domingo, 10 de maio de 2020

Poesia Portuguesa - 098




Rosas de Santa Isabel
João de Lemos (1819-1890)

Onde ides, correndo asinha,
Onde ides, bela Rainha,
Onde ides, correndo assim?
Porque andais fora dos Paços?
Que peso levais nos braços?
Oh! Dizei-mo agora a mim?...

A Santa, regalos novos,
Frutas, pão, e carne, e ovos,
No regaço e braços seus,
Sem cuidar ser surpreendida,
Ia levar farta vida
Aos pobrezinhos de Deus.

Coram-lhe as faces formosas,
E responde: - "Levo rosas..."
Dom Dinis deitou-lhe a mão,
Ao regaço, de repente;
Mas de rubra cor vivente
Só rosas lá viu então!...

Como o tempo era passado,
Nos jardins, no monte e prado,
De rosas e toda a flor,
El-rei, cheio de piedade,
Nas rosas da caridade
Viu a bênção do Senhor!

E daquele rosal dela
Tirando uma rosa bela,
Que guardou no peito seu,
Disse-lhe:- "Em paz ide agora,
Que eu me encomendo, Senhora,
À Santa, ao Anjo do Céu."

João de Lemos (1819-1890)

Hernâni Matos  


O Milagre das Rosas (c. 1735-40). André Gonçalves (1685-1762).
Óleo sobre tela. Igreja do Menino Deus, Lisboa.

domingo, 26 de abril de 2020

Bonecos de Estremoz: Mário Lagartinho


FIg. 1 - Mestre Mário Lagartinho (1935-2016), decano da olaria e o último oleiro de
Estremoz. Fotografia do Arquivo Fotográfico Municipal de Estremoz / BMETZ –
Colecção  Joaquim Vermelho.

Nasceu a 22 de Junho de 1935 na Rua Magalhães de Lima, nº 15, freguesia de Santo André, concelho de Estremoz. Filho legítimo de Marcolino Augusto Lagartinho, de 26 anos, natural da mesma freguesia, e de Leonilde da Conceição Raleiro, de 30 anos, natural da freguesia de Alcáçova, concelho de Elvas (2). Começou a modelar o barro aos 12 anos de idade, na Olaria Regional, situada na Rua do Afã, em Estremoz e que era propriedade de Mestre José António Ourelo – Zé Russo (1916-1980), formado na Olaria Alfacinha e que adquirira a oficina a Mestre Cassiano, fundador da Regional, já avançado na idade. A 2 de Maio de 1958, com 23 anos de idade, casou catolicamente na Igreja Paroquial de Santa Maria com Ana Pascoal Ourelo, de 22 anos, doméstica, natural da freguesia de Santo André, concelho de Estremoz, onde nasceu a 11 de Janeiro de 1936, filha de César Augusto Pascoal e de Albertina de Jesus Carrapiço, moradores na Rua dos Carvoeiros nº 6, da mesma freguesia. Pelo casamento, a noiva adoptou o apelido Lagartinho de seu marido (1). A Olaria Regional viria a passar das mãos de José Ourelo para Mário Lagartinho, que nunca deixou os seus créditos em mãos alheias e foi um oleiro de nomeada.
A necessidade de aumentar os seus rendimentos levou Mestre Lagartinho (Figs. 1 e 2), nos anos 70-90 do século passado, a confeccionar Bonecos de Estremoz, o que fez por auto-aprendizagem a partir de exemplares que lhe foram emprestados por José Marcelino Moreira. Tenho, na minha colecção, alguns desses exemplares que me foram cedidos pela sua esposa, Ana Pascoal Ourelo Lagartinho. Mestre Lagartinho reproduziu então os exemplares do conjunto dos “Bonecos da Tradição”. Foi bonequeiro, mas era sobretudo oleiro e era ele que cavava o barro dos barreiros e o preparava, até este estar capaz de ser afeiçoado pela suas mãos. Os Bonecos eram também cozidos em forno de lenha, prática que foi abandonada. Sua mulher (Fig. 2), além de pintar a produção do marido, também confeccionava os seus próprios Bonecos. Uns e outros eram comercializados no stand da Olaria Regional, no Rossio Marquês de Pombal, em Estremoz. Para além da mulher, Ana Pascoal Ourelo Lagartinho (1936- ), Mestre Lagartinho transmitiu os seus saberes a Arlindo Ginja (1938-2018), que viria a ser seu discípulo. Em termos pessoais, Mário Lagartinho nunca conseguiu recuperar do abalo causado em 2011 pela morte do filho, também ele Mário Lagartinho, ex-jogador de hóquei do Clube de Futebol de Estremoz, do qual foi treinador, assim como do Hóquei Clube Vasco da Gama, de Sines, cidade onde foi o grande impulsionador daquela modalidade. Foi assim que, a 4 de Setembro de 2016, na sua casa da Rua João de Sousa Carvalho, lote 25, 1º esqdº, em Estremoz, se regista o falecimento com a idade de 81 anos, de Mestre Mário Lagartinho, decano da olaria e o último oleiro de Estremoz, o que constituiu uma tragédia cultural, numa cidade que já foi um dos maiores centros oleiros do Alto Alentejo. Estremoz ficou luto e, com a cidade, a Cultura Popular Alentejana, da qual o Mestre foi um ícone (3), (5). Mestre Mário Lagartinho partiu, mas deixou connosco as suas criações: bilhas, moringues, garrafas de água, barris e púcaros que, entre outros, saíram das suas mãos mágicas de oleiro. Os seus Bonecos estão dispersos por colecções particulares, como é o caso da minha. Também o Museu Municipal de Estremoz conta no seu acervo com exemplares, tanto de olaria como de Bonecos de Estremoz, afeiçoados pelas suas mãos. Por iniciativa daquele Museu, a sua obra foi objecto de destaque recente nas exposições: “Mário Lagartinho - Olaria de Estremoz” (2004) e “Motivos decorativos na olaria de Estremoz do século XX” (2013), às quais há que acrescentar  “O vasilhame de barro  de Estremoz” (2012), graças à iniciativa da Associação Filatélica Alentejana. Pessoalmente, Mário Lagartinho, a quem conhecia desde os anos 70 do século passado, concedeu-me o privilégio da sua amizade, o que permitiu organizar, em 1999, uma jornada de divulgação da olaria de Estremoz na Escola Secundária, quando era director do seu Centro de Recursos. Foi um evento que nos marcou a todos, Mestre Mário, professores e alunos, já que as raízes da Escola entroncam na antiga Escola Industrial de António Augusto Gonçalves, por onde paira a memória do Curso de Olaria e de Mestre Mariano da Conceição (o Alfacinha) que, conjuntamente com ti Ana das Peles e sob a acção do Director Sá Lemos, fizeram com que os Bonecos de Estremoz, em processo de extinção, se tornassem numa Fénix renascida das cinzas. Morreu Mário Lagartinho, o último oleiro de Estremoz. Pessoalmente, como não tenho espírito sebastianista, não estou à espera de um novo Sá Lemos, que venha a reactivar a extinta olaria de Estremoz. Apenas me resta o registo da sua Memória, que me leva a proclamar, alto e bom som:
- MÁRIO LAGARTINHO, PRESENTE!

BIBLIOGRAFIA
(1) - Mário Augusto Raleira Lagartinho - Assento de Casamento Informatizado nº 633 de 2015, da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
(2) - Mário Augusto Raleira Lagartinho - Assento de Nascimento Informatizado nº 351 de 2014, da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
(3) - Mário Augusto Raleira Lagartinho - Assento de Óbito nº 487 de 2016, da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
(4) - MATOS, Hernâni. Mário Lagartinho, bonequeiro de Estremoz in Brados do Alentejo nº 890, 29/09/2016. Estremoz, 2016 (pág. 15).
(5) - MATOS, Hernâni. Mário Lagartinho, o último oleiro de Estremoz in Brados do Alentejo nº 889, 15/09/2016. Estremoz, 2016 (pág. 1 e 6).

Fig. 2 - Mestre Mário Lagartinho (1935-2016) e sua mulher Ana Lagartinho (1936- ),
bonequeiros. Fotografia do Arquivo Fotográfico Municipal de Estremoz /
BMETZ – Colecção Joaquim Vermelho.

Nossa Senhora ajoelhada.

Presépio de trono ou altar (Montagem incorrecta).

Mulher a lavar a roupa.

Pastor com tarro.

Pastor com dois borregos

Pastor das migas.

Pastor do harmónio.

Mulher dos perús.

Matança do porco.

Mulher a vender chouriços.

Amazona.

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Bonecos de Estremoz: a Literatura de Tradição Oral


Assobios compostos: Sargento a cavalo, Amazona e Peralta a cavalo. Irmãs Flores.

O conjunto dos Bonecos da Tradição incorpora entre outros apitos, três figuras a cavalo: Amazona, Peralta a cavalo e Sargento a cavalo. Estas imagens têm base rectangular e o apito está localizado na cauda do cavalo. Um rolo de barro foi aí colado com barbotina e depois furado com um arame grosso da base exterior do rolo para o interior, até cerca de metade do comprimento. Na parte superior do rolo foi depois efectuado outro furo, até encontrar o primeiro. Esta particularidade da manufactura dos apitos induziu a que, no domínio dos ditos e apodos colectivos, aplicados aos estremocenses, se dissesse “Têm o apito no cú” [David de Morais (1)]. Daí que, quando alguém disparava um traque, acompanhado ou não de pestilenta semeadura de fedores fecais, se dissesse: “És como os de Estremoz: tens o apito no cú” (1). Outro dito e apodo colectivo aplicado aos estremocenses era o de “Bonecos” [Soeiro de Brito (5)], numa clara alusão à produção de figuras em barro de Estremoz. De acordo com este autor, quando faltava qualquer coisa, costumava dizer-se: “Então o que quer que lhe faça? Quer que o mande vir de Estremoz?” Por outro lado (2) “Há curiosidades dispersas nos dizeres da região, a respeito de perfeições físicas ou morais que se exigiam a uma pessoa: - olha “se queres mais perfeito, manda-o fazer de barro de Estremoz”, ou esta outra: - “Queres noiva como desejas, só no Outeiro de Estremoz. Pintam-se e são bôas de génio”. Também Portugal Dias (4) refere “…a fama proverbial dos Bonecos de Estremoz exaltada em ditos familiares quasi sempre alusão ás perfeições moraes de qualquer: - “Só feito de encomenda em Estremoz” – “Se queres melhor manda-o vir de Estremoz!”… - e ainda na intenção satírica da quadra: 

“Vergonha da minha cara
Se contigo tenho amores!
- Se quizesse amar bonecos…
Mandava-os vir de Estremores.”

Até na ironia da cantiga se contem a ideia de superioridade do boneco de barro que ao menos não tem falhas moraes. - Só feitos de encomenda, concerteza!” A nível de cancioneiro popular é conhecida a moda alentejana “Se eu quisesse amar bonecos”, recolhida em Reguengos de Monsaraz por Pombinho Júnior (3):

“Se eu quisesse amar bonecos,
Mandav’òs vir de ‘Stremôris,
Vergonha da minha cara
Se eu contigo tinha amôris.

Se eu contigo tinha amôris,
Se eu era o tê namorado,
Mandav’òs vir de ‘Stremôris,
Mandav’òs vir do Chiado!”

Os exemplos apontados mostram bem como os Bonecos de Estremoz estão perpetuados na literatura oral, um filão com potencial que urge explorar, para bem da Cultura Popular.

BIBLIOGRAFIA
(1) - DAVID DE MORAIS, J. A. Ditos e Apodos Colectivos. Colibri. Lisboa, 2006. (pág. 55)
(2) - Indústrias em Estremoz – mármores e barros in Brados do Alentejo nº 210, 3/2/1935. Estremoz, 1935 (pág. 17).
(3) - POMBINHO JÚNIOR, J.A. Cantigas Populares Alentejanas. Maranus, 1936.
(4) - PORTUGAL DIAS, Maria. A Vida Eterna das Cousas, Tradição e Arte I in Brados do Alentejo nº 8, 22/03/1931. Estremoz, 1931 (pág. 5).
(5) - SOEIRO DE BRITO, J.M. Ditados tópicos alentejanos. Tipografia Progresso. Elvas, 1938 (pág. 17).
Publicado inicialmente a 15 de Abril de 2020

sábado, 11 de abril de 2020

Bonecos de Estremoz: Miguel Gomes e Célia Freitas


Miguel Gomes (1957-  ) e Célia Freitas (1966-  ).

Miguel Gomes (1957- ) e Célia Freitas (1966- ): Miguel Joaquim Serol Gomes é natural da freguesia de Rio de Moinhos, concelho de Borba, onde nasceu em 1957. Com o seu pai Manuel António Capelins, que se viria a fixar em Estremoz na freguesia de Santa Maria, aprendeu a confeccionar artefactos de arte pastoril. Sua mulher, Célia Maria Costa Freitas nasceu em Estremoz em 1966. Só depois de se casar começa a executar o mesmo tipo de artefactos que o seu marido Miguel Gomes. O interesse manifestado por Célia Freitas na modelação do barro, aliado a algumas condicionantes de natureza pessoal, estiveram na origem de o casal, a partir de 1986, se dedicar apenas à modelação de Bonecos, o que fizeram em grande parte por autoformação. Participaram desde sempre na FIAPE em Estremoz e na Feira Nacional de Artesanato em Vila do Conde. Motivos de natureza pessoal levaram-nos a transferir a sua oficina, primeiro para Elvas e depois para Monte Gordo, onde residem na actualidade. O seu “Atelier Memórias e Tradições”, situa-se na Rua Pedro Álvares Cabral, nº 30, loja 1. Aqui comercializam os seus Bonecos. Em Estremoz fazem-no na loja “Artesanato José Saruga”, no Rossio Marquês de Pombal, 98 A, assim como no Artesanato Santo André, na Rua da Misericórdia, 2.


Hortelão no mercado de Estremoz (Homenagem a Isaurindo Figueiredo).
Miguel Gomes (1957-  ). Recolhido com a devida vénia da página do
Facebook "A Horta do Ti Henrique".

Namoro no poço. Miguel Gomes (1957-   ) e Célia Freitas (1966-  ).

O Amor é Cego. Miguel Gomes (1957-   ) e Célia Freitas (1966-  ).

sábado, 4 de abril de 2020

Poesia Portuguesa - 097



Salgueiro Maia
Manuel Alegre (1936-  )

Ficaste na pureza inicial
do gesto que liberta e se desprende.
Havia em ti o símbolo e o sinal
havia em ti o herói que não se rende.

Outros jogaram o jogo viciado
para ti nem poder nem sua regra.
Conquistador do sonho inconquistado
havia em ti o herói que não se integra.

Por isso ficarás como quem vem
dar outro rosto ao rosto da cidade.
Diz-se o teu nome e sais de Santarém

trazendo a espada e a flor da liberdade. 

Manuel Alegre (1936-  )

quarta-feira, 1 de abril de 2020

Bonecos de Estremoz: Fátima Lopes


A barrista Fátima Lopes a ensinar os mais novos a trabalhar com a roda. Actividade
incluída na iniciativa  “VIRVER MUSEUS - SEMANA DOS MUSEUS EM ESTREMOZ”. Fotografia
de Maio de 2008, recolhida com a devida vénia no blogue do Museu Municipal de Estremoz.

Em 2017, Fátima Alves Lopes (1974- ), natural de São Bento do Cortiço, ceramista e formadora certificada, realiza uma breve incursão na feitura de Bonecos de Estremoz, tendo produzido um número diminuto de exemplares e tipos, os quais comercializou na FIAPE e no Museu Municipal de Estremoz.


Senhora de pézinhos.

Senhora a servir o chá.

domingo, 29 de março de 2020

Bonecos de Estremoz: Paulo Cardoso


Paulo Cardoso (1968- ) na actualidade.
Fotografia recolhida com a devida vénia no Facebook do ex-barrista.


Nos anos 80-90 do séc. XX, Paulo Jorge Menino de Ouro Cardoso (1968- ), que foi oleiro na Olaria Alfacinha, manufacturou Bonecos após aprendizagem com Quirina Alice Marmelo. A comercialização dos mesmos era feita na loja “Artesanato Isabel”, na Rua da Frandina, n.º 8, em Estremoz.
Actualmente é industrial de restauração, em Évora.

Hernâni Matos

Pastor.

Bailadeira grande.

Bailadeira grande.