Nos meus tempos de miúdo, jogava aos amalhões, à mosca, à pateira, à roda, ao botão, ao berlinde e ao soco quando era preciso. E levava também no focinho, porque lá diz o rifão: “Quem vai à guerra, dá e leva.” Nas brincadeiras o que contava era a imaginação sem limites e a arte do desenrasca, em que o português ainda hoje é mestre.
Havia também a ida aos grilos e partidas que se pregavam aos tansos como a “ida aos gambosinos” ou fazer de estribo na “brincadeira do rei coxo”.
As meninas, salvo alguma Maria Rapaz, que as havia e algumas delas encantadoras, brincavam às donas de casa, passando a ferro, fazendo jantarinhos e dando banho e biberon aos bonecos.
Hoje, reconheço que o sistema estava montado para gerar diferença de género e havia coisas que, apesar de puto, eu tinha a noção que não deveriam ser assim.
Hoje o sistema travestiu-se e foi montado de maneira diferente. Porém, deu para o torto.
Além das brincadeiras de rapazes e tanto quanto me lembra a memória dos tempos idos, sempre tive gosto por colecções, entre elas, botões, cromos, moedas, selos, postais, panfletos publicitários e mais tarde, aí pelos 12 anos, livros.
A estas colecções vieram-se juntar outras, mas as colecções primitivas ainda hoje perduram. Entre elas, as colecções de cromos montadas nas respectivas cadernetas, como é o caso das RAÇAS HUMANAS, da HISTÓRIA DE PORTUGAL, da HISTÓRIA NATURAL e dos TRAJES TÍPICOS DE TODO O MUNDO, entre eles os de Portugal.
Decerto que foi com esta última que eu fiquei fascinado pela Etnografia, antes de saber que Garrett tinha sido o percursor, Leite de Vasconcellos o fundador e Luís Chaves e outros mais, os continuadores.
As cadernetas de cromos, foram as minhas pastilhas de Cultura. Foram o meu software, antes de terem inventado as consolas electrónicas que programam e condicionam o divertimento, assim como a raça maldita dos Magalhães, que põem os putos convencidos que fazer um trabalho de pesquisa, não é mais que uma mera operação de corte e colagem.
Não trocava uma caderneta de cromos por 10 Magalhães, nem sequer o meu talego de botões (com mirôlas e chapéuzinhos de chumbo) por consolas.
O registo das memórias passadas é o melhor investimento cultural que podemos deixar aos nossos netos....
Publicado inicialmente em 9 de Março de 2010
O presente texto integra o meu livro "Memórias do Tempo da Outra Senhora"
Gostei. Também fiz algumas cadernetas e felizmente tinha um irmão mais velho, um prédio cheio de primos e primas e uma casa da avó ainda mais cheia de primos e primas. Nunca tive um livro da Anita, mas li muita banda desenhada dos "índios e cowboys " e em que sempre fui fã dos índios. Tive também uma rua cheiinha de meninos e meninas. Nela brinquei até mais não, aprendi a andar de bicicleta, de carrão de rolamentos, de patins e a correr com os rapazes atrás de algumas meninas que tinham medo dos gafanhotos. Joguei à cabra cega, à mosca, ao pião, ao berlinde, à pateira, ao botão, à china. Ajudei a infernizar a vida dos ciclistas que desciam a rua, sim, porque a Rua da Restauração dantes descia-se em vez de se subir como agora, com linhas atravessadas que eles confundiam com teias de aranha e também a de alguns vizinhos que não gostavam muito que lhes tocássemos à campainha. Bebi litros de água que a vizinha Gina nos oferecia pacientemente em copos do “jua” depois das longas corridas nessa mesma rua, eu e os cerca de vinte miúdos que ali se juntavam. Refilei muitas vezes quando a minha mãe me chamava: “- Oh mãe, já??!!, só mais um bocadinho…..!” Depois foi o tempo de criar coragem e aventurar-me a passar a fronteira da Rua das Almas. A primeira vez com uma das minhas primas, tão corajosas e tão orgulhosas que nós íamos direitinhas à pastelaria Formosa, mas foi sol de pouca dura, a irmã dela que já era “grande” (tinha mais um ou dois anos que nós) derreteu a nossa proeza com: “- Vocês aqui?! Que vergonha, vão já para casa, olha lá para essa blusa cheia de nódoas e esses joelhos todos sujos…!!”
ResponderEliminarGuardo belíssimas memórias dessa época.
Ah(!) é verdade, e as bonecas? Eh! Essas estavam lá arrumadinhas no seu canto que a minha mãe, qual perfeita dona de casa, limpava e arrumava cuidadosamente. Algumas resistiram até aos meus sobrinhos e à minha filha.
São memórias destas, como a tua e a minha, que devem vir ao de cima e catalizem os outros a fazer o mesmo.
ResponderEliminarTalvez assim o futuro seja melhor.
Um abraço para ti, Maria.
Pois é essas colecções,também as fiz,lembram-se da papelaria do snr. Anibal Falcato? lembra-se da papelaria do mestre J.Vermelho ( HOMEM EXTRAORDINÁRIO ) divido sempre entre o ensino, o cine clube e mais restante cultura!pois aí a malta tinha sempre essas colecções bons tempos onde se aprendeu muito,mas fora do contexto, a sopa de cachola caiu cá no goto um abraço ZÉ PREZADO.
ResponderEliminarLembram-se do cavaleiro andante?fiz a colecção e naquele tempo sorteavam um MORRIS 1000 já passaram uns bons 50 anos
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