domingo, 8 de junho de 2025

Louça de Redondo no Mercado das Velharias em Estremoz

 

1.

Sábado é dia de recarregar baterias. E eu sou guardador de memórias. Memórias identitárias de tempos idos de um Alentejo que trago na alma e na massa do sangue. Por mim circulam Bonecos e Olaria de Estremoz, Arte Pastoril, Louça Vidrada de Redondo e mais não digo, senão não saímos daqui. Passo de imediato a contar-vos o que deu a safra ontem.

1. Barranhão de grandes dimensões decorado com base na tradicional tricromia verde-amarelo-ocre castanho, característica da louça vidrada de Redondo. Bordo beliscado e esponjado de verde. Fundo com decoração mista, fitomórfica e zoomórfica, na qual um arbusto florido serve de poiso a um bando de passarinhos, que também esvoaçam em torno dele, já com o bico carregado,. numa clara alegoria à Primavera.

O traço do esgrafitado é fino, firme e seguro, configurando o desenho ter saído das mãos de grande artista. 

Autoria e datação por determinar,

 

2.

2. Prato de louça de barro vermelho de Redondo, pintado e não vidrado por Francisco Cardadeiro (Chico Galinho). A pintura cinge-se à parte frontal do prato, o fundo é negro e a decoração policromática e fitomórfica reproduz os habituais elementos decorativos da mobília tradicional alentejana. No bordo do prato existe simetria alternada dos elementos decorativos usados do prato. No fundo, existe simetria axial em relação ao eixo central.

Datação por determinar.

  Hernâni Matos


quinta-feira, 5 de junho de 2025

Carlos Alberto Alves e a Música Popular Alentejana



Tocadora de adufe.

Bonecos de Estremoz de Carlos Alberto Alves.
Pintura de Cristina Malaquias.
Colecção Hernãni Matos

Em comunicação datada de 1998 (*), demonstrei que pela sua paisagem própria, pelo carácter do povo alentejano, pelo trajo popular, pela gastronomia, pela arte popular, pelo cancioneiro popular, pelo cante, pela música popular, pela casa tradicional, o Alentejo é uma região com uma identidade cultural própria.

No caso muito particular da música popular alentejana, também os executantes e os instrumentos musicais populares alentejanos, são parte integrante da identidade cultural alentejana, a qual urge preservar e valorizar enquanto memória do povo.

Etno-musicólogos como Michel Giacometti e Fernando Lopes Graça calcorrearam os campos do Alentejo nos anos 60 do século passado e efectuaram o registo etno-musical da região.

Conhecedor deste registo e daqueles que nele participaram, entre eles o seu tio Aníbal Falcato Alves, o barrista Carlos Alberto Alves, no mais estrito respeito pela técnica de produção e pela estética do Boneco de Estremoz, criou um conjunto de figuras sob a epígrafe MÚSICA POPULAR ALENTEJANA, o qual incorpora os tocadores dos seguintes instrumentos musicais populares alentejanos: adufe, pandeireta, bombo, tambor, ronca, cana rachada, cântaro, udu, ferrinhos, reque-reque, tamboril, trancanholas, castanholas, chocalho, guizos, flauta, viola campaniça e harmónio. Com esta criação procura homenagear todos aqueles que contribuíram para o registo etno-musical do Alentejo.

Felicito o barrista pela qualidade do seu trabalho e pela iniciativa de criar estas figuras, a qual além de louvável é simultaneamente uma forma de afirmação pessoal que constitui mais um passo importante na consolidação da sua carreira como barrista.

HernânMatos

(*) - “A necessidade da criação da Região Administrativa do Alentejo” no Encontro promovido pelo Movimento “Alentejo – Sim à Regionalização por Portugal”. Estremoz, Junta de Freguesia de Santa Maria, 24 de Outubro de 1998.

Tocador de pandeireta.

Tocador de bombo.

Tocador de tambor.

Tocador de ronca.

Tocador de cana rachada.

Tocador de cântaro.


Tocadora de udu.

Tocador de ferrinhos.

Tocador de reque-reque.
.
Tamborileiro.

Tocador de trancanholas.

Tocador de castanholas.

Tocador de chocalho.

Tocador de guizos.

Tocador de flauta.

Tocador  de viola campaniça.

Tocador de harmónio.

quarta-feira, 4 de junho de 2025

Rogério Ribeiro, homenageado no Museu do Neo-Realismo em Vila Franca de Xira

 

Rogério Ribeiro (1930-2008).



Inauguração da exposição
No passado dia 31 de Maio, teve lugar no Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, a inauguração da exposição “Fazer crescer a Vida - Rogério Ribeiro e o Neo-Realismo”.
Com notável curadoria de David Santos, Director Científico do Museu, a exposição ocupa os pisos 1 e 2, mostrando cerca de duzentas e cinquenta obras de pintura, desenho, gravura e cerâmica de Rogério Ribeiro.
O conjunto exposto está distribuído e estruturado em seis grandes tópicos aglutinadores: 1 – MAR E SARGAÇO; 2 – TERRA E CAMPESINATO; 3 – OPERARIADO E OUTROS TRABALHOS; 4 – FAMÍLIA E QUOTIDIANO; 5 – CORPO E ROSTO; 6 - ECOS DO REALISMO.
A exposição tem entrada livre e pode ser visitada até ao próximo dia 4 de Outubro.

Palavras do Presidente da Câmara
No livro que funciona como catálogo da exposição, o Presidente da Câmara Municipal, Fernando Paulo Ferreira, começa por declarar: “É com enorme satisfação que a Câmara Municipal de Vila Franca de Xira acolhe, no Museu do Neo-Realismo, a exposição “Fazer crescer a Vida - Rogério Ribeiro e o Neo-Realismo”, dedicada à fase neo-realista do pintor Rogério Ribeiro, uma das maiores figuras do realismo social no nosso país.” E no final: “Convido assim todos os munícipes e visitantes a descobrirem nesta exposição uma poderosa expressão da história, das lutas e dos sonhos do nosso povo durante o difícil período da ditadura do Estado Novo.”

Palavras do Curador
Igualmente no livro que funciona como catálogo da exposição, diz o Curador e Director Científico do Museu do Neo-Realismo, David Santos: “Rogério Ribeiro legou-nos um exercício artístico indissociável das formas narrativas e simbólicas do neo-realismo, reinterpretando nas suas fases mais tardias muitos dos elementos temáticos, ideológicos e contemplativos desse realismo original. O que o norteou ao longo desse percurso foi, afinal, um compromisso assente na vida e no seu valor supremo, o humanismo, desocultando a sua expressão social e política em interacção sensível com a manifestação dessa criatividade que associamos desde sempre à prática do desenho e da pintura. E o resultado desse desígnio mantém-se ainda hoje na força do testemunho, no assombro do real que as cores e as formas da arte alcançam quando nos lembram o rosto de um povo.”

A exposição em livro
Da exposição foi editado um portentoso livro de 300 páginas, ilustrado a cores, no qual figura o catálogo com as imagens e descrições de todas as obras expostas.
O catálogo é antecedido de importantes textos sobre a vida e obra de Rogério Ribeiro, bem como a sua colaboração com o Museu do Neo-Realismo. São eles: - Lembrar Rogério Ribeiro. Uma homenagem em forma de exposição (Fernando Paulo Ferreira); - História e arte em memória de Rogério Ribeiro (David Santos); - Fazer crescer a vida no assombro do real / Rogério Ribeiro e o neo-realismo (David Santos); - Rogério Ribeiro / as metamorfoses do neo-realismo (José Luís Porfírio); - Rogério Ribeiro e o Museu do Neo-Realismo (António Mota Redol); - Sobre o meu pai (1947-1953) (Ana Isabel Ribeiro); - As pinturas e os desenhos nas cartas (Ana Isabel Ribeiro).
Ao catálogo segue-se a Biografia de Rogério Ribeiro (Ana Isabel Ribeiro). O livro termina com uma minuciosa ficha técnica de todos os envolvidos na exposição.

Rogério Ribeiro e Estremoz
Rogério Ribeiro (1930-2008) é natural de Estremoz, onde nasceu em 1930 e aqui vive a sua primeira infância. Os pais fixam-se em Lisboa em 1940, mas ao longo da sua vida, mantém laços estreitos com Estremoz, não só através de familiares aqui residentes, como de amigos como Aníbal Falcato Alves, Jacinto Varela, Armando Carmelo, Francisco Falcato, Joaquim Vermelho e outros. Nos anos 80 do séc. XX chega a utilizar como atelier, o edifício da antiga cadeia, cedido pelo Município.
Tive o privilégio de o entrevistar em 1981 para o jornal Brados do Alentejo. Aí se falou de neo-realismo. Num enquadramento da exposição que o homenageia no Museu do Neo-Realismo, está patente um painel que destaca um excerto dessa entrevista.
Rogério Ribeiro foi co-autor do projecto da Galeria de Desenho do Museu Municipal de Estremoz, com Armando Alves, Joaquim Vermelho, José Aurélio e outros, concretizado em 1983, tendo dado um valioso contributo para a recolha de obras de arte por doação de artistas plásticos, as quais integram actualmente as valiosas reservas do Museu Municipal de Estremoz – Professor Joaquim Vermelho.
Estremoz foi palco de três exposições do pintor: - “ROGÉRIO RIBEIRO” / PINTURA, DESENHO E ILUSTRAÇÃO (1981), na Biblioteca Municipal de Estremoz; – “ROGÉRIO RIBEIRO / “MUDAM-SE OS TEMPOS, FICAM AS VONTADES” (2005), no Museu Municipal de Estremoz – Professor Joaquim Vermelho. – “EVOCAÇÃO E MEMÓRIA. PINTURA E DESENHO DE ROGÉRIO RIBEIRO” (2013), na Galeria Municipal D. Dinis, em Estremoz.
Em 2006, o Município de Estremoz, presidido por José Aberto Fateixa, outorgou ao artista plástico e a título póstumo, a Medalha de Mérito Municipal - Grau Ouro.
Em 2013, o Município de Estremoz, presidido por Luís Mourinha, perpetuou o nome do pintor na toponímia local, passando a partir daí a existir o topónimo “Rua Mestre Rogério Ribeiro”.
A exposição agora inaugurada no Museu do Neo-Realismo integra duas obras cedidas para o efeito pelo Museu Municipal de Estremoz e pertencentes ao seu acervo. São elas: - Estudo, 1952. Aguarela sobre papel, 30 x 43 cm; - Mondadeiras, 1952. Tinta-da-China e guache sobre papel, 35 x 45 cm.
De Estremoz, presentes ao acto inaugural e por iniciativa própria, estive eu e duas pessoas que me acompanharam. Seria de esperar que alguém com capacidade e poder de representação da comunidade estremocense, estivesse presente no acto inaugural da exposição do Museu do Neo-Realismo, já que esta visava homenagear Rogério Ribeiro, um dos maiores protagonistas do neo-realismo visual português e simultaneamente filho ilustre de Estremoz, a quem a comunidade muito deve. Todavia, tal não aconteceu. Aqui fica o registo.

Publicado no jornal E de 5 de Junho de 2025

Mulheres do sargaço (fragmento), 1953. Óleo sobre tela, 66,8 x 101,8 cm.
Assinado e datado. Colecção Herdeiros de Rogério Ribeiro.

Debulhadora (fragmento), 1954. Óleo sobre tela, 98,5 x 124 cm.
Assinado e datado. Colecção particular.

Sem título, sem data. Tinta-da-china e guache sobre papel, 49,9 x 34,8 cm. 
Colecção Herdeiros de Rogério Ribeiro.

Família, 1951. Óleo sobre cartão, 70 x 89,5 cm. Assinado e datado.
Colecção Museu Calouste Gulbenkian.

Sem título,1960. Grafite, guache e aguada sobre papel, 28,7 x 19,7 cm.
Assinado e datado. Colecção Herdeiros de Rogério Ribeiro.

Sem título, sem data. Grafite, aguada, tinta-da-china sobre papel.
42,9 x 31,2 cm. Colecção Herdeiros de Rogério Ribeiro.

domingo, 1 de junho de 2025

Estremocense, Mestre do Neo-Realismo, em terras de Vila Franca

 



Ontem, dia 31 de Maio, estive presente, por iniciativa própria, no acto inaugural da exposição “Fazer crescer a vida - Rogério Ribeiro e o Neo-Realismo”.

Com curadoria de David Santos, a exposição ocupa os pisos 1 e 2 do Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, mostrando cerca de duzentas e cinquenta obras de pintura, desenho, gravura e cerâmica de Rogério Ribeiro, um dos maiores protagonistas do neo-realismo visual português.

Rogério Ribeiro (1930-2008) é natural de Estremoz, onde nasceu em 1930. Tive o privilégio de o entrevistar em 1981 para o jornal Brados do Alentejo. Aí se falou de neo-realismo. Num enquadramento da presente exposição está patente um painel que destaca um excerto dessa entrevista.

O Município de Estremoz galardoou o artista em 2006 com a Medalha de Mérito Municipal - Grau Ouro e desde 2013 que a toponímia estremocense assinala a existência da rua “Mestre Rogério Ribeiro”.

A exposição “Fazer crescer a vida -. Rogério Ribeiro e o Neo-Realismo”, integra duas obras cedidas para o efeito pelo Museu Municipal de Estremoz e pertencentes ao seu acervo. São elas: - Estudo, 1952. Aguarela sobre papel, 30 x 43 cm; - Mondadeiras, 1952. Tinta-da-China e gouache sobre papel, 35 x 45 cm.

De Estremoz, presentes ao acto inaugural e por iniciativa própria, estive eu e duas pessoas que me acompanharam. Convenhamos que sabe a pouco.











quarta-feira, 21 de maio de 2025

Assobios de se lhes tirar o chapéu


Pucarinho enfeitado (assobio)

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Desde 2019 que venho acompanhando o trabalho da barrista Inocência Lopes e a ele me tenho referido nos meus escritos. Daí que possa afirmar que o mesmo se pauta por um estrito respeito pela técnica de produção e pela estética do Boneco de Estremoz. É, de resto, um trabalho revelador duma busca incessante de perfeição e de um caminho muito próprio.

A barrista, dotada de forte personalidade artística, tem-se afirmado através de um estilo pessoal, caracterizado por marcas identitárias diferenciadoras que a distinguem dos demais barristas.

A minha colecção integrava até agora apenas três trabalhos seus, correspondentes a temas que me são gratos: “Ceifeira”, “Primavera” e “Amor é cego”.  A eles se vieram juntar recentemente quatros assobios: “Pucarinho enfeitado”, “Candelabro enfeitado”, “Terrina enfeitada” e “Arco enfeitado”, encomendados há um ano atrás, no acto inaugural da sua exposição no Centro Interpretativo do Boneco de Estremoz. Tal facto é revelador de que a barrista “não tem mãos a medir”, o que muito me congratula, por confirmar o reconhecimento público do trabalho da barrista.

Os assobios criados por Inocência Lopes, constituem uma verdadeira mudança de paradigma. Na verdade, os assobios de barro vermelho de Estremoz integravam até então na sua decoração uma figura zoomórfica, antropomórfica ou mista. Com Inocência Lopes, os assobios passam também a incorporar espécimes de olaria enfeitada como elementos decorativos. Trata-se de uma inovação visualmente harmoniosa, que eu aplaudi e subscrevi, assim que se tornou conhecida.

Com tais criações a barrística de Estremoz ficou mais rica e a barrista prestou uma singela homenagem às bonequeiras de setecentos que estiveram na criação das peças de olaria enfeitada.

Bem-haja, Inocência Lopes. Estamos todos de parabéns.

Hernâni Matos


Candelabro enfeitado (assobio)

Terrina enfeitada (assobio)

Arco enfeitado (assobio)

quinta-feira, 8 de maio de 2025

A rua onde eu moro, que impressão me faz

 

Pedras há muitas


Há 52 anos que moro na rua de Santo André em Estremoz e há mais de 70 que habito na área circundante da vetusta Igreja de Santo André, demolida criminosamente nos anos 60 do século passado, vítima da sanha empreendedora do autodenominado Estado Novo, o qual não olhou a meios para ali construir o actual Palácio da Justiça.
Tenho plena consciência de que a “minha” rua não é o centro do Universo pelo facto de eu lá morar, nem tampouco o centro da cidade, apesar de se situar na sua zona central, contígua ao Rossio Marquês de Pombal, considerado a sala de visitas da urbe. Contudo, a minha sensibilidade leva-me a ter a percepção da realidade de tal microcosmo. Daí que o imperativo da minha consciência cívica me leve a partilhar com o leitor, em tom coloquial, algumas preocupações que por um motivo ou por outro, grassam o meu espírito.

Pedras há muitas
No início do passado mês de Fevereiro rebentaram as águas à terra-mãe, mesmo à entrada da rua de Santo André, junto ao local onde resido. Depois da rápida e bem-sucedida intervenção dos competentes serviços, o problema estava resolvido já no dia 4. Como memória desse dia, decorridos que são 3 meses, perduram as pedras da calçada, encostadas à parede lateral do Palácio da Justiça, como se de contraforte se tratasse. É sabido que a Justiça em Portugal está a precisar de uma reforma profunda. Porém, daí até pôr contrafortes nos Palácios da Justiça que por aí há, vai uma grande distância. É caso para dizer:
- Pedras há muitas, calceteiros é que não!

A sede do felino

A sede do felino
Há dias, em tarde soalheira, fui dar com um gatinho abandonado a beber água de uma cova da calçada, que a chuva da véspera ali vertera. Trata-se de uma das muitas concavidades presentes no local, cuja existência remonta ao tempo dos anteriores senhores. São depressões que teimam em manter uma convivência indesejada com os transeuntes e os veículos que por ali transitam. A imagem enternecedora do gatinho sequioso perdura ainda na minha retina. De tal modo que sou levado a perguntar:
- Que acontecerá ao gatinho se taparem as covas?

 O cemitério de beatas

O cemitério de beatas
A calçada negra, irregular e escalavrada, encontra-se em determinada zona, pejada e conspurcada por uma multiplicidade de beatas nela semeadas, preenchendo os interstícios das pedras. Em tempos de pandemia foram para ali atiradas, pisadas e esmagadas por fumadores, no decurso das infindáveis filas junto à padaria e ao multibanco. Por ali permanecem, vítimas da sua e nossa pouca sorte de termos um tal cemitério em plena via pública. Nem o céu as salvou. Pelo contrário, as águas celestiais vertidas por São Pedro sempre que assim o entendeu, encarregaram-se do resto, consolidando no solo as beatas jazentes. Qualquer delas, em ar de desafio, parece dizer-nos:
- Daqui não saio, daqui ninguém me tira!
No tempo em que havia varredores, elas já não estariam ali. Mas hoje, quando as vassouras são passeadas pela calçada, só é recolhido o lixo maior. Por isso, as beatas ali permanecem como libelo acusatório da falta de civismo dos fumadores, bem como indício e denúncia muda da falta de higiene urbana no local.
Todavia, o despontar das ervas nos passeios, associado a um cíclico renascer da natureza, constituem um lenitivo para as nossas mágoas e um hino de esperança em melhores dias que hão de vir.

Todos ao molho e fé em Deus

Todos ao molho e fé em Deus
No tempo da coligação da mãozinha com as setas (1986-1990) foi criado um parque de estacionamento em cima do passeio, junto aos contentores, o qual sem sobressaltos tem sido utilizado ao longo do tempo. A mãozinha livrou-se das setas (1990-1993), mas o parque de estacionamento continuou, prosseguindo no tempo da foicinha (1994-2005), a que se seguiu novamente o regresso da mãozinha (2005-2009). Depois, foi a vez do polegar levantado, à maneira de César (2009-2021). Retirado este de cena, lá veio novamente a mãozinha (2021-2025) e o parque continuou a ser usado. Por outras palavras, as pessoas têm usufruído do parque de estacionamento ao longo de quase 40 anos.
Acontece que por muitos afazeres ou por estarem distraídos, os senhores nos quais descarregamos periodicamente o papelinho, se esqueceram todos de legalizar o estacionamento, colocando no local a sinalização vertical prevista na lei. Tal omissão foi corrigida recentemente com a aposição no local de sinalização vertical, que restringe o estacionamento a 3 lugares, visando facilitar o acesso aos contentores do lixo e o trânsito pedonal para a Rua 5 de Outubro. Tratou-se de uma medida acertada, uma vez que o estacionamento no local foi sempre do tipo “Todos ao molho e fé em Deus”, como é timbre do Zé português.
Apesar de tudo, o problema não ficou resolvido, uma vez que a instalação da sinalização vertical não foi acompanhada da marcação horizontal a amarelo no pavimento, identificando a localização dos 3 lugares de estacionamento. Na sequência dessa omissão, continua “Tudo como dantes, quartel-general em Abrantes”. Por outras palavras, o estacionamento no local continua a ser do tipo “Todos ao molho e fé em Deus”. Daí que cada um vá estacionando o carro onde lhe dá mais jeito. Até ver.
Publicado no jornal E nº 356 de 8 de Maio de 2025

quarta-feira, 7 de maio de 2025

Espiga Pinto na Memória de Antigos Alunos

 

Da esquerda para a direita: José Manuel Varge, Hernâni Matos,
Hilário Modas e José Capitão Pardal.

Encerramento da exposição “Memórias do Alentejo”, de Espiga Pinto
Terminou no passado dia 27 de Abril em Estremoz, a exposição “Memórias do Alentejo”, apresentada pela Galeria Howard’s Folly e pelo Legado de Espiga Pinto, a qual ali esteve patente desde 16 de Março.
A mostra, que incluía pintura, desenho, gravura e escultura, visava celebrar o 85º aniversário do consagrado artista plástico José Manuel Espiga Pinto (1940-2014), natural de Vila Viçosa, pintor da 3ª Geração Modernista e da fase tardia do Neo-realismo, o qual foi professor de Desenho na Escola Industrial e Comercial de Estremoz (1960-1965),
As obras expostas, num total de 40, foram criadas na região na década de 60. Interpretam duma forma magistral as mais variadas cenas da vida agro-pastoril do Alentejo da época, constituindo assim um reflexo da identidade cultural alentejana. .

Encontro de antigos alunos de Espiga Pinto
O encontro ocasional de antigos alunos de Espiga Pinto no acto inaugural da exposição, levou-os a recordar a sua vivência com aquele professor/artista durante a sua permanência em Estremoz. Falaram então da simpatia que gerou entre eles, da importância que teve no seu crescimento enquanto jovens e que os marcou muito positivamente. Vá daí que tenham pensado em transmitir individualmente e duma forma organizada esse testemunho, aos filhos Aurora e Leonardo Espiga Pinto, presentes no acto inaugural. Estes acolheram entusiasticamente a ideia, pelo que eu, que não fui aluno do pintor, na qualidade de admirador e de coleccionador, me disponibilizei a dinamizar um Encontro de antigos alunos de Espiga Pinto, o que acabou por ser feito depois de ter sido acordado o local, a data e a hora.
Foi assim que no último dia da exposição e no local da mesma, foram recolhidos a partir das 15 horas, os testemunhos individuais de antigos alunos que foram gravados em vídeo para memória futura. Presentes António Mourato, Arcângela Figueiredo, Conceição Baleizão, Filomena Proença, José Manuel Varge, Hilário Modas, João Proença, João Fortio, José Capitã Pardal, José Luís Garcia e Teodora Mau-Homem Dimas. No final do Encontro era visível a satisfação patente nos seus rostos após o relato da sua vivência com o professor e pelo reencontro de alguns que já não se viam há bastante tempo.

O Encontro visto pelos filhos de Espiga Pinto
Em missiva que me foi enviada após o Encontro e falando em seu nome e em nome de sua irmã Aurora, diz Leonardo Espiga Pinto em jeito de balanço geral do evento: “Foi para nós uma oportunidade inesquecível, de conhecer melhor a faceta de professor do nosso pai, Espiga Pinto (1940-2014). Os testemunhos que recolhemos em Estremoz relatam vivências emocionadas e emocionantes de alunos de 10-13 anos de idade, no Portugal profundo dos anos sessenta do séc. XX, e o impacto que um jovem professor de desenho trouxe às suas vidas.”
Esmiuçando o Encontro acrescenta: “Os ex-alunos foram unânimes na descrição de um homem firme, mas que os marcou pela forma positiva como manifestava a sua crença no potencial único de cada um. Ouvimos histórias sobre este jovem professor — tinha então pouco mais de vinte anos e recém-chegado a Estremoz vindo da Escola Superior de Belas-Artes — que aplicou métodos muito próprios e inovadores de experimentação artística, criando memórias que, sessenta anos volvidos, ainda despertam emoções e saudade.”
Referindo-se à exposição “Memórias do Alentejo”, prossegue: “Quando aceitámos o convite de Howard Bilton, proprietário da Galeria Howard's Folly, para expor a arte de ESPIGA Pinto em Estremoz, foi precisamente com a esperança de que memórias como estas surgissem e de que aqueles que conheceram e privaram com o nosso pai pudessem revisitar a sua obra.” E acrescenta: “Ficamos com sentimento de missão cumprida pelo significativo número de pessoas que visitaram a exposição, vindas um pouco de todo o país, mas especialmente, aos Alentejanos que quiseram partilhar estas Memórias.” Finaliza, expressando “a nossa gratidão a todos os ex-alunos que puderam vir e pela generosidade com que partilharam memórias tão ricas e vividas do nosso pai."

Epílogo
A meu ver, a evocação da memória de Espiga Pinto por alguns dos seus antigos alunos de há sessenta anos, merecia e devia ser retomada, agora duma forma institucional pela Escola onde foi Professor e da qual actualmente é herdeira, a Escola Secundária da Rainha Santa Isabel, em Estremoz. Aqui fica o alvitre.

Publicado no jornal E nº 356 de 8 de Maio de 2025