Mulher dos perus.
José Moreira (1926-2001).
Colecção particular.
O núcleo base do figurado de Estremoz inclui três
figuras femininas de camponesas, trajando à moda do séc. XIX, as quais conduzem
animais a caminho da feira ou do mercado e carregam um cesto na cabeça. Todas
elas ostentam uma roca apoiada no lado esquerdo da cintura e empunham um fuso,
geralmente na mão direita. Essas imagens são: - MULHER DOS PERUS – Conduz um
casal de perus e leva no cesto, ovos destas aves; - MULHER DAS GALINHAS – Leva
um galo e duas galinhas, cujos ovos transporta no cesto; - MULHER DOS CARNEIROS
– Acompanha dois ovinos e carrega uma cesta com queijos. Qualquer das peças
representa uma fiandeira ou seja uma mulher que fia.
A fiação é uma actividade humana de carácter
universal, documentada a partir do Mesolítico e que consiste em reduzir a fio,
matérias têxteis, como o linho, a lã e o algodão. Com a descoberta do fuso há
cerca de 5000 anos, a técnica de fiação aperfeiçoou-se. O fuso é um instrumento
de madeira para fiar à roca, que tem simetria cilíndrica, mais
encorpado no meio e que se estreita até às duas pontas, terminando em
bico. Serve para enrolar o fio que vem a constituir uma
“maçaroca”. Quando o fuso está cheio, passa-se o fio para o “sarilho”, a fim de
o transformar em “meada”.
Além
do fuso, a fiação recorre também à roca. Esta é uma vara de madeira ou cana,
encimada por um parte chamada “copo”, que termina numa peça denominada “torre”.
A roca fixa-se à cintura, do lado esquerdo, entre o cós da saia e o corpo,
inclinada para a frente, com o copo sensivelmente à altura da cara de quem fia.
Para carregar a roca, no caso do linho, este é assente ao comprido sobre os
joelhos e o copo molhado com saliva é encostado ao linho, rodando-se com a mão
direita, ao passo que com a esquerda se agarra o linho, de modo que as fibras
não fiquem emaranhadas. Seguidamente, ata-se o linho enleado no copo com uma
correia presa na sua extremidade superior, enfia-se o cabo da roca na cintura,
molham-se com saliva as pontas dos dedos indicador e polegar da mão esquerda,
destacam-se algumas fibras, torcendo-as até formar uma pequena ponta de fio e
aproxima-se desta o fuso, imprimindo-lhe de seguida movimento giratório com a
mão direita, o qual é gerado com o polegar, indicador e médio. O fuso fica a
rodar, suspenso pelo fio que a sua rotação vai torcendo e seguro
simultaneamente pelo fio e pelos dedos. De vez em quando, o fio é passado pela
boca, a fim de o humedecer. Quando o tamanho do fio afeiçoado obriga a afastar
demasiado o braço direito, interrompe-se a fiação e enrola-se essa porção de
fio no fuso.
A fiação era um trabalho executado essencialmente por
mulheres, em casa ou no trabalho, a caminho dos campos, a apascentar gado ou a
caminho de feiras, mercados, etc., aproveitando todo o tempo em que as mãos não
estavam ocupadas. Todavia, as transformações sócio–culturais operadas no séc.
XX, aliadas às facilidades de comunicação, acabaram com o isolamento dos campos
e das aldeias, que foram invadidas por produtos têxteis industriais, conduzindo
ao abandono da fiação caseira.
A fiação está presente na nossa literatura de
tradição oral. A nível de adagiário destacamos: “A fiandeira laboriosa,
nunca faltou pano para camisas.”, “A fiar e a tecer, ganha a mulher de comer.”,
“Cada terra com seu uso, cada roca com
seu fuso.”, “De linho arestoso, faz camisas a teu esposo.”, “Linho
apurado, dá lenço dobrado.”, “Maria fia, fia, fia três maçarocas por dia.” Do
vasto cancioneiro popular, destacamos apenas uma quadra maliciosa do
cancioneiro de Melgaço: “Quem me dera ser o linho/ Que vós na roca fiais!/ Quem
me dera a mim os beijos/ Que vós ao linho le
dais!”
Mulher das galinhas.
José Moreira (1926-2001).
Colecção particular.
Mulher dos carneiros.
Sabina Santos (1921-2005).
Colecção particular.
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