3 - A MONDA
Depois da sementeira que fecundou a terra-mãe, a semente germinou e as searas vicejaram, mas com elas também a erva daninha que podia travar o crescimento e a pujança da seara, pondo em causa o investimento do lavrador.
Quando não tinham sido ainda descobertos os herbicidas, era a época de trabalho das mondadeiras, assalariadas sazonalmente para a faina da monda e que rítmica e sonoramente arrancavam a erva daninha com o auxílio dum sacho.
Para o leigo, para quem nunca tenha ido à monda ou sequer falado com mondadeiras, pode parecer que a faina fosse fácil. Nada mais enganador. Era suposto começar-se o trabalho ao nascer do Sol, pelo que a concentração do rancho de mondadeiras tinha início muito antes. Depois era a caminhada para o local. E quando se começava, muitas vezes parecia que o Sol se tinha esquecido de nascer. Nas manhãs de Outono, as mãos estavam engadanhadas logo à partida. O corpo curvado sobre a terra mole, dilacerava os rins. O peso nas pernas, encarregava-se do resto. Era um trabalho penoso que levava a mulher a desabafar:
“Eu ando aqui a mondar
Sòzinha , não tenho medo:
Bem pudera o meu amor
Tirar-me deste degredo!“ [1]
O desabafo podia ser extremo, assumindo a forma de uma recusa, ainda que mascarada no pretexto:
“Eu não quero ir á monda,
Que não sei cortar a eito;
Mandem-me falar d'amor,
Mandem-me falar d'amor,
Que p'ra isso tenho eu geito.“ [2]
As ervas daninhas eram muitas: ervilhacas, palanco, cizirão, cardos, malvas, saramagos, pampilro, alabaças, leitugas, almeirões, etc. E essas mesmas ervas de que expurgavam as searas eram referidas pelas mondadeiras nas suas canções de trabalho, nas quais faziam também o balanço do seu amor por alguém:
“Hei-de fazer uma maia
De ervilhacas e palanco
P’ra mandar ao meu amor
Que eu ando a mondar no campo.... “[3]
“Cizirão é uma erva
Que se enleia pelo trigo.
Ai! Quem fosse cizirão!
Que enleasse o teu “sentido”!“ [4]
“O cardo é que pica,
Que me picou numa mão;
Também a maldade pica
Os homens no coração. “ [5]
O facto de a monda ser um trabalho penoso, levava a que algumas mulheres o quisessem abandonar, quando dele já não tivessem necessidade:
Também a maldade pica
Os homens no coração. “ [5]
O facto de a monda ser um trabalho penoso, levava a que algumas mulheres o quisessem abandonar, quando dele já não tivessem necessidade:
"Já não quero ir á monda,
Já não quero ir a mondar,
Foi na monda que eu ganhei
Dinheiro p’ra me casar.“ [2]
Por vezes, alguém dizia isso mesmo à mulher, levando a mesma a replicar que era na monda que tinha ganho dinheiro:
“- Não quero que vás á monda,
Na monda não ganhas nada.
- Foi na monda que eu ganhei
Uma saia encarnada.“ [2]
Algumas mulheres continuavam a ir à monda, mesmo depois de casadas:
“Eu bem sei que ando na monda.
Eu bem sei que ando a mondar,
Na monda é que eu arranjei
Dinheiro p’ra me casar. “ [6]
Nem o rigor do clima que fazia com que a mulher estivesse praticamente coberta de roupa, era impeditivo que os homens exaltassem a sua beleza:
“Mondadeira de olhos verdes.
mais lindos que o verde trigo,
pôs-lhe deus tanta beleza
p'ra meu tormento e castigo.“ [7]
“Não escondas, mondadeira,
com esse lenço de chita
a boca que heí-de beijar,
nem essa cara bonita.“ [7]
Alguns homens desejavam mesmo enlear-se à mulher, tal como a erva daninha se enleia no trigo:
“Malva verde que se enleia,
que se enleia pelo trigo;
quem me dera ser enleio
que me enleara contigo.“ [7]
Talvez a monda fosse propícia a posturas mais libertinas. Daí que outras mulheres, decerto conhecedoras desse facto, proclamassem em relação àquelas das quais ansiavam ser madrinhas de casamento:
“Não quero que vás á monda,
Não quer’e que vás sósinha,
Quando tu te casares
Quero ser tua madrinha.“ [2]
E aquela disposição podia ser mesmo extensiva em relação a outro trabalho sazonal: a ceifa.
“Não quero que vás á monda,
Não quer’e que vás a mondar,
Se amanhã vier a ceifa,
Não quer’que vás a ceifar.“ [2]
No limite, a proclamação podia ir ao extremo de deixar de querer ser madrinha, mas continuar a querer que a afilhada não fosse à monda:
“Não vou ser tua madrinha
Não te vou acompanhar,
Não quero que vás à monda,
Não quero que vás mondar.“ [8]
E tal como a monda, também o ribeiro devia esconder perigos imaginados:
“Não quero que vás à monda,
Nem ao ribeiro lavar,
Não quero que vás à monda,
Que vás à monda, que vás mondar.“ [9]
O rifonário da monda é escasso relativamente aos outros rifonários do ciclo do pão:
- “O que não vai à monda, vai à ceifa.”
- “O que ganhaste à monda, perdeste à sacha.”
- “Mondar e chover, dinheiro a perder.”
Terminada esta incursão sobre a literatura oral relativa à monda, vem depois a ceifa. Citando António Delicado [10]:
Terminada esta incursão sobre a literatura oral relativa à monda, vem depois a ceifa. Citando António Delicado [10]:
- “Um trabalho é véspera de outro.”
Hernâni Matos
[1] - Amieira (concelho de Nisa) - Recolha de J. Leite de Vasconcellos in Cancioneiro Popular Português.
[2] - PIRES, A. Thomaz. Cantos Populares Portugueses, vol. IV. Typographia e Stereotypia Progresso. Elvas, 1910.
[3] - Tolosa (concelho de Nisa) - Recolha de J. Leite de Vasconcellos in ob. cit.
[4] - Salvada - Recolha de Manuel Joaquim Delgado in Subsídio para o Cancioneiro Popular do Baixo Alentejo.
[5] - Estremoz. Recolha de Luís Chaves in Páginas Folclóricas - A Canção do Trabalho, Imprensa Portuguesa, Porto, 1927.
[6] - Amieira (concelho de Nisa) - Recolha de J. Leite de Vasconcellos in ob. cit.
[7] - SANTOS, Victor. Cancioneiro Alentejano – Poesia Popular. Livraria Portugal, Lisboa, 1959.
[8] - Tolosa (concelho de Nisa) - Recolha de J. Leite de Vasconcellos in ob. cit.
[8] - Tolosa (concelho de Nisa) - Recolha de J. Leite de Vasconcellos in ob. cit.
[9] - Elvas – Recolhida po Rodney Gallop in Cantares do Povo Português, Instituto de Alta Cultura, Lisboa, 1937.
[10] - DELICADO, António. Adagios portuguezes reduzidos a lugares communs / pello lecenciado Antonio Delicado, Prior da Parrochial Igreja de Nossa Senhora da charidade, termo da cidade de Euora. Officina de Domingos Lopes Rosa. Lisboa, 1651.
[10] - DELICADO, António. Adagios portuguezes reduzidos a lugares communs / pello lecenciado Antonio Delicado, Prior da Parrochial Igreja de Nossa Senhora da charidade, termo da cidade de Euora. Officina de Domingos Lopes Rosa. Lisboa, 1651.
Li, digeri,e gostei.
ResponderEliminarGostaria que entrasse em contacto comigo, sou uma poetisa popular alentejana de Campo Maior.
saudações poeticas da já amiga
Rosa Dias
Ola caro Hernani
ResponderEliminarsempre ume excelente trabalho de Memoria
boa continuação
cumprimentos
E um prazer ler as suas páginas.Vive-se Portugal sem políticos e politica. Vive-se Portugal com o povo, seus hábitos e costumes.
ResponderEliminarLuís Pinto
Sempre o Amor ... Amei :-)
ResponderEliminarMó