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segunda-feira, 1 de março de 2010

O cante alentejano


Grupo de cantadores. Ana Bossa (1978- ), que nos anos 90 do séc. XX,
frequentou o atelier das irmãs Flores.

A identidade cultural do povo alentejano tem a ver com o cante, que segundo a tese litúrgica do padre António Marvão teve origem em escolas de canto popular fundadas em Serpa, por monges paulistas do Convento da Serra d’Ossa, os quais tinham formação em canto polifónico.
No "Cancioneiro Alentejano" – recolha de Victor Santos, diz Fernando Lopes Graça:
O alentejano canta com verdadeira paixão e todas as ocasiões lhe são boas para dar largas ao seu lirismo ingénito. Não há trabalho, folga, festa ou reunião de qualquer espécie, sem um rosário infindo de cantigas.”
Manuel Ribeiro na "Lembrança dos Cantadores da Aldeia Nova de São Bento, Mértola, Vidigueira e Vila Verde de Ficalho", diz-nos:
“Só no Alentejo há o culto popular do canto. Ali se criou o tipo original do “cantador”. Pelas esquinas, altas horas, embuçados nas fartas mantas, agrupam-se os homens: esmorece a conversa, faz-se silencio e de subito, expontâneamente, rompe um coral. É o diálogo em que eles melhor se entendem, é a conversa em que todos estão de acôrdo.
Quem não viu em Beja, em certas ruas lôbregas, em certos recantos que escondem ainda os antros esfumados das adegas pejadas de negras e ciclopicas talhas mouriscas, quem não viu duas bancadas que se defrontam e donde se eleva um canto entoado, solene e soturno, com o quer que seja da salmodia dum côro de monges?”
Embora possa cantar só, o alentejano canta sobretudo em coros e esse canto é sério, dolente, compenetrado e mesmo solene, porque o alentejano é lento, comedido e contemplativo, por força do Sol escaldante.
O coro une os alentejanos. Como diz Eduardo Teófilo em "Alentejo não tem sombra":
"Há, no entanto, a ligá-los a todos, algo de pró­prio, de indefinidamente próprio e que os torna re­conhecíveis em qualquer lugar em que se encontrem.(...). Todos eles estão marcados a fogo, pelo fogo daquele Sol ardente que, mesmo quando mal brilha, entra nas almas e molda os caracteres, todos eles apresentam o seu rosto cortado por navalhadas de vida e tostados pelas ardências do Sol de Verão, como se vivessem todos, realmente, sem uma sombra a que se abrigar.”
Sobre o cante diz-nos ainda Antunes da Silva em "Terra do nosso pão":
“As cotovias cantam para o céu, tresnoitadas. Os Alentejanos cantam para os horizontes, sonhando. Dessas duas castas melodias nasce a força de um povo!”

Publicado inicialmente em 1 de Março de 2010

14 comentários:

  1. Que essa melodia nunca se cale, nem seja calada por ninguém, mas, sobretudo, que se mantenha genuína e fiel às suas raízes culturais. (É que isto da chamada "world music" tem muito que se lhe diga...)

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  2. O cante é uma das matrizes identitárias mais marcadas e mais marcantes da cultura das terras de Além Tejo. Por isso há quem lute pela sua preservação. Apesar disso, todos aqueles que nos preocupamos com a genuidade dos traços da alma alentejana, devemos estar vigilantes, para que em nome da evolução não possa haver uma deturpação das raízes.

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  3. Embora esteja em casa,sinto-me mais em casa(TERRA) onde nasci,cada vez que consulto o blog seriam milhentas as palavras para difinir tanta grandeza e beleza,não sei se foram ditas ou se alguma vez as serão:o que sei é que graças ao esforço e dedicação do HERNÂNI o nosso ALENTEJO é divulgado por tudo o que é sitio,parabéns.

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    1. Fez-se canto popular
      Unindo vozes num desejo
      Tem vida para se inspirar
      Viva o cante do Alentejo.

      O belo cante alentejano
      Para que alguém o ouvisse
      Foi pelo silêncio da planície
      Cantando o quotidiano
      E como as folhas do outono
      Lá teimou em esvoaçar
      Até o respeito alcançar
      Para orgulho do seu povo
      E ganhando um folgo novo
      Fez-se canto popular.

      Indo a par da natureza
      Com afino na garganta
      Todo o Alentejo canta
      A humildade e a grandeza
      E numa solitária beleza
      Há uma esperança que vejo
      A preencher o Alentejo
      Com sua alma tamanha
      E um coro que acompanha
      Unindo vozes num desejo.

      Odes aos campos e aos rios
      Ao trabalho e à sua gente
      Cantando aquilo que sente
      Ao amor e aos seus desvios
      E com sentimentos sadios
      Com tanta terra e tanto mar
      Tantos motivos, para cantar
      Vai excomungando a solidão
      E desbravando a imensidão
      Tem vida para se inspirar.

      Numa simples polifonia
      É um canto sem vaidade
      Que traz na voz a saudade
      Com uma certa nostalgia
      E na própria monotonia
      Há cantadores com traquejo
      Fazendo saias dum gracejo
      E modas lentas que no fundo
      Querem dizer para o mundo
      Viva o cante do Alentejo.

      Octávio S. Cardoso

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    2. Octávio:
      Obrigado pelo seu original comentáriol sob a forma das tradicionais décimas populares.

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  4. Só agora, descobri este Blog que irei explorar, como merece, uma vez que sou grande admiradora do
    cante.

    Parabéns.

    Isabel Antunes

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  5. O Alentejo tem tanto para dar a conhecer!
    Este Blog, é uma MARAVILHA. O Alentejo, merece!
    Vou continuar a visita-lo.
    Muitos parabéns aos seus autores.

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  6. O cante alentejano é daqueles que mais me emociona. Não sei explicar a razão, mas basta ouvir qualquer melodia que até as lágrimes se me afloram aos olhos... tocam-me a alma.
    Parabéns por este espaço de partilha.
    Vou colocar uma ligação no meu blogue para estar sempre actualizada.
    Até breve.

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    1. O cante toca a alma, porque ele próprio é a alma alentejana no melhor da sua expressão.

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  7. Também sou alentejano e tenho dedicado parte da minha vida ao nosso querido Alentejo.
    Sinto-me em perfeita sintonia com todos os comentários e venho assim felicitá-lo por este excelente trabalho identitário e do verdadeiro valor de cante alentejano e do que representa para a nossa identidade cultural e através dele ligação às nossas terras de origem.
    Joaquim Avó

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    1. O cante é uma dasmais fortes marcas da identidade cultural alentejana,

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  8. Embalo identitário, solidariedade Viriática, voz no postigo da Anta, a única de raridade com saída para a alma lá na Serra D'Ossa; os Paulistas a cantarem ao menino Rei D. Sebastião. Este canto dolente que cura a alma e abre as portas do Paraíso.

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