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sexta-feira, 20 de abril de 2018

Porta de Évora: Até quando?


1 - Porta de Évora vista do exterior (Finais do séc. XIX). Nesta época já tinha sido
suprimida a ponte levadiça que lhe dava acesso. Fotografia de autor desconhecido,
posterior a C. J. Walowski (1891).


Sob a epígrafe “PORTAS DE ÉVORA EM RECUPERAÇÃO”, uma newsletter do Município de Estremoz, datada de 11 de Agosto de 2017, informava que o sistema elevatório e as correntes de ferro suspensoras da ponte levadiça tinham sofrido actos de vandalismo, que levaram o Município a proceder imediatamente à sua retirada para recuperação, a qual prometia ser breve. Decorridos que são oito meses, ainda não foi reposto o equipamento vandalizado, o que causa estranheza.
História da Porta
No decurso da Guerra da Restauração houve necessidade de defender o reino da ofensiva espanhola. Foi o que aconteceu em Estremoz que ganhou importância no contexto militar nacional, uma vez que funcionava como 2ª linha de defesa do território, sobretudo em termos logísticos, já que armazenava armas e mantimentos e aquartelava tropas. Foi assim que a Praça de Estremoz foi ampliada e fortemente protegida por um sistema defensivo abaluartado, que abraça o centro histórico num perímetro com mais de cinco quilómetros, cuja maior parte ainda hoje subsiste. As obras decorreram entre 1642 e 1671 e as portas monumentais só foram concluídas entre 1676 e 1680. 
A Porta de Évora, virada a Sul, recebeu a sua designação por através da estrada de São Lázaro conduzir à estrada que por Évora Monte segue em direcção a Évora. Em mármore da região e inacabada foi dedicada a Santiago e no seu nicho deveria figurar a escultura do patrono, o que nunca veio a acontecer. É a entrada exterior para o ancestral Bairro de Santiago e a ela se acedia através de uma ponte levadiça, cujo sistema elevatório e correntes de ferro suspensoras, já foram reconstituídos posteriormente. A Porta terá sido também munida de portas em madeira, que foram abatidas à existência quando deixaram de ter serventia. 
Memórias da Porta
A Porta constitui a moldura em pedra duma paisagem rural diversificada que se estende até aos confins da Serra de Ossa. Tem também um espectro largo de memórias que vão desde a Guerra da Restauração até aos dias de hoje. São memórias cuja sequência temporal constitui um autêntico documentário de estórias de vidas que aqui são contadas, para além daquelas que ainda ficam por contar. São também a memória do traço identitário do engenheiro militar que as gizou, bem como a memória sonora das pancadas malhadas pela maceta no escopro dos pedreiros de seiscentos para assim aparelharem os calhaus da região.
Pela Porta transitaram cavaleiros, infantes e artilheiros que guarneceram a praça-forte no decurso da Guerra da Restauração e que daqui partiram para travar batalhas como a Batalha das Linhas de Elvas (1659), a Batalha do Ameixial (1663) e a de Montes Claros (1665).
Por ali passaram carradas de pão destinadas ao exército da província do Alentejo fabricado na Padaria Militar que funcionou no edifício que desde 1740 serviu como Assento Real e Armazém de Guerra. Em tempo de guerra chegaram a ser ali produzidos, diariamente, 40.000 pães.
Por ali saíram desde sempre, homens e mulheres do Povo que iam vender a sua força de trabalho nos campos vizinhos, bem como aqueles que por necessidade de subsistência, dali partiam para a recolha de espargos, cardinhos, alabaças e iam ao rabisco no tempo da azeitona.
Por lá caminharam oleiros como Mestre Cassiano, em demanda do barro com que torneavam o vasilhame que vendido no mercado, constituía o seu ganha-pão diário.
Por ali passava o João Caixão, homem simples, vagamente parecido com o Cantiflas, que recolhia desperdícios de comida para alimentar os porcos que com ele viviam nas ruínas da Ermida de São Lázaro.
À saída da Porta
À saída da Porta de Évora pode-se virar à esquerda ou à direita. O caminho do lado esquerdo conduz à chamada Aldeia das Ferrarias, que em 1758 tinha 20 fogos, tendo o topónimo origem no facto de ali estarem sediados os ferreiros que tinham a seu cargo a fundição da artilharia utilizada pelos militares. Indo pelo lado direito entra-se na chamada estrada de São Lázaro, que à esquerda revela as ruínas da Ermida de São Lázaro, associada a uma leprosaria atestada documentalmente desde os finais do século XIV.
A modificação da paisagem rural
A estrada de São Lázaro era bordejada por olivais e trigais, que na época das colheitas davam para arregalar a vista. Actualmente, os olivais e os trigais são memórias de outros tempos. Agora aquilo é vinhedo de João Portugal Ramos Vinhos S.A., eufemisticamente designados por “Vila Santa”. Hoje já não dá para na Quinta-feira da Ascensão ir ali colher a espiga, a não ser para recolher uma ou outra papoila tresmalhada.
Onde é que está o encanto?
Pela estrada de São Lázaro transitam turistas de posses, em direcção à Pousada gerida pelo Grupo Pestana, onde são atendidos principescamente. Logo à entrada da Porta são confrontados com a supressão do sistema elevatório e as correntes de ferro suspensoras da ponte levadiça, que muito valorizavam aquela Porta. Deparam ainda com o aspecto desagradável das paredes interiores da Porta, repletas de caruncho.
Mais tarde acabam por tomar conhecimento da realidade social que é o Bairro de Santiago, a heróica “Ilha brava”, que há muito devia ter sido objecto de reabilitação urbana por parte do Município.
Decerto que a memória fotográfica que consigo irão transportar, não será um cartaz promocional que faça outros acreditar que “Estremoz tem mais encanto!”, como proclama o slogan do marketing municipal.

Cronista do E, defensor do património e tudo.
(Texto publicado no jornal E nº 198, de 19-04-2018)


2 - Porta de Évora vista do exterior (Anos 40 do séc. XX). Ainda não tinha sido
reconstituída  a ponte levadiça, provida de sistema elevatório e correntes de ferro
suspensoras, o que terá ocorrido no período 1967-1970 em que decorreram as
obras de adaptação do Castelo de Estremoz a Pousada da Rainha Santa Isabel.
Fotografia de Rogério Carvalho (1915-1988).

 3 - Porta de Évora vista do exterior (2016). É visível a ponte levadiça suspensa por
correntes. Fotografia de Pedro Perdigão.

4 - Porta de Évora vista do seu interior (2015). Visível a existência das correntes e
do sistema elevatório da ponte levadiça. As paredes caiadas de branco não
apresentam vestígios de caruncho. Fotografia de Pedro Perdigão.

 5 - Porta de Évora vista do seu interior (2018). Visível a supressão das correntes e
do sistema elevatório da ponte levadiça. Observável ainda nas paredes o caruncho
que as reveste, fruto de infiltrações aquosas que a incúria dos responsáveis não
combateu. Até quando? Fotografia de Hugo Silva.

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