Lamento
para a língua portuguesa
Vasco Graça Moura (1942-2014)
não
és mais do que as outras, mas és nossa,
e
crescemos em ti. nem se imagina
que
alguma vez uma outra língua possa
pôr-te
incolor, ou inodora, insossa,
ser
remédio brutal, mera aspirina,
ou
tirar-nos de vez de alguma fossa,
ou
dar-nos vida nova e repentina.
mas
é o teu país que te destroça,
o
teu próprio país quer-te esquecer
e
a sua condição te contamina
e
no seu dia a dia te assassina.
mostras
por ti o que lhe vais fazer:
vai-se
por cá mingando e desistindo,
e
desde ti nos deitas a perder
e
fazes com que fuja o teu poder
enquanto
o mundo vai de nós fugindo:
ruiu
a casa que és do nosso ser
e
este anda por isso desavindo
connosco,
no sentir e no entender,
mas
sem que a desavença nos importe
nós
já falamos nem sequer fingindo
que
só ruínas vamos repetindo.
talvez
seja o processo ou o desnorte
que
mostra como é realidade
a
relação da língua com a morte,
o
nó que faz com ela e que entrecorte
a
corrente da vida na cidade.
mais
valia que fossem de outra sorte
em
cada um a força da vontade
e
tão filosofais melancolias
nessa
escusada busca da verdade
e
que a ti nos prendesse melhor grade.
bem
que ao longo do tempo ensurdecias,
nublando-se
entre nós os teus cristais,
e
entre gentes remotas descobrias
o
que não eram notas tropicais
mas
coisas tuas que não tinhas mais,
perdidas
no enredar das nossas vias
por
desvairados, lúgubres sinais,
mísera
sorte, estranha condição,
em
que, por nos perdermos, te perdias.
neste
turvo presente tu te esvais,
por
ser combate de armas desiguais.
matam-te
a casa, a escola, a profissão,
a
técnica, a ciência, a propaganda,
o
discurso político, a paixão
de
estranhas novidades, a ciranda
da
violência alvar que não abranda
entre
rádios, jornais, televisão.
e
toda a gente o diz, mesmo essa que anda
por
tempos de ignomínia mais feliz
e
o repete por luxo e não comanda,
com
o bafo de hienas dos covis,
mais
que uma vela vã nos ventos panda
cheia
do podre cheiro a que tresanda.
foste
memória, música e matriz
de
um áspero combate: apreender
e
dominar o mundo e as mais subtis
equações
em que é igual a xis
qualquer
das dimensões do conhecer,
dizer
de amor e morte, e a quem quis
e
soube utilizar-te, do viver,
do
mais simples viver quotidiano,
de
ilusões e silêncios, desengano,
sombras
e luz, risadas e prazer
e
dor e sofrimento, e de ano a ano,
passarem
aves, ceifas, estações,
o
trabalho, o sossego, o tempo insano
do
sobressalto a vir a todo o pano,
e
bonanças também e tais razões
que
no mundo costumam suceder
e
deslumbram na só variedade
de
seu modo, lugar e qualidade,
e
coisas certas, inexactidões,
venturas,
infortúnios, cativeiros,
e
paisagens e luas e monções,
e
os caminhos da terra a percorrer,
e
arados, atrelagens e veleiros,
pedacinhos
de conchas, verde jade,
doces
luminescências e luzeiros,
que
podias dizer e desdizer
no
teu corpo de tempo e liberdade.
agora
que és refugo e cicatriz
esperança
nenhuma hás-de manter:
o
teu próprio domínio foi proscrito,
laje
de lousa gasta em que algum giz
se
esborratou informe em borrões vis.
de
assim acontecer, ficou-te o mito
de
seres de vastos, vários e distantes
mundos
que serves mal nos degradantes
modos
de nós contigo. nem o grito
da
vida e do poema são bastantes,
por
ser devido a um outro e duro atrito
que
tu partiste até as próprias jantes
nos
estradões da história: estava escrito
que
iam desconjuntar-te os teus falantes
na
terra em que nasceste. eu acredito
que
te fizeram avaria grossa.
não
rodarás nas rotas como dantes,
quer
murmures, escrevas, fales, cantes,
mas
apesar de tudo ainda és nossa,
e
crescemos em ti. nem imaginas
que
alguma vez uma outra língua possa
pôr-te
incolor, ou inodora, insossa,
ser
remédio brutal, vãs aspirinas,
ou
tirar-nos de vez de alguma fossa,
ou
dar-nos vidas novas repentinas.
enredada
em vilezas, ódios, troça,
no
teu próprio país te contaminas
e
é dele essa miséria que te roça.
Um poema maravilhoso e triste por demais. Oh povo insano, alheio a valores e desumano
ResponderEliminarMuito bom!!! Faz muita falta o Vasco Graça Moura ! O PR, Marcelo, devia tomar a iniciativa de rever o AO.
ResponderEliminarConcordo inteiramente.
EliminarUm lamento a qu me associo na mi há modesta condição
ResponderEliminarNão estive e não estou de acordo com este acordo. 😞
Inteiramente de acordo consigo.
EliminarUm poema de triteza lágrimas desilusão continuamos nisto até quando ?
EliminarViva ao português bem escrito!
ResponderEliminarVIVA! VIVA! VIVA!
Eliminareste magnifico poema nos diz tudo aquilo que sentimos...
ResponderEliminarInterpreta, de facto e de uma forma magistral, os sentimentos daqueles que amam a língua portuguesa e não prescindem do português bem escrito.
EliminarSó loucos poderão estar de acordo com esta estupidez. Tentar adaptar o "Português" às linguas faladas por outros povos k não ligam patavina ao assunto.
ResponderEliminarA adaptação ortográfica fere a nossa identidade cultural enquanto povo.
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