Aguadeiro.
José Moreira (1926-1991).
Colecção particular.
Literatura portuguesa
A
nível de prosa, a referência literária mais antiga que conheço relativa a
aguadeiros, surge em Balthezar Telles na CHRONICA DA COMPANHIA DE IESU, NA
PROVINCIA DE PORTUGAL (1645):“… era necessário hir com carro bufcar água, para
o gafto do Collegio, & pera o meneyo das obras; era muito para ver quantos,
por fe defprezar, ferviam de carreiros, & aguadeiros;…”. Segue-se outra em
António José da Silva (O Judeu), na ópera joco-séria GUERRAS DO ALECRIM E MANGERONA
(1737): “- SEMICÚPIO: Venha o pulso: está intermitente, lânguido, e convulsivo;
oh menina, tomou as águas? - SEVADILHA: Ainda não veio o aguadeiro.”.
Um
dos escritores que porventura utilizou mais vezes aguadeiros como personagens
dos seus livros, foi Camilo Castelo Branco. A primeira referência surge em
SCENAS DA FOZ (1857): “Lançou-se com impeto ao ar da janella, e viu na rua o
aguadeiro que esperava a resposta.“. A mesma figura surge amiúde na obra
camiliana em títulos como: AMOR DE PERDIÇÃO (1862), CORAÇÃO, CABEÇA E ESTÔMAGO
(1862), A QUEDA D'UM ANJO (1866), OS BRILHANTES DO BRASILEIRO (1869), NOVELAS
DO MINHO (1875-1877), O CEGO DE LANDIM in NOVELAS DO MINHO (1876), A BRAZILEIRA
DE PRAZINS (1882).
Igualmente
Camillo Marianno Froes, recorre à figura do aguadeiro em CARICATURAS Á PENNA
(1862):“Nem faltaram as diligencias da criada e do aguadeiro.”.
Em
Eça de Queiroz, a utilização de aguadeiros na composição dos enredos, remonta a
O MISTÉRIO DA ESTRADA DE SINTRA (1870): “Figurava-se-me que tudo se ria de mim,
os candeeiros, os cães noctivagos, as pedras da rua, os numeros das portas, os
letreiros das esquinas, os aguadeiros que passavam uivando com os seus barris,
e os caixeiros que pesavam arroz sobre o balcão ao fundo das tendas.”.
Seguem-se outras em UMA CAMPANHA ALEGRE - Volume I, Capítulo XXIV – Três dias
de insultos no parlamento (1871) e UMA CAMPANHA ALEGRE - Volume II, Capítulo
XIII: As variadas reformas da Carta (1891).
Ainda
no séc. XIX há outros autores que incluem aguadeiros entre os seus personagens.
Ramalho Hortigão - O NATAL MINHOTO in AS FARPAS – vol. I (1871): “Pela manhã
entrava-lhe no quarto um aguadeiro, e despejava-lhe um barril de água pela
cabeça abaixo: Era a sua toilette.”. Silva Porto - NA HORA FINAL (1875): “…sem
um curso, nesta terra onde o meu aguadeiro tem um, completo;”.
No
séc. XX, os aguadeiros continuam a povoar as obras dos nossos romancistas e
contistas. Aquilino Ribeiro, primeiro em QUANDO AO GAVIÃO CAI A PENA (1935): “
– Tu não és Ibraim, o aguadeiro, pois não...? – Sou eu mesmo, pois quem havia
de ser? Olha, olha, quebraram-lhe a infusa; onde deito agora a água?” e depois
em LÁPIDES PARTIDAS (1945). Seguem-se escritores como Alves Redol - GAIBÉUS
(1939): “Para o ceifeiro rebelde os brados dos aguadeiros assemelham-se a gritos
de socorro no meio do incêndio. Sente-se mais abatido do que os outros, porque
compreende as causas da angústia do rancho e sabe que os outros sofrem mais.
Ele tem um norte. E os camaradas ainda não encontraram bússola. ‘Se todos a
tivessem...’”. De salientar ainda a contista Luísa Ducla Soares - OS NOVE
MANDRIÕES in O MEIO GALO E OUTRAS HISTÓRIAS (1976): “Avançavam tão alegre e
despreocupadamente que quase iam embatendo num aguadeiro que puxava um carrinho
com duas enormes barricas. Raras eram as casas que tinham água e ele, de porta
em porta, ia abastecendo a povoação: Quem quer água bem fresquinha / para beber
e refrescar?! / Os outros matam a sede, / eu mato-me a carregar. / - Os
carregos são para os burros! Por que não vens divertir-te? - Vou mesmo! Quem tiver a boca seca que vá
encher bilhas à fonte.”.
No âmbito da poesia não posso
deixar de referir Correia Garção - EPISTOLA I in OBRAS POETICAS (1778): “…Temo
de sahir fora: Desta banda / Me empurra o aguadeiro, e de estoutra / Me
atropela a Saloia c’o seu macho; / Hum vem á rédea solta no rabão, / Outro
corre no coche á desfilada; /…”. Saliento igualmente João de Deus - MAL DOS PÉS
in CAMPOS DE FLORES (1893): “…“E diga-me: em lavando os pés refina, / Ou sente
algum alívio?” / – “Isso não sei, / Sei que tenho exaurido a medicina; / mas
lavar é que nunca experimentei.” / Às vezes dá-se ao médico o dinheiro / Que se
devia dar ao aguadeiro.”.
Hernâni Matos
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