quarta-feira, 15 de julho de 2020

Madalena Bilro e a Senhora de pezinhos


Senhora de pezinhos (2020) - Parte da frente. Madalena Bilro (1959-  ).

À laia de apresentação
Madalena Bilro (1959-  ) é uma barrista que frequentou o Curso de Formação sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz, que no ano transacto teve lugar em Estremoz, no Palácio dos Marqueses de Praia e Monforte. Anteriormente já tivera formação na Academia Sénior de Estremoz, orientada por Isabel Água, do Museu Municipal de Estremoz.
Prólogo           
A beleza feminina é polifacetada como um diamante. Daí que um vestido deva reflectir essa beleza, observada de todos os ângulos. Na rua ou num desfile de moda, a visualização do binómio modelo-vestido tem dois momentos: o aproximar e o afastar. Daí a igual importância que os estilistas dão à parte da frente a à parte de trás de um vestido. Cada uma delas deve completar e reforçar a sensação induzida pela visualização da outra. Madalena Bilro teve isso em conta na modelação e decoração da sua Senhora de pezinhos, figura tradicional da barrística popular estremocense.
A Senhora de pezinhos de Madalena Bilro
A Senhora de pezinhos enverga um elegante vestido comprido, a delimitar os contornos de um corpo a que corresponde uma silhueta esbelta. O vestido configura ter sido confeccionado com tecido estampado em padrão de margaridas em campo ocre amarelo.
O vestido é rematado em cima por uma gola branca e larga, fechada por um botão de cor Bordeaux, cor que também é a dos punhos do vestido e da faixa cingida à cintura e atada atrás, em forma de laço com duas pontas pendentes.
A cabeça está coberta por um elegante chapéu de cor Bordeaux, ornamentado por uma fita branca e que ostenta à frente três plumas em tons igualmente Bordeaux, que acentuam a graciosidade do chapéu. Este deixa a descoberto cabelo castanho puxado para trás e enrolado em forma de carrapito. De cada lado do rosto, aquilo que configura serem pendentes de ouro, reforçam a perfeição e a nobreza associadas à figura.
Os sapatos negros, de bico, culminam na base, toda a elegância do modelo.
Carga simbólica
A figura está repleta de mensagens que importa decifrar e realçar.
Em primeiro lugar, o SIMBOLISMO DAS CORES: - Ocre amarelo, que é uma cor quente, que ilumina e transmite alegria e jovialidade. A sua presença no fundo do vestido, procura associar à figura, optimismo, sociabilidade, tolerância e abertura; - Cor Bordeaux, a qual transmite a ideia de clássico e de requinte; - Branco, que é uma cor que ilumina, transmite pureza, frescura e simplicidade. A sua utilização na gola do vestido confere espiritualidade à figura; - Preto, que no contexto da figura, significa elegância.
Em segundo lugar, o SIMBOLISMO DA MARGARIDA, flor também conhecida por malmequer, flor delicada que integra as minhas memórias de infância, associada ao ritual popular que consiste em arrancar-lhe as pétalas, uma a uma, ao mesmo tempo que se pergunta sucessivamente: - Bem-me-quer? – Mal-me-quer?, para no fim se poder concluir se o amor que se nutre por alguém, é ou não correspondido.
Antigamente, a margarida era considerada a flor das donzelas e ainda hoje simboliza a pureza, a inocência, a sensibilidade, a infância e a juventude, o amor, a virgindade, a paz, a bondade e afecto. Oferecer margaridas a alguém é promessa de um amor fiel e verdadeiro,
Em terceiro lugar o SIMBOLISMO DO LAÇO. Este cria mistério em torno do corpo que o vestido oculta, à semelhança do laço que ornamenta uma caixa de prendas e cria o mistério de não se saber o que a caixa encerra.
Epílogo
Madalena Bilro interpretou a tradicional Senhora de pezinhos com uma estética muito própria. A uma modelação de grande perfeição formal, fez seguir uma decoração cromaticamente muito rica e de forte significação simbólica. A figura tem um rosto e um olhar que me parecem ser marcas identitárias da barrista. Esta, usando a técnica tradicional dos Bonecos de Estremoz, legou-nos através da sua criação, uma Senhora de Sociedade, de aspecto elegante e requintado dentro de padrões clássicos, mas revelando também sensibilidade e espiritualidade. Por isso, está de parabéns.

Senhora de pezinhos (2020) - Parte de trás. Madalena Bilro (1959-  ).

Madalena Bilro no seu atelier. Fotografia de Luís Mendeiros.

sexta-feira, 10 de julho de 2020

A Senhora de pezinhos de Luísa Batalha


Senhora de pezinhos (2020). Luísa Batalha (1959-   ). 


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Quem é quem
Luísa Batalha (1959-  ) é uma barrista que frequentou o Curso de Formação sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz, que no ano transacto teve lugar nesta cidade, no Palácio dos Marqueses de Praia e Monforte. Não foi o seu primeiro contacto com o barro, já que anteriormente foi azulejista e fez pintura em cerâmica, tendo nessa condição participado em diversas edições da Feira de Arte Popular e Artesanato do Concelho de Estremoz, quando esta tinha ainda lugar no Rossio Marquês de Pombal. Luísa Batalha modelou recentemente a meu pedido, uma Senhora de pezinhos, da qual irei falar mais adiante
Falando da Senhora de pezinhos
Existe na barrística popular de Estremoz, uma figura singular conhecida por “Senhora de pezinhos” que tem como atributos, prescindir de base (ser assente nos pezinhos e no vestido/saia) e ter ambas as mãos assentes frontalmente nas pernas e abaixo da anca. Tais factos condicionam fortemente a modelação da figura, mas não impediram que desde há mais de 100 anos, os nossos barristas interpretassem esta figura das maneiras mais diversas. Vejamos como.
O vestuário tanto pode ser um vestido como uma saia-casaco. Em qualquer dos casos, os pormenores do vestuário foram sendo tratados de diferentes maneiras, cada vez mais elaboradas. A abertura do peito do vestido e a respectiva abotoadura, os punhos, as abotoaduras das mangas e a orla inferior, começaram por ser pintados numa cor marcadamente contrastante com a cor do vestido. Porém, os barristas começaram em dado momento a conferir volumetria a esses componentes do vestido, que passam de pintados a modelados, ainda que tal não se tenha verificado simultaneamente com todos os componentes, nem todos os barristas o tenham feito ao mesmo tempo.
Depois há a questão da cor do vestuário, que pode ser liso ou configurar tecido estampado com padrões diversos. Também há diferentes opções de escolha de cor para os componentes do vestido.
A cabeça da senhora pode surgir com o cabelo a descoberto, ornamentado ou não por uma canoa. Mas a cabeça também pode figurar coberta com um chapéu de configuração e cor variáveis, ornamentado por flores, plumas ou laços, em número, cor e disposição variável.
Apesar das mãos da figura estarem sempre na mesma posição, é possível associar-lhe adereços tais como: leque, malinha de mão, lenço, bouquet de flores e guarda-chuva.
A Senhora de pezinhos de Luísa Batalha
Ao modelar a figura de que vimos falando, Luísa Batalha optou por conferir volumetria aos componentes do vestido. Deste modo, a gola, os punhos, a orla inferior do vestido e os botões foram modelados em barro. Chamam a atenção as dobras do vestido na zona dos cotovelos.
O vestido é cor azul de petróleo (azul-verde), cor que está associada à confiança, pelo que o seu uso no vestuário é inspirador de respeito e credibilidade.
Por outro lado, a gola, os punhos, a orla inferior do vestido e os botões são de cor violeta, o mesmo se verificando com o chapéu. A cor violeta composta por iguais proporções de vermelho e azul, simboliza o equilíbrio entre a matéria e o espírito, a terra e o céu, os sentidos e a razão. Simboliza ainda a temperança, a lucidez e as acções reflectidas.
O chapéu encontra-se ornamentado por uma vistosa fita azul de petróleo.
A figura apresenta um rosto e um olhar que me parecem ser imagens de marca da barrista. O chapéu deixa ver cabelo castanho ondulado que cobre as orelhas, donde desce aquilo que configura serem pendentes de ouro, a reforçar a perfeição e a nobreza associadas à figura.
Os sapatos negros rematam inferiormente toda a elegância do modelo.
Na sua globalidade, a figura é bela e harmoniosa, revelando-nos uma Senhora de pezinhos elegante e de ar respeitável, sereno e nobre. Só me resta dizer:
- Parabéns, Luísa. 

Luisa Batalha a modelar. Fotografia recolhida com a devida vénia no Facebook
da barrista.  

A Senhora de pezinhos já enfornada e pronta para a cozedura. Fotografia recolhida
com a devida vénia no Facebook da barrista.  

terça-feira, 7 de julho de 2020

Novos barristas de Estremoz






ANA CATARINA GRILO
Auto dos ganchos de meia (24-11-2020)
O Carlos e a Joana: Olha que dois! (Blogue: 15-05-2021)
A Boniqueira Joana (27-01-2021)
Auto de Natal (23-12-2020)
O Peralta sou eu (09-10-2020) 
JOSÉ CARLOS RODRIGUES
LUÍS PARENTE
LUÍSA BATALHA                             
MADALENA BILRO
VERA MAGALHÃES
SARA SAPATEIRO

quarta-feira, 1 de julho de 2020

Inocência Lopes e a negritude de “O Amor é cego”


"Amor é cego", negro. Inocência Lopes (1973-  ).

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Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Luís de Camões (c.1524 – 1580)
Tradição versus inovação
A barrística popular de Estremoz não é imune à mudança a que se refere Camões. De há muito que se tem verificado uma renovação na abordagem dos temas tratados. Esta tem-se acentuado ultimamente, de modo a que os bonecos reflictam os contextos e as preocupações sociais que afligem a comunidade em geral e das quais o barrista é intérprete.
A ceifeira e o pastor de tarro e manta são registos etnográficos dum contexto sociológico agro-pastoril do Alentejo de antanho. Ficaram perpetuados nas esculturas populares dos nossos barristas, tal como no traje e reportório dos nossos grupos etnográficos, a que há que acrescentar o registo dos nossos escritores, fotógrafos e artistas plásticos.
A vida mudou, mas o barro e as mãos de quem o modela, conseguiram reportar uma época e os seus contextos sociais
Nos dias de hoje, os barristas continuam a modelar figuras criadas por aqueles que os antecederam, ainda que com as suas marcas identitárias muito próprias.
Porém cabe-lhes a importante missão de, para além disso, serem os repórteres do contexto e das preocupações sociais do presente. Apenas se lhe exige que sigam o modo de produção, reconhecido como sendo de Estremoz e que na sua essência utiliza na modelação de uma figura, a combinação da placa, do rolo e da bola. Esses têm que estar sempre presentes como “marca de água” que assegura a genuidade da nossa produção barrista, cuja origem remonta a setecentos.
O Amor é cego
“O Amor é cego”, cuja produção remonta ao séc. XIX, é uma figura de Carnaval e simultaneamente uma alegoria à cegueira do amor e ao Cupido de olhos vendados, tema recorrente na pintura e gravura universais, no adagiário português e no cancioneiro popular alentejano. Até ao presente, “O Amor é cego” tem sido representado como uma figura feminina, de pele branca.
Todavia, se o amor é mais forte do que tudo, se não conhece fronteiras, não distingue nem raças, nem credos, nem ideologias, se de facto “O Amor é cego”, esta figura da nossa barrística que é Património Imaterial da Humanidade, não pode ser um ícone exclusivo da raça branca. Tem por extensão de ser de todas as outras. É pois legítimo que a figura seja modelada com outras cores de pele [1].  Foi o que pensou a barrista Inocência Lopes.
Faça-se negro
De acordo com o Génesis, no primeiro dia de Criação do Mundo “Deus disse: “Faça-se a luz!”. E a luz foi feita”. Pois bem, pensando em “O Amor é cego”, Inocência Lopes disse: “Faça-se negro”. E o negro foi feito.
Ao criar “O Amor é cego” negro [2], Inocência Lopes exalta a negritude e proclama a igualdade racial. Trata-se assim de uma figura com forte conotação ideológica que assume especial importância num período de fortes tensões sociais que à escala global traduzem o repúdio por actos racistas praticados por partidários da supremacia branca.
A rematar
A negritude é um tema fracturante a nível planetário. Ao assumir a maternidade de uma figura que a partir deste momento passa a ser paradigmática, a barrista mostrou uma atitude corajosa, pois revelou-nos de que lado da barricada está.
O arrojo na concepção e a qualidade da modelação e da decoração, merecem que eu diga:
- PARABÉNS, INOCÊNCIA LOPES!



[1] - À semelhança de inúmeras imagens devocionais de Nossa Senhora que existem por esse mundo fora e nas quais a Virgem é representada muitas vezes como Virgem Negra.
[2] - O Amor é cego” negro insere-se dentro daquilo que se convencionou chamar “Bonecos da Inovação” e nada tem a ver com figuras como “Preto a cavalo”, “Preta florista” e “Preta pequena” que integram os chamados “Bonecos da Tradição”. Estas últimas figuras são reveladoras da colonização africana ocorrida no Alentejo, que levou a que os negros ficassem perpetuados na barrística popular estremocense.

segunda-feira, 29 de junho de 2020

Inocência Lopes e o infortúnio de Santo António


Infortúnio de Santo António. Inocência Lopes (1973-   ). 

Uma viagem ao passado
Inocência Lopes (1973-  ) é uma barrista que frequentou o Curso de Formação sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz, que no ano transacto teve lugar em Estremoz, no Palácio dos Marqueses de Praia e Monforte.
Inocência Lopes é proprietária de uma loja de artigos regionais conhecida por Celeiro Comum, situada na Rua da Convenção n.º 11, no interior do Castelo de Évora Monte. É aí que a barrista, modela e após cozedura, decora as figuras que comercializa no próprio local. Ali, além de arte popular, respira-se História, uma vez que o edifício remonta ao séc. XVII e ali funcionou o “Celeiro Comum”, administrado pela Casa de Bragança. A função do Celeiro era a de proteger os lavradores, muito em especial os que tinham culturas cerealíferas, contra estragos que abalassem a actividade agrícola. Para tal, emprestava a crédito os seus cereais, revertendo os lucros e os excedentes de cereais a favor do Município.
Infortúnio de Santo António
A nova barrista recreou e a meu ver muito bem, uma imagem de Santo António, a qual eu tomei a liberdade de baptizar com a designação que serviu de título ao presente parágrafo.
Trata-se de uma figura muito bem modelada e esteticamente apelativa a revelar marcas identitárias próprias de quem lhe deu vida e alma.
Santo António enverga o hábito castanho da ordem franciscana, com manto e o capucho caído e calça sandálias. Das vestes fazem ainda parte integrante o cordão e o rosário, ambos à cintura. O cordão com três nós, que simboliza os votos perpétuos do Santo: obediência, pobreza e castidade. O Rosário que traduz o facto de o Santo ser homem de oração e devoto da Mãe de Jesus.
Santo António ampara o Menino no braço esquerdo, encostado ao coração, postura que traduz a intimidade de Santo António com Jesus, fonte da sabedoria e dos dons que nele se manifestavam.
Por sua vez o Menino segura nas mãos o globo do mundo, simbolizando o seu poder salvador sobre a Terra e a missão redentora da Humanidade. Na mão direita de Santo António, duas açucenas a simbolizar a pureza, a temperança e o rigor contra as tentações.
O invulgar da figura criada por inocência Lopes, reside no facto de a Bíblia estar caída aos pés do Santo. Trata-se de uma inovação que a meu ver é digna de registo e pela qual é de felicitar a barrista.
Trata-se de um instantâneo da vida de Santo António, já que a Bíblia lhe caíra aos pés e ainda não tivera tempo de a apanhar. A imagem não tem assim nada de irreverente, revela apenas a mestria de Inocência Lopes que soube fixar e perpetuar para a posteridade, o momento do alegado infortúnio do Santo. Em contrapartida, sugere a Bíblia como livro aberto, no qual está disponível a palavra de Deus, segundo os Evangelhos.
A valorização duma original representação
Sugiro que numa futura modelação desta excelente figura, seja suprimida a peanha, já que não é necessário uma imagem de Santo assentar numa peanha ou num andor, para ser imagem de Santo. Isso é para as réplicas das imagens de culto que estão nas Igrejas.
A imagem modelada é séria e não é humorística. Retrata supostamente um percalço sofrido pelo Santo. Como tal, representa alegadamente uma cena da sua vida, pelo que não deve estar assente numa peanha nem num andor, já que uma cena informal como esta não reuniria, decerto, requisitos para ser objecto de culto numa Igreja. De resto, existe uma contradição de fundo entre o carácter informal da presente figuração e o formalismo subjacente à utilização da peanha.
A eliminação da peanha numa futura modelação da excelente ideia passada ao barro, reforçará e valorizará ainda mais a original representação. 
Parabéns Inocência, pela sábia combinação de respeito pela tradição e da procura de novos caminhos. A arte popular não é estática e a barrística popular de Estremoz, também não pode ser.
 Inocência Lopes a modelar.

 Inocência Lopes a pintar.

quinta-feira, 25 de junho de 2020

“Emojis”, “gifts” “ou stickers” não, obrigado!



À laia de introito
Existe no Facebook um grupo designado “BONECOS DE ESTREMOZ”, destinado à divulgação dos Bonecos de Estremoz e que apoiou a sua Candidatura a Património Cultural Imaterial da Humanidade.
Regras do grupo
O grupo rege-se por um conjunto de regras aprovadas pelos seus cinco administradores, das quais consta:
1 - A publicação de posts no grupo carece de aprovação da Administração;
2 - Não serão editados posts que fujam ao tema;
3 - Os posts terão de incluir necessariamente imagens de Bonecos de Estremoz e/ou Barristas de Estremoz, os quais deverão estar identificados;
4 - Cada membro só pode publicar 2 posts por dia;
5 - Não são permitidas partilhas de outros grupos ou páginas do Facebook;
6 - Não são admitidos comentários com imagens que fujam ao tema ou do tipo “emoji”, “gift” “ou sticker”.
7 - São eliminados os posts que fujam aos critérios anteriores.
Comentário ao ponto 6 do Regulamento
O ponto 6 do Regulamento determina que os comentários não tenham expressão gráfica, para as únicas imagens serem dos Bonecos e/ou dos barristas, já que as imagens dos tipos “emoji”, “gift” “ou sticker”, funcionam como distractores daquelas que são objecto do grupo.
Por outro lado, aquele ponto do Regulamento potencia a seriedade que os Bonecos devem merecer e visa fomentar a utilização de mensagens escritas, o que acaba por ser um reforço da utilização da língua portuguesa.
Opinião pessoal
A nível pessoal, penso que a utilização de imagens dos tipos “emoji”, “gift” “ou sticker”, revela muitas vezes algum infantilismo e é revelador de preguiça mental em construir uma ou mais frases apreciativas e/ou valorativas do que se viu e leu. Basta ir aos menus onde está tal bonecada e escolher. Ora, a página do grupo não é de um grupo de banda desenhada. Os barristas e seus trabalhos merecem palavras amigas com calor humano, o qual é sempre personalizado.
Mesmo que alguém escreva com erros ortográficos ou construa mal uma frase, percebe-se o que lhe vai na alma. E a meu ver é isso que importa e é estimulante.
O calor humano tem matizes que não têm tradução gráfica. Utilizar tais símbolos gráficos condiciona a expressão verbal escrita (com a falada é o mesmo) e restringe a liberdade individual, na medida em que se está condicionado ao que vem no menu. Por outro lado, utilizar tais símbolos gráficos conjuntamente com a linguagem escrita, é subalternizar o papel da língua portuguesa. Esta vale por si e não precisa de qualquer tipo de reforço. Por isso:
- “EMOJIS”, “GIFTS” “OU STICKERS” NÃO, OBRIGADO!


domingo, 21 de junho de 2020

Jorge Carrapiço, um barrista em construção


 O amor é cego (2020). Jorge Carrapiço (1968-  ).

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Falar de Jorge Carrapiço
Hoje é dia de falar de Jorge Carrapiço. Não é a primeira vez que o faço. Já falei dele no meu livro “Bonecos de Estremoz”, assim como no blogue “Do Tempo da Outra Senhora”, no qual reproduzi imagens de trabalhos seus.
Nunca é demais falar de um barrista, das suas criações e da sua obra. Obra cuja construção só termina com o finamento do autor. Até lá, o seu trabalho é uma procura incessante de caminhos, a proclamação de mensagens e a revelação de marcas identitárias. É o que se passa com o barrista Jorge Carrapiço, que transporta consigo a pesada herança de ser bisneto de Ana das Peles. A carga genética propiciou terreno fértil à aprendizagem da modelação do barro, primeiro com o seu vizinho e pintor de construção civil, Óscar Cavaco e depois com o seu professor de Trabalhos Manuais e artista plástico, Aníbal Falcato Alves. O seu pai, pintor de construção civil, ensinou-o a utilizar as tintas e a misturá-las até àquela cor e não outra, que é capaz de transmitir um determinado estado de alma. É assim que as pinceladas mágicas nascidas da mão do pintor, acabam por falar connosco, como se tivessem vida.
O percurso de Jorge Carrapiço não é como os demais. Não aprendeu em contexto oficinal nem familiar, nem em qualquer acção de formação. Aprendeu nas condições já referidas e o resto depois tem sido com ele.
Uma figura que cega
Hoje é um dia de cegueira. Fiquei cego pela luz que irradia do seu “Amor é cego”. Uma figura luminosa pela predominância de cores quentes e pelo recurso pouco usual ao verniz brilhante, que constitui uma das suas marcas identitárias. Jorge Carrapiço intuiu e bem o calor que deve irradiar desta figura, para traduzir o calor e a cegueira da paixão.   
Os tons ocre usados no calçado e no toucado, tons de pigmentos “terras de Siena” indiciam que o amor aqui abordado alegoricamente é “Eros”, o amor romântico que se vive na Terra.
As flores que ornamentam os braços da figura em tonalidades de vermelho e com corolas amarelas, sugerem gerberas, flores que ao longo da História das Civilizações, de uma forma ou de outra,  têm traduzido a beleza da vida e a energia positiva proveniente da natureza. O simbolismo induzido pela suas cores é variável. As gerberas vermelhas estão associadas à inconsciência e à total imersão no amor (cegueira do amor).
A sensualidade expressa pelos lábios vermelhos da figura é reforçada pelas rosetas avermelhadas nas maçãs do rosto ou não se desse o caso da paixão afoguear as faces.
À espera de mais
Estou a lembrar-me de um poema de Vinicius de Morais intitulado “Operário em Construção”. Parafraseando o título do celebérrimo poeta carioca, sou levado a concluir que Jorge Carrapiço é um “Barrista em Construção”. Surpreende-me em cada trabalho em que recria o que já tinha sido criado e revela muito daquilo que tem para nos dar e nós esperamos vir a receber.