro transportando sacos de trigo, Moleiro junto ao moinho, Moleiro a entregar sacos de farinha, Amassadeira, Forneira.
- CICLO DO AZEITE: Varejador, No rabisco, Juntando a azeitona, Rancho do acabamento, Lagareiro.
- CICLO DO VINHO: Vindimadora a vindimar, Vindimadora, Vindimador a carregar cesto com uvas, Transporte de uvas no tino, Pisadores, Taberneiro,
- CICLO DA CORTIÇA: Tirador de cortiça, Empilhador, Carreiro transportando cortiça.
- NA HORTA: Hortelão a cavar, Carroça com hortelão a caminho do mercado.
- NO MONTE: Namoro junto ao poço, Mulher ao pé do poço, Mulher a transportar água à cabeça, Mulher ao poial dos cântaros, Aguadeiro rural, Mulher com taleigo e cesto de ovos, Fiandeira com cesto de ovos na cabeça, Cozinha dos ganhões, Família a comer, Serão rural à lareira, Mulher a bordar, Mulher a fazer meia, Bailarico rural.

O contributo da Irmãs Flores
A esmagadora maioria destes “Bonecos da inovação” (54 num total de 81) foram criados pelas barristas Irmãs Flores (1957,1958 - ), criação à qual não sou estranho e convém explicar porquê.
Colecciono Bonecosde Estremoz há mais de 40 anos, pelo que a minha insaciável curiosidade intelectual me levou à condição de investigador da Barrística Popular Estremocense. Trata-se de uma temática multidimensional, que me interessa nos seus múltiplos aspectos. Um deles é o registo etnográfico contido nas figuras que representam os personagens das fainas agro-pastoris do Alentejo de finais do séc. XIX – meados do séc. XX.
Em 2009 publiquei o livro “Bonecos da Gastronomia”, ilustrado com 16 imagens de Bonecos de Estremoz da temática homónima, por mim encomendados às Irmãs Flores, dos quais 11 eram “Bonecos da tradição” e 5 eram “Bonecos da inovação”. O livro foi reeditado em 2010, reproduzindo então 36 figuras da mesma temática, todas elas encomendadas às Irmãs Flores, das quais 16 eram “Bonecos da tradição” e 20 eram “Bonecos da inovação”.
Em 2011 lancei às Irmãs Flores o desafio de criarem Bonecos que integrassem uma colecção que designei por “Alentejo do Passado”, que registasse com rigor e fidelidade o que eram as fainas agro-pastoris do Alentejo de finais do séc. XIX – meados do séc. XX, estruturada em 8 grandes áreas: Colecta, Pastorícia, Ciclo do pão, Ciclo do azeite, Ciclo do vinho, Ciclo da cortiça, Na horta, Na cidade. Esta colecção absorveu a colecção “Bonecos da Gastronomia” e com vista à sua concretização, foram criados 34 novos “Bonecos da inovação”. A colecção “Alentejo do Passado” integrou assim 54 “Bonecos da inovação”, todos eles criados pelas Irmãs Flores, muitas vezes recorrendo ao meu arquivo fotográfico e documental, o que permitiu conferir rigor à contextualização de cada figura.
A criação dos “Bonecos da inovação” de que venho falando, veio enriquecer (e de que maneira!), a barrística popular estremocense. Nalguns casos ocorreu mesmo uma mudança de paradigma, com a nossa barrística a atingir a sua mais alta expressão, na confecção de figuras mais complexas e de execução mais morosa. Cito como exemplo, figuras como: Ganhão a lavrar, Lagareiro, Carreteiro transportando molhos de trigo, Debulha com trilho na eira, Carreteiro transportando sacos de trigo, Moleiro no moinho, Transporte de uvas no tino e Carreteiro transportando cortiça. Na altura, tive a oportunidade de escrever: “As Irmãs Flores estão de parabéns, pois sem se afastarem um milímetro sequer dos cânones tradicionais da barrística popular estremocense, têm sabido inovar, criando novos públicos com apetência por aquilo que é diferente dentro do tradicional. E elas estão no caminho certo, pois se a sua mestria é pautada, por um lado, pela mais estrita fidelidade aos materiais, à tecnologia e às cores, não deixam todavia de manifestar inquietude que se expressa na criação de novos modelos de Bonecos de Estremoz, que têm a ver com a nossa identidade cultural, local e regional.”

Outros contributos
A seguir às Irmãs Flores, o barrista que mais inovou no número de figuras do âmbito agro-pastoril foi José Moreira (1926-1981) com um modo de representação igualmente popular como as Irmãs Flores, ainda que com um estilo bastante diferente. Segue-se o barrista Rui Barradas (1953- ) com um modo de representação mais erudito, seguido de Jorge da Conceição (1963- ), expoente máximo da representação erudita. 

Balanço Final
À semelhança do que se passou com as Imagens Devocionais e com os Presépios, creio ter ficado comprovado de uma forma clara, o papel desempenhado pela inovação como agente de enriquecimento e valorização do domínio das figuras da faina agro-pastoril.

Hernâni Matos 

Publicado inicialmente em 26 de Setembro de 2020


Namoro junto ao poço. Afonso Ginja.

Serão rural. Afonso Ginja.

Pastor de barrete com alforge ao ombro. Aclénia Pereira.

Pastor deitado debaixo da árvore a  tocar gaita de beiços. Aclénia Pereira.

Pastor sentado a limpar o suor. Aclénia Pereira.

Mulher a ordenhar vaca. Aclénia Pereira.

Ceifeiro. Duarte Catela.

Caçador. Irmãs Flores.

Pescador. Irmãs Flores.

Mantieiro. Irmãs Flores.

Tosquia de ovelhas. Irmãs Flores.

Roupeiro. Irmãs Flores.

Mondadeira a mondar. Irmãs Flores.

Mondadeira a comer. Irmãs Flores.

Ceifeiro a ceifar. Irmãs Flores.

Carreteiro transportando sacos de trigo. Irmãs Flores.

Moleiro junto ao moinho. Irmãs Flores.

Moleiro a entregar sacos de farinha. Irmãs Flores.

Amassadeira. Irmãs Flores.

Forneira. Irmãs Flores.

Família a comer. Irmãs Flores.

Vindimadeira. Irmãs Flores.

Transporte de uvas no tino. Irmãs Flores.

Pisadores. Irmãs Flores.

Taberneiro. Irmãs Flores.

Carreteiro transportando cortiça. Irmãs Flores.

Pastor de tarro e manta com capote. Isabel Pires.

Pastor de capote com cão. Isabel Pires.

Lavrador abastado. Jorge da Conceição.

Pastor com tarro. Jorge da Conceição.

Pastor com alforge e cornas. Jorge da Conceição.

Mondadeira. Jorge da Conceição.

Ceifeiro e ceifeira com canudos. Jorge da Conceição.

Aguadeiro rural. Jorge da Conceição.

Mulher a transportar água à cabeça. Jorge da Conceição.

Pastor a tirar água do poço. José Moreira.

Pastor sentado debaixo da árvore com borregos. José Moreira.

Pastor a dormir a sesta debaixo da árvore com borregos. José Moreira.

Fiandeira com cesto de ovos na cabeça. José Moreira.

Mulher dos enchidos junto à chaminé. José Moreira.

Varejador. José Moreira.

Tirador de cortiça. José Moreira.

Camponesa de taleigo e cesto de ovos. Liberdade da Conceição.

Coqueira. Quirina Marmelo.

Cozinha dos ganhões. Quirina Marmelo.

Pastor de capote, de cabeça descoberta. Rui Barradas.

Pastor de colete com tarro e manta, sentado. Rui Barradas.

Pastor a fazer as migas, de cabeça descoberta. Rui Barradas.

Pastor de tarro e manta, com corna e barril, a comer. Rui Barradas.


Pastor junto à fogueira. Rui Barradas.

Mondadeira sentada. Rui Barradas.


Ceifeira sentada. Rui Barradas.

Mulher a fazer meia. Rui Barradas.

Mulher a bordar. Rui Barradas.

Matança do porco e mulheres dos enchidos. Ricardo Fonseca e Vasco Fonseca.

Porqueiro. Sabina da Conceição.

Semeador. Sabina da Conceição.

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