segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Quando a mudez fala por si

 

Fig. 1 - Bacia em barro vermelho vidrado de Redondo.


Prólogo
Proponho-me analisar um objecto cerâmico (Fig. 1) que não pode integrar a chamada “cerâmica falante”, visto não conter dizeres inscritos. Todavia, tem muito para nos contar, como veremos de seguida.

Identificação e dimensões
Trata-se de uma bacia em barro vermelho vidrado de Redondo, decoração pintada em tons de verde, amarelo e ocre. As dimensões são as seguintes: diâmetro da base: 34 cm; diâmetro exterior da abertura: 46 cm; diâmetro interior da abertura: 44 cm; largura do bordo: 1 cm; Altura: 11 cm.

Decoração
Bordo liso, pincelado irregularmente a verde. Pinceladas amarelas, ocres e verdes, reunidas em grupos afastados entre si. Estas pinceladas dirigem-se todas do bordo para o fundo, ao longo do covo, desviadas para a direita.
O fundo da bacia está decorado com uma bandeira quadrada e bipartida verticalmente em duas cores, verde escuro e ocre, ficando o ocre do lado da tralha. Ao centro e sobreposta à união das cores, figura uma esfera armilar em amarelo e assente sobre elas um escudo de armas com uma alegoria à República. Esta é materializada sob a forma de figura feminina, usando na cabeça um barrete frígio vermelho, o qual desde o séc. XVIII é conhecido como um símbolo de liberdade.

Bandeira nacional
Com a queda da Monarquia a 5 de Outubro de 1910, ocorre uma mudança de paradigma. As instituições e símbolos monárquicos (Rei, Cortes, Bandeira Monárquica e Hino da Carta) são proscritos e substituídos pelas instituições e símbolos republicanos (Presidente da República, Congresso da República, Bandeira Republicana e A Portuguesa), o mesmo se passando com a moeda e as fórmulas de franquia postais.
Visando a criação de uma nova bandeira para o regime republicano, por decreto de 15 de Outubro de 1910, o Governo Provisório nomeou uma “Comissão da Bandeira” integrada por Columbano Bordalo Pinheiro (pintor), Abel Botelho (escritor), João Chagas (jornalista e político), Ladislau Pereira (tenente) e Afonso Palla (capitão).
Poucos dias depois, em 29 de Outubro, a Comissão apresentou ao Governo Provisório uma primeira proposta de bandeira (Fig. 3), assente num cromatismo verde-rubro, o qual remonta ao movimento do 31 de Janeiro de 1891. Também em 5 de Outubro, foi utilizado por Machado Santos na Rotunda e, depois, em todos os quartéis e no alto do Castelo de São Jorge. A proposta, foi de resto, inspirada na bandeira da Carbonária (Fig. 2), sociedade secreta e revolucionária, que teve papel determinante na Revolução de 5 de Outubro de 1910.
Para além daquela proposta e como resultado do entusiasmo popular que então se vivia, surgiram ainda inúmeras outras propostas, suscitando todas elas um debate público muito vivo, centrado no cromatismo e no simbolismo da bandeira.
A 29 de Novembro, após algumas alterações à primeira proposta da Comissão, o Governo Provisório aprovou o projecto final da bandeira (Fig. 4): a bandeira verde e rubra, que após ser produzida pela Cordoaria Nacional, foi distribuída por todo o país.
A decisão do Governo Provisório viria a ser ratificada por decreto aprovado pela Assembleia Nacional Constituinte, na sua sessão inaugural, a 19 de Junho de 1911.

Datação da bacia
A bandeira que decora o fundo da bacia não corresponde ao modelo aprovado pelo Governo Provisório, pelo que se trata de um dos inúmeros projectos que vieram a público, antes do modelo ser aprovado. Tal facto, leva-nos a admitir que a bacia tenha sido produzida no período 1910-1911. Vejam lá a estória que a bacia tinha para nos contar.

BIBLIOGRAFIA

- ARQUIVO NACIONAL ALFREDO PIMENTA. República na Cidade. [Em linha]. Disponível em: https://www.amap.pt/p/hist-republica-na-cidade-2 [Consultado em 01 de Outubro de 2021].
- COMISSÃO NACIONAL PARA AS COMEMORAÇÕES DO CENTENÁRIO DA REPÚBLICA. Projectos de bandeira nacional. [Em linha]. Disponível em: https://5outubro.centenariorepublica.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=100&Itemid=98 [Consultado em 01 de Outubro de 2021].
- MUSEU DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Bandeira Nacional. [Em linha]. Disponível em: https://www.museu.presidencia.pt/pt/conhecer/simbolos-nacionais/bandeira-nacional/ [Consultado em 01 de Outubro de 2021].
- PARTIDO POPULAR MONÁRQUICO DE BRAGA. Bandeira nacional de Portugal. [Em linha]. Disponível em: https://ppmbraga.blogspot.com/2014/02/bandeira-nacional-de-portugal.html [Consultado em 01 de Outubro de 2021]. 

Publicado inicialmente a 4 de Outubro de 2021

Fig. 2 - Bandeira da Carbonária.

Fig. 3  - Bandeira portuguesa - 1.ª proposta da Comissão de Bandeira.

Fig. 4 - Bandeira portuguesa - 2.ª proposta da Comissão de Bandeira.

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Luísa Batalha e a escultura em alto relevo


Senhora de pezinhos (2021). Escultura em alto relevo. Luísa Batalha (1959-  ).


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Pródomo
Em Junho deste ano reconheci a existência de uma nova tipologia ignorada na minha proposta de Sistemática dos Bonecos de Estremoz, formulada no meu livro BONECOS DE ESTREMOZ, dado à estampa pelas Edições Afrontamento, no Outono de 2018. Tratava-se das “Esculturas em alto relevo”. Descrevi então dois tipos dessas esculturas. Um característico de José Moreira e o outro de Sabina Santos e das Irmãs Flores.
Na mesma ocasião lancei um repto à retoma da produção desse tipo de figuras, o qual encontrou eco junto dos novos barristas. Destes, a primeira a responder ao desafio, foi Luísa Batalha.

Placa relevada com “Senhora de pezinhos”
A criação de Luísa Batalha apresenta as características que passo a descrever. A placa relevada tem geometria quadrangular com 14 cm de lado e cerca de 19 cm de diagonal. O fundo é verde bandeira e a orla zarcão. A disposição do motivo é a da diagonal do quadrado. A suspensão da placa na parede é assegurada através de uma argola de arame cravada no topo superior do lado posterior da placa. No verso ostenta a marca manuscrita “Luisa Batalha / Estremoz / 2021”, distribuída por 3 linhas sensivelmente paralelas.
O vestido, de cor ocre amarelo, tem componentes volumétricos que foram modelados em barro: a gola, os punhos, a orla inferior do vestido e os botões. Estes elementos, assim como as costuras que à frente descem dos ombros, são cor de zarcão. Na zona dos cotovelos são visíveis as dobras das mangas.
O chapéu encontra-se ornamentado por uma garbosa fita cor de zarcão onde está inserida uma pluma de igual cor e deixa ver cabelo castanho ondulado que cobre as orelhas, das quais sobressaem pendentes que configuram ser de ouro.
Os sapatos são em castanho escuro.
O rosto tem bem definidos o nariz, a boca e as maçãs do rosto, os quais conjuntamente com o olhar, se revelam marcas identitárias da barrista.

Desenlace
O cromatismo da figura assenta numa harmoniosa bicromia de duas cores quentes, o zarcão e o ocre amarelo, sendo este a cor dominante. O ocre amarelo associa à figura, um misto de sentimento de alegria e de estado de felicidade. Já o zarcão alia à imagem uma sensação de energia.
O fundo verde bandeira da placa e a figura no seu todo, constituem uma bicromia de frio e quente, o que enfatiza a figura.
A modelação perfeita associada a um cromatismo de bom gosto, traduzem-se num regalo para os olhos: uma placa relevada com uma Senhora de pezinhos bela, elegante, alegre, aparentando felicidade e vigor.
A criação de Luísa Batalha é reveladora de toda a sua sensibilidade, bom gosto, espírito de minúcia e ânsia de perfeição. A barrista é, pois, merecedora dos meus maiores encómios, o que aqui registo e sublinho para memória futura.

Publicado inicialmente a 23 de Setembro de 2021

terça-feira, 14 de setembro de 2021

Jorge Sampaio na barrística de Estremoz

 

Jorge Sampaio (1996). João Fortio (1951-...)

Jorge Sampaio (1939-2021,) o Presidente da República cuja morte recente foi assinalada por três dias de luto nacional e cerimónias fúnebres de Estado, está representado na barrística de Estremoz.

Primeira presença
Trata-se de um prato covo de média dimensão, em cerâmica vidrada, da autoria do barrista João Fortio (1951-….). Está ilustrado no centro com uma caricatura de Jorge Sampaio da autoria de Aníbal Queiroga (Évora). No fundo ostenta as inscrições: “JORGE SAMPAIO / 9-3-1996 / Presidente da República” e no bordo quatro ramagens. A decoração do prato é uma quadricromia, obtida com tons de azul, verde, preto e laranja.
Estamos em presença de um prato falante que visava comemorar a eleição de Jorge Sampaio para o seu primeiro mandato com Presidente da República (1996-2001). Daí a data inscrita no prato ser a data da sua tomada de posse para o cargo.
A manufactura do prato foi de iniciativa minha como membro da Comissão de Honra de Estremoz, de apoio à Candidatura de Jorge Sampaio a Presidente da República. A tiragem do prato foi de 8 exemplares, um dos quais foi oferecido a Jorge Sampaio para o Museu da Presidência da República.

Segunda presença
Trata-se de um Boneco de Estremoz da autoria da barrista Isabel Catarrilhas Pires (1955-….). Representa Jorge Sampaio na sua condição de Presidente da República, sentado à secretária no seu gabinete. Tem à sua esquerda a Constituição da República Portuguesa que jurou “defender, cumprir e fazer cumprir”. Tem à sua direita a Bandeira Nacional, “símbolo da soberania da República, da independência, da unidade e integridade de Portugal”.
A decoração do Boneco foi efectuada com castanho, preto, vermelho, verde e amarelo, com predominância de cores neutras (castanho e preto), o que confere uma certa solenidade e mesmo austeridade à representação.
Trata-se de uma figura que visava assinalar a eleição de Jorge Sampaio para o seu segundo mandato como Presidente da República (2001-2006).
A manufactura do Boneco foi de iniciativa do Professor Brito Vintém, que segundo a barrista Isabel Pires, em Outubro de 2001 o ofereceu a Jorge Sampaio para o Museu da Presidência da República.



Jorge Sampaio (2001). Isabel Catarrilhas Pires (1955-...)

Publicado inicialmente a 14 de Setembro de 2021

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

1961 - O Princípio do Fim

 

REDONDO - Prato Falante com a inscrição "Recordação de 1961".
Prato covo de grandes dimensões. Esgrafitado e pintado.


Prólogo

Ao inventariar mais um prato da minha colecção de cerâmica de Redondo, constatei que à semelhança de outros, integrava o sub-grupo da Cerâmica Falante, visto incluir uma inscrição: “Recordação de 1961”.
Tal inscrição deu-me que pensar. Porquê 1961? Porquê este ano e não outro? Que aconteceu de especial em Portugal no ano de 1961? Para procurar resposta a esta questão, consultei as efemérides de 1961 em múltiplas fontes. Do fruto desse trabalho dou conta seguidamente.

Efemérides de 1961
As efemérides do ano de 1961 que têm a ver com Portugal são as seguintes:
21 DE JANEIRO - O paquete Santa Maria foi tomado de assalto por um comando liderado pelo então capitão Henrique Galvão. A operação visava desencadear um golpe de Estado capaz de derrubar o regime de Salazar.
4 DE FEVEREIRO – Tem início a guerra colonial quando um grupo de cerca de 200 angolanos, afectos ao MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), atacou a Casa de Reclusão Militar, em Luanda, a Cadeia da 7.ª Esquadra da Polícia, a sede dos CTT e a Emissora Nacional de Angola.
20 DE FEVEREIRO – A Libéria com o apoio de três dezenas de Estados africanos e asiáticos, requere uma reunião urgente do Conselho de Segurança da ONU, para adoptar medidas imediatas, visando impedir que os direitos humanos continuem a ser violados em Angola.
15 DE MARÇO – É aprovada uma moção do Conselho de Segurança da ONU a condenar a situação em Angola, a qual é votada favoravelmente pelos Estados Unidos e pela União Soviética.
25 DE MARÇO – A UPA (União das Populações de Angola) inicia a sua luta armada no norte de Angola, nomeadamente no concelho do Uíge, estendendo-se posteriormente para o sul, até à actual província de Bengo.
4 DE ABRIL - A Assembleia-Geral da ONU aprova uma moção a favor da autodeterminação de Angola.
13 DE ABRIL – O Ministro da Defesa, general Botelho Moniz, lidera as chefias das Forças Armadas numa tentativa fracassada de golpe de Estado, destinado a exonerar Salazar e a promover a reforma do Estado Novo.
20 DE ABRIL - A Assembleia Geral da ONU aprova, por 73 votos contra 2 (Portugal e África do Sul) e 9 abstenções (entre as quais, do Brasil, França e Reino Unido), a resolução 1603 (xv), incitando o governo português a promover urgentemente reformas que dessem cumprimento à Declaração Anticolonialista, tendo em devida conta os direitos humanos e as liberdades fundamentais.
9 DE JUNHO – Através da resolução 163, o Conselho de Segurança da ONU apela para Portugal desistir de medidas repressivas em Angola e manifesta a esperança de que será encontrada uma solução pacífica para o conflito.
10 DE NOVEMBRO - Tem lugar a operação Vagô, no decurso da qual Palma Inácio, acompanhado de outros revolucionários, desvia um avião da TAP da carreira Casa Blanca – Lisboa e com ele sobrevoa a baixa altitude, Lisboa, Barreiro, Setúbal, Beja e Faro, lançando cerca de 100 mil panfletos com apelos à revolta popular contra a ditadura. A operação salda-se por um êxito, já que o avião regressa incólume a Casa Blanca, sem que os caças da FAP consigam interceptar o avião.
18 DE DEZEMBRO – Chega ao fim o domínio português de mais de 450 anos na Índia, quando as tropas indianas entram em Goa, Damão e Diu, quase sem resistência.
31 DE DEZEMBRO – Na noite da passagem de ano de 1961 para 1962, tem lugar a gorada Revolta de Beja, tentativa de golpe civil e militar, que sob o comando do então capitão Varela Gomes, procurava derrubar o regime de Salazar a partir do assalto e ocupação do quartel do Regimento de Infantaria N.º 3, em Beja.

Epílogo
Em Portugal, o ano de 1961 ficou assinalado por diversos acontecimentos, através dos quais o regime de Salazar se vê confrontado com ameaças em múltiplas frentes, ainda que o governo tenha conseguido dar resposta à maioria dos problemas.
A sucessão de acontecimentos criou nas hostes oposicionistas a convicção de que o regime de Salazar tinha os dias contados. Tratou se de uma ilusão, já que o regime só seria derrubado 13 anos depois, com o golpe militar de 25 de Abril de 1974. Todavia, o ano de 1961, considerado por muitos o “horribilis annus” para a ditadura de Salazar, marca o princípio do fim do Estado Novo. Daí não ser despropositado admitir que a inscrição “Recordação de 1961” inserida no prato, visasse perpetuar como memória futura, o que de extraordinário aconteceu nesse ano em Portugal.
Publicado inicialmente a 13 de Setembro de 2021

sábado, 11 de setembro de 2021

Ave Maria

 

REDONDO - Prato Falante com a inscrição "Maria" e a mensagem "Ave Maria", 
que para os cristãos tem um profundo significado religioso. Prato covo de média
dimensão.  Esgrafitado e pintado.

Preâmbulo
Ao inventariar um dos pratos da minha colecção de cerâmica de Redondo, constatei que ele integrava o sub-grupo da Cerâmica Falante, visto incluir uma inscrição: o antropónimo “Maria”.
Esta inscrição suscitou-me primeiro alguma reflexão e levou-me posteriormente a trazer à luz do dia, alguma literatura de tradição oral, centrada no antropónimo “Maria”.

O porquê duma inscrição
A visualização do prato pode suscitar várias interpretações. Assim, tendo em conta apenas a inscrição "Maria", posso ser conduzido a uma das seguintes interpretações:
- Pode ter sido manufacturado e dedicado a uma certa “Maria”;
- Pode ter sido encomendado por uma mulher chamada “Maria”;
- Pode ter recebido a inscrição “Maria” por ser o nome feminino mais frequente, o que tornaria o prato mais fácil de vender.
Todavia, a minha interpretação pode ter em conta a conjugação da palavra que representa a imagem (Ave) com a inscrição "Maria". Chego então à frase "Ave Maria", que tem para os cristãos um profundo significado religioso.
Inclino-me, naturalmente, para esta última interpretação, visto ser a mais plausível. O prato para além de integrar a chamada Cerâmica Falante, é um prato que ostenta uma mensagem de saudação à Virgem Maria, transmitida através da oração "Ave Maria", 

Origem do nome Maria
Maria é um nome de origem controversa, muito difundido por todo o mundo, mesmo antes da época de Jesus Cristo. Há quem creia que seja derivado do hebraico Miriam (Senhora Soberana). Outros crêem tratar-se de um nome originalmente egípcio, derivado de Mry (Amada) ou Mr (Amor). Há ainda quem acredite que o nome tenha origem no sânscrito Maryáh (Virgem).

O nome Maria na Bíblia
Maria é um dos nomes mais comuns de todo o mundo há séculos, especialmente por causa da Virgem Maria, a mulher judia que morava em Nazaré e foi escolhida por Deus para ser a mãe de Jesus Cristo. De acordo com o Evangelho segundo São Lucas:
No sexto mês Deus enviou o anjo Gabriel a Nazaré, cidade da Galileia, a uma virgem prometida em casamento a certo homem chamado José, descendente de David. O nome da virgem era Maria.
O anjo, aproximando-se dela, disse: "Alegre-se, agraciada! O Senhor está com você!"
Maria ficou perturbada com essas palavras, pensando no que poderia significar esta saudação. Mas o anjo lhe disse: "Não tenha medo, Maria; você foi agraciada por Deus! Você ficará grávida e dará à luz um filho, e lhe porá o nome de Jesus. Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo. O Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi, e ele reinará para sempre sobre o povo de Jacó; seu Reino jamais terá fim". LUCAS 1:26-33.

Antroponímia
“Maria” é o nome próprio feminino mais comum há séculos em Portugal e em quase todo o número. O antropónimo simples “Maria” pode integrar elevado número de antropónimos compostos femininos, tais como: Maria Antónia, Maria Augusta, Maria Clara, Maria Madalena, Maria da Assunção, Maria da Conceição, Maria da Cruz, Maria da Fé, Maria da Graça, Maria da Luz, Maria da Paz, Maria da Piedade, Maria da Purificação, Maria das Dores, Maria de Fátima, Maria de Jesus, Maria de Lourdes, Maria do Amparo, Maria do Céu, Maria do Socorro, Maria dos Anjos, Maria dos Prazeres, Maria dos Remédios, Maria Francisca, Maria João, Maria Joaquina, Maria Luísa, Maria Madalena, Maria Manuela, Maria Rosa, Maria Santos, Ana Maria, Eduarda Maria, Fernanda Maria, Filomena Maria, Joana Maria, Rosa Maria, etc. Constata-se que grande número destes antropónimos compostos femininos, utiliza Maria como primeiro nome, sendo o segundo um nome com referências gratas aos católicos
O antropónimo simples “Maria” pode integrar igualmente antropónimos compostos masculinos, dos quais destaco: António Maria, João Maria, José Maria, Manuel Maria, etc.

Toponímia
O antropónimo “Maria” integra a designação de vários topónimos relativos a lugares de freguesias de determinados concelhos portugueses. Usando a notação “LUGAR – Freguesia (Concelho)” temos: MARIA DIAS [Penamacor (Penamacor)], MARIA DO CIZO [Coruche (Coruche)], MARIA DO VALE [Nossa Senhora das Neves (Beja)], MARIA GOMES [Machin (Pampilhosa da Serra)], MARIA MARTINS [Monsanto (Idanha-a-Nova)], MARIA MENDES [Serpins (Lousã)], MARIA PIRES [Alvor (Portimão)], MARIA RUIVA [Arcos (Estremoz)], MARIAS [Marmelete (Monchique)], MARIA VINAGRE [Aljezur (Aljezur)].

Gíria Popular
A gíria popular assume importância, enquanto valor acrescentado à linguagem dita erudita. Daí que tenha procurado referenciar a presença do antropónimo “Maria” na gíria popular e dar conta do respectivo significado:
- DO TEMPO DA MARIA CACHUCHA (Muito antigo), - MARIA (A mulher em geral; a esposa), - MARIA DA FONTE (Desordem), - MARIA DAS PERNAS COMPRIDAS (A chuva), - MARIA DE BARBA (Mulher perigosa – Alentejo), - MARIA RAPAZ (Rapariga que pelo aspecto físico e/ou comportamento se parece com um rapaz), - MARIA VAI COM AS OUTRAS (Pessoa que não pensa por si, limitando-se a fazer os que os outros fazem), - MARIA-CACHUCHA (Rapariga folgazona), - MARIA-FUMAÇA(Locomotiva), - MARIA-FRANCISCA (Prostituta-Baixo Alentejo), - MARIA-GOMES (Designação dada à planta Beldroega-grande), - MARIA-GORDA (Designação dada à planta Beldroega-grande), - MARIA-MALUCA (Rapariga destrambelhada), - MARIA-MIJONA (Adolescente que ainda faz chichi na cama), . MARIA-VITÓRIA (Palmatória), - MAU MARIA! (Interjeição de descontentamento e ameaça), - MULHER DA GRADE (Bruxa-Sangalhos), - TEM-TE MARIA, NÃO CAIAS! (Tem-te, não caias).

Adivinhas
Conheço as seguintes adivinhas cuja solução envolve o antropónimo Maria:
- O pai de Maria tem 5 filhas. Naná, Nené, Niní, Nonó e…? (SOLUÇÃO: Maria);
- Se a filha da Maria é a mãe da minha filha, o que sou eu da Maria? (SOLUÇÃO: Filha da Maria).

Alcunhas alentejanas
Como era expectável, o nome Maria integra o vasto universo das alcunhas alentejanas. Passemos em revista alguma dessa presença: - MARIA DA FEIXOCA - Nome atribuído a uma mulher que apanha feixes de lenha (Campo Maior); - MARIA DA RAPINA - A visada morou num monte com esse nome (Santigo do Cacém); - MARIA DA SEMPRE NOIVA - A nomeada viveu numa herdade com este nome (Arraiolos); - MARIA DA SEXTA – Alcunha atribuída a mulher que é vendedora ambulante e costuma fazer os mercados semanais à sexta-feira (Marvão); - MARIA DAS PERNAS À BANDA - Denominação outorgada a uma mulher que tem as pernas tortas e curvadas para dentro (Alcácer do Sal); - MARIA DO ALCAROU - A receptora habitou num monte com este nome (Évora); - MARIA DO AVIÁRIO - A alcunhada tem este nome porque teve um aviário (Almodôvar); - MARIA DO CRÉ - A visada morou num monte com esse nome (Évora e Moura); - MARIA DO LEITE - A nomeada foi leiteira (Santiago do Cacém); - MARIA DO MOIRÃO - A receptora recebeu esta alcunha porque está sempre a espreitar ao pé de um muro (Moura); - MARIA DO VALE MEQUE – Alcunha outorgada a mulher que viveu num monte com este nome (Cuba); - MARIA DOS ARNEIROS ALTOS – A visada é uma mulher que habitou num monte com este nome (Santiago do Cacém); - MARIA QUERES MAIS CHÁ? - Velhota que gostava muito de chá (Reguengos de Monsaraz).

Cancioneiro Popular
É sabido que o Alentejo é uma das regiões do país, com menor religiosidade popular. Tal facto não impediu que o cancioneiro popular alentejano registasse quadras de exaltação à Virgem Maria:

Não há homem como Deus,
Nem mulher como Maria,
Nem’strela como a do Norte
E nem luz como a do dia.

Chamaste-me amor perfeito,
Coisa que a terra não cria.
O amor perfeito é Deus,
Filho da Virgem Maria.

As nuvens no céu se tingem
N’um arco de sete cores.
São sete as dores de Maria,
São setenta as minhas dores.

Esta noite à meia noite,
À meia noite seria,
Ouvi cantar os anjos
E mais a Virgem Maria.

Sendo Maria o nome mais comum entre mulheres, não é de admirar que o cancioneiro popular alentejano e, em particular, o cancioneiro amoroso, inclua quadras com aquele nome inscrito:

Eu, do nome que mais gosto
É do nome de Maria.
Quem te pôs tão lindo nome,
Meu segredo já sabia.

Maria estás encoimada,
Vou dizê-lo a teu pai,
Deitaste a água na rua
E sem dizer – água vai.

O coração de Maria
Dizem que o tenho eu.
O coração sem o corpo,
Para que o quero eu?

Por Maria é que eu me morro,
E por Ana é que eu padeço.
Se não lograr uma delas,
Estou certo que endoideço.

Epílogo
Apesar do título do presente texto ser simplesmente “Ave Maria”, a abordagem do tema “deu pano para mangas”, o que é revelador da riqueza da nossa literatura de tradição oral, a qual carece de maior divulgação numa época em que se procura enfatizar o património cultural imaterial.

BIBLIOGRAFIA

BESSA, Alberto. A Gíria Portugueza. Gomes de Carvalho-Editor. Lisboa, 1901.
BELO, Ana. Mil e tal nomes próprios. Arte Plural, Edições. Cascais, 2007.
LAPA, Albino. Dicionário de Calão. Edição do Autor. Lisboa, 1959.
NEVES, Orlando. Dicionário de Expressões Correntes (2º ed.). Editorial Notícias. Lisboa, 2000.
NEVES, Orlando. Dicionário de Nomes Próprios. Círculo de Leitores. Lisboa, 2003.
PIRES, A. Tomaz. Cantos Populares Portuguezes. Vol. I e Vol.II. Typographia Progresso. Elvas, 1902 e 1905.
PRAÇA, Afonso. Novo Dicionário de Calão. Editorial Notícias. Lisboa, 2001.
RAMOS, Francisco Martins & SILVA, Carlos Alberto da. Tratado das Alcunhas Alentejanas. 2ª edição. Edições Colibri. Lisboa, 2003.
SANTOS, António Nogueira. Novo dicionário de expressões idiomáticas. Edições João Sá da Costa. Lisboa, 1990.
SIMÕES, Guilherme Augusto. Dicionário de Expressões Populares Portuguesas. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1993.

Publicado inicialmente a 10 de Setembro de 2021

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Os assobios de Carlos Alves

 

Assobios. Carlos Alves.

Intróito
Tirando o cesto de ovos e a galinha no choco, estão todos a cantar de galo. Oh que grande barulheira! Parece que os assobios assobiam como deve ser e tudo. O que nem sempre acontece, pois já os tenho ouvido roufenhos.
Parabéns pelo concerto galináceo e pelo desconserto causado pela beleza ostentada pelos animais de penas. Oh que pena que tenho de não ter ainda um assobio destes. Não fosse andar depenado e ele já cá cantaria. Perdão, assobiaria.

Marcas identitárias muito próprias
Uma análise pormenorizada dos assobios de Carlos Alves, revela que eles têm de comum as seguintes características: - Base de forma cilíndrica, com topo de cor castanho claro e orla em vermelhão; - Topo da base decorado com grupos de pintas nas cores: rosa, laranja, branco, amarelo e verde; - Tubo de sopro de forma cilíndrica, ligeiramente cravado na base e dirigido segundo o raio da base do cilindro, até ao centro. O tubo de sopro é de cor castanha clara com a extremidade na cor do barro. Resumindo: os assobios de Carlos Alves apresentam marcas identitárias muito próprias que os levam a diferenciar dos assobios dos demais barristas, o que é de louvar. Isto associado a uma modelação perfeita e a uma decoração muito agradável, torna-os muito apelativos, o que se salienta com agrado.

Publicado inicialmente a 9 de Setembro de 2021

Cesto de ovos.

Galinha no choco.

Galo.

Galo.

Galo no tronco.

Calo na árvore.

Galo no arco.

Galo no poleiro.

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Estremoz e o Feriado Municipal



A 31 de Agosto de 2021, completaram-se 95 anos sobre a elevação de Estremoz à categoria de cidade, na sequência do Decreto n.º 12.227, publicado no Diário do Governo desse dia.

Dia da Cidade
Seria expectável que a 31 DE AGOSTO de cada ano, fosse comemorado o DIA DA CIDADE, assinalado como Feriado Municipal, por ter sido nesse dia que a "Notável Villa de Estremoz" foi objecto de ELEVAÇÃO à categoria de CIDADE.
Todavia tal não acontece e o Dia da Cidade é assinalado com Feriado Municipal na Quinta-Feira da Ascensão e Dia da Espiga, data móvel do calendário litúrgico, importante para os cristãos e que ocorre no quadragésimo dia após a ressurreição de Jesus, assinalando a sua Ascenção (Elevação) ao Céu.
Apesar de toda a respeitabilidade de que é merecedora a efeméride religiosa, isso não justifica de modo algum que a data seja considerada Dia da Cidade e Feriado Municipal, em detrimento da data de 31 de Agosto, em que Estremoz ascendeu e muito bem à categoria de cidade.

O seu a seu dono
Perante a dúvida que possa surgir nalguns espíritos, creio ser aqui aplicável a sentença latina “Redde Cæsari quæ sunt Cæsaris, quæ sunt Dei, Deo”, cujo significado é “A César o que é de César, a Deus o que é de Deus”. Trata-se de uma frase atribuída a Jesus nos evangelhos sinópticos (Mateus 22:21), Marcos 12 (Marcos 12:17) e Lucas 20 (Lucas 20:25), quando lhe perguntaram se devia pagar o tributo a César e cujo sentido é: “Dê-se a cada um aquilo a que tem direito”.
A meu ver, a comemoração da Ascensão de Jesus ao céu, é de âmbito cristão. Pelo contrário, a comemoração da elevação de Estremoz à categoria de cidade, é do foro cidadão. Dito por outras palavras: “A cada um o que é seu” (“Unicuique suum”).

Uma sugestão
Creio que que o Executivo Municipal saído das eleições autárquicas do próximo dia 26 de Setembro, poderia e deveria reflectir sobre este assunto. Aqui fica a sugestão.

Publicado inicialmente a 1 de Setembro de 2021