Páginas

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Auto do Arraial de Santo António


Santo António. Imagem seiscentista em lenho dourado,
do altar homónimo do Convento de São Francisco em
Estremoz,  situado no lado esquerdo da Capela Maior
e referenciada nas Memórias Paroquiais de 1758.

A acção decorre há duzentos anos atrás e os personagens são bem conhecidas.
Foi do agrado geral, o arraial de Santo António, que na respectiva noite animou a rua da Paróquia e a Praça Luís de Gamões, frente à Casa das Leis. A iniciativa coube à Comissão Fabriqueira, visando obter fundos para as obras sociais da Paróquia.
No arraial chamaram a atenção algumas mesas, as quais passamos a referir:
- MESA DA PARÓQUIA – Presidida por Dona Maria das Dores, grande devota de Santo António. Nela tiveram lugar a sua afilhada Maria da Fé e os doutores Cruz, Martim e Cariz, estes últimos, organizadores do arraial, sob os auspícios de Dona Maria das Dores. Foi uma mesa onde só foi servida groselha, visto que D. Maria das Dores é abstémia. Todavia, no copo dos homens, a groselha aparentava ter um tom bastante mais carregado.
 - MESA DA CULTURA - Nela tiveram assento Vasco, Sargento-Mor Francisco Trás, Fernão, Carmelo Alturas e o poeta António Limões. Esta mesa além de honrar as sardinhas e o resto, contribuiu para animação cultural do arraial desde a abertura. É que Dona Maria das Dores que os conhecia a todos como pessoas bem falantes e muito educadas, os convidou para, cada um à sua maneira, se dirigir em breves palavras aos presentes, solicitação a que corresponderam com natural agrado e por esta ordem: - VASCO: No Convento de São Francisco em Estremoz, venera-se a imagem seiscentista de Santo António em lenho dourado, existente no altar homónimo, situado no lado esquerdo da Capela Maior e já referenciada nas Memórias Paroquiais de 1758. – SARGENTO-MOR FRANCISCO TRÁS: Santo António teve uma brilhante carreira militar póstuma. Começou no 2º Regimento de Infantaria de Lagos, onde foi alistado em 1668, por alvará de D. Pedro II, que em 1863 o promoveu a capitão. Em 1777 foi promovido a major por D. Maria I. Em 1807, por decisão de Junot, foi promovido a tenente-coronel. Com a extinção do seu Regimento, apareceu em 1810 ao serviço do Regimento de Infantaria nº 19 de Cascais no decurso de toda a Guerra Peninsular, o que lhe valeu uma cruz de oiro e a promoção a tenente-coronel por alvará do príncipe regente D. João. A uma brilhante folha de serviço prestado na metrópole, junta-se ainda uma larga participação em guerras nas colónias, pelo que é considerado um militar de carreira. - FERNÃO: Santo António foi um dos intelectuais mais notáveis de Portugal antes de existir Universidade, tendo-se distinguido como asceta, místico, taumaturgo,  teólogo exímio e grande pregador. Um ano após a sua morte foi canonizado pelo papa Gregório IX e é venerado pela Igreja Católica que lhe atribui um extraordinário número de milagres. - CARMELO ALTURAS: A circunstância de o dia de Santo António coincidir com as festas do Solstício de Verão, faz com que seja celebrado em Portugal como um dos santos mais populares, com presença honrosa e permanente na literatura, na pintura, na escultura, na música, na toponímia, no folclore, na arte popular, especialmente na barrística, assim como na literatura oral. – POETA ANTÓNIO LIMÕES: Vou-vos dizer algumas quadras populares alentejanas relativas a Santo António casamenteiro. Eis uma:  “Santo António de Lisboa, / Guardador dos olivais, / Guardai o meu lindo amor, / Que cada vez foge mais.“ / E mais esta: “O sol bate de chapa, / Faz a maçã coradinha; / Tenho fé em Santo António / Que inda hás-de vir a ser minha.“. 
- MESA DAS MULHERES: Liderada por Libertária, ali se encontravam Mofina, Valentina, Maria Machadão e Firmina Tautau. Comeram e beberam moderadamente, mas falaram muito entre si, tendo Libertária proclamado que o amanhã é das mulheres, pelo que para a frente é que é caminho. Todas concordaram e Maria Machadão em sinal de assentamento, pregou tal murro na mesa que entornou os copos todos. Valentina concluiu que não fazia mal, já que o que é preciso é alegria.
- MESA DAS AUTORIDADES: Chefiada por SandeAoCão, o qual se encontrava acompanhado de Vascão e de Patilhas. Com grande desgosto de Vascão, ali teve que se beber com moderação, já que como advertiu SandeAoCão, as autoridades devem ser as primeiras a dar o exemplo.
 - MESA DOS DEVOTOS DE SÃO MARTINHO: Nela se sentaram o sargento Patacão, Chico Pinguinhas, Zé Tretas e Lérias. Por ali a festa foi rija, já que eram como o Jacinto, tanto gostavam do branco como do tinto, além que eram como os da Amareleja, que também gostam de cerveja.
No arraial foram notadas algumas ausências: - O REGEDOR: Que por dever do cargo que tão bem desempenha, se viu mais uma vez forçado a testar a qualidade dos serviços na rota das tabernas do concelho, missão espinhosa em que foi acompanhado por outros destacados elementos da Regedoria; - CARLOS TUNA: Por se encontrar ausente num seminário sobre questões transfronteiriças, numa cidade do outro lado da raia; - LELO: Por ter alergia ao cheiro das sardinhas; - DONA MAGNIFICÊNCIA: Por achar que a rua da Paróquia não é rua que se recomende.
Foi Carmelo Alturas quem lançou o balão de Santo António, no que foi aplaudido por todos. Aproveitou para fazer um improviso sobre a passarola voadora do Padre Bartolomeu de Gusmão e a sua experiência aerostática no Pátio da Casa da Índia em 1709, perante a corte de D. João V. Pilérias, bastante descontraído pelos copos que emborcara, quando ouve falar em passarola, pensou noutra coisa e começou a rir a bandeiras despregadas. Até parecia que lhe faltava o ar. Firmina Tautau viu-se então forçada a levantar-se do lugar onde se encontrava e assestou-lhe um monumental par de tabefes que lhe restituíram a respiração normal.
Já no final do arraial teve lugar o leilão de fogaças. Como habitualmente o leilão foi dirigido pelo Dr. Cruz. Merecem especial destaque quatro caixas de garrafas de vinho, oferecidas por adegas do concelho: - Uma caixa de Vila Tanta Trincadeira da Adega de Portugal Damos, que foi arrematada pelo Xico Pinguinhas, para consumo próprio; - Uma caixa de Quinta do Touro Cabernet Sauvignon da Adega da Quinta do Touro, que foi adjudicada pelo sargento Patacão, para gasto pessoal; - Uma caixa de Herdade das Trevas, Colheita Seleccionada Branco da Adega do Monte das Trevas. Foi arrematada pelo Sargento-Mor Francisco Trás com o pedido expresso de o Dr. Cruz a entregar no Retiro dos Combatentes, numa das suas habituais visitas de conforto espiritual; - Uma caixa de Dona Bia Grande Reserva da Adega de Júlio Castos, licitada por Fernão, que a foi entregar pessoalmente a D. Maria das Dores, a fim de ser leiloada no próximo arraial, o que muito sensibilizou a piedosa senhora, que aproveitou para pedir a Fernão para dar eco de todos os brados do arraial, no jornal onde cronista é.
Hernâni Matos

Sem comentários:

Enviar um comentário