sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Nossa Senhora dos Mártires de Estremoz


Imagem do Museu Municipal de Estremoz. Fotografia de Isabel Água.

Quem procura quer achar
A inventariação e catalogação do figurado em barro de Estremoz está longe de estar completa e ser definitiva. É o que ocorre com exemplares dos sécs. XVIII e XIX, para os quais se desconhece a autoria e data de manufactura, aliada à coexistência de designações distintas para o mesmo espécime.
Caso em estudo
Na Exposição “Barristas do Alentejo” (1) realizada em Évora no ano de 1962, esteve patente ao público um Boneco de Estremoz, ao qual foi atribuído o número 288, identificado como sendo do séc. XVIII, pertença do Eng.º Júlio dos Reis Pereira. A designação atribuída à figura exposta foi a de “Dama orando”. Passo de imediato à sua descrição.
Trata-se de uma figura antropomórfica feminina de mãos postas e levantadas. Traja um vestido comprido com mangas, que lhe encobre os pés e é de cor castanha avermelhada, decorado com motivos florais em cuja composição entra o verde, o vermelho e o zarcão. O vestido apresenta uma gola branca ornamentada por dois folhos igualmente brancos que lhe cobrem os ombros. A cabeça está coberta com uma touca branca com folhos à frente e que lhe cobre o cabelo castanho quase na totalidade. Sobre os punhos do vestido assenta uma toalha branca. A figura enverga um manto com um grande capuz, qualquer deles de cor verde escura e com uma orla denteada, simulando galão dourado. Do lado esquerdo do manto e à altura dos joelhos é visível um enfeite em relevo, constituído por uma flor cor de zarcão e quatro folhas verdes.
A imagem assenta numa peanha paralelepipédica de base quadrada e topo cor de zarcão, a qual configura um andor. As faces laterais são de cor verde e encontram-se ornamentadas com motivos florais centrados e cuja constituição integra o verde, o vermelho e o zarcão. À excepção das arestas da base, todas as outras apresentam uma orla em relevo, de cor amarela dourada e com incisões perpendiculares às arestas. Em cada um dos quatro vértices do topo da peanha são visíveis furos que poderão ter servido de encaixe a arames que suportavam decorações fitomórficas, tal como acontece noutras imagens.
Nomes e mais nomes
A “Dama orando” integra a colecção de Bonecos que a Câmara Municipal de Estremoz adquiriu ao Eng.º Júlio dos Reis Pereira e faz parte do acervo do Museu Municipal. Joaquim Vermelho (7) manteve a designação atribuída por Reis Pereira àquela figura. Também eu (5) possuo na minha colecção um exemplar análogo ao descrito, ainda que sem toalha, pelo que subscrevi igualmente aquela designação.
Actualmente, o exemplar descrito está exposto no Museu Municipal sob a designação “Senhora com Manto / Maria?”, a qual gera dúvidas por ser ambivalente.
Por outro lado, já ouvi alguém sugerir que possa ser uma imagem de “Nossa Senhora das Dores” assente num andor, à semelhança da imagem de Nosso Senhor Jesus dos Passos. Creio que quem produziu o alvitre se baseou no facto de ambos os andores integrarem a Procissão do Senhor dos Passos.
O facto de a figura em estudo ter recebido diferentes designações ao longo do tempo, é revelador da necessidade de aprofundar o estudo da imagem para ver qual das designações é a mais adequada. Foi o que fiz.
Valha-me Frei Agostinho
Não aceitei de bom grado a designação de “Nossa Senhora das Dores”, já que iconograficamente esta é representada com um ou mais dos seguintes atributos: - Uma expressão dolorosa; - Ferida por sete espadas no seu coração imaculado (algumas vezes, uma só espada), visto ter sido trespassada por sete espadas de dor, quando da Paixão e Morte de Jesus; - O Rosário das Lágrimas (ou Terço das Lágrimas) com 49 contas brancas divididas em sete partes de sete contas cada; - Um lenço para limpar as lágrimas (seguro por uma ou pelas duas mãos ou assente num dos braços, quando a senhora tem as mãos postas em atitude de oração).
Todavia, não excluí a hipótese de se tratar de uma imagem devocional de Nossa Senhora, a quem a intensa devoção dos católicos levou a atribuir-lhe inúmeros títulos.
Pensei de imediato consultar o “Santuario Mariano” (6) e a consulta do tomo VI conduziu-me à leitura proveitosa do “TITULO XXXXII - Da milagrosa Imagem de N. Senhora dos Martyres, da Villa de Estremoz”.
A imagem de Nossa Senhora dos Mártires
Frei Agostinho de Santa Maria (6) menciona a construção do Templo de Nossa Senhora dos Mártires, mas relativamente à miraculosa imagem da Padroeira afirma não ter conseguido apurar nada acerca da sua origem e como apareceu no local. Refere que a imagem é formosíssima, com vestidos, estando a Senhora de pé e de mãos levantadas. Alude que o povo tem pela imagem uma grande devoção, recorrendo a ela nos seus apertos e necessidades, retribuindo a Santa com as suas petições bem despachadas, o que o leva a oferecer-lhe lembranças pelos benefícios recebidos.
Nas Memórias Paroquiais de 1758 (2), Frei João Afonso Magro, prior da freguesia de Santa Maria de Estremoz, referindo-se à Igreja de Nossa Senhora dos Mártires, relata que no Altar-mor se venera a sagrada, milagrosa e formosíssima imagem de Nossa Senhora dos Mártires, de roca, composta com vestidos, de 6 palmos de altura e que tem as mãos postas e levantadas. Narra ainda que ao Templo concorre todo o povo pela devoção que tem com a Senhora, a quem procura nas suas necessidades e apertos, confiante nos milagrosos despachos às suas petições.
António Henriques da Silveira (4) refere-se à imagem de Nossa Senhora dos Mártires, declarando que: “A imagem da Senhora é perfeitíssima, e de notável veneração”.
Túlio Espanca (3) diz que a imagem de Nossa Senhora dos Mártires não foi alienada na profanação da Igreja em 1912 e é uma imagem de roca, com vestes ricas de tecelagem bordada.
Milagre de Nossa Senhora do Mártires
Frei Agostinho de Santa Maria (6) conta que os milagres de Nossa Senhora dos Mártires são inumeráveis, mas há um em que resplandece a grande piedade da Mãe de Deus para com os miseráveis e pobres pecadores, relatando-o.
Uma mulher nobre da Vila de Estremoz, devota de Nossa Senhora, em sinal de agradecimento por graça recebida, confeccionou uma toalha em pano rico, guarneceu-a com uma renda igualmente rica e ofereceu-a para o Altar de Nossa Senhora, pondo-a com as suas próprias mãos.
Outra mulher, pobre e cheia de necessidade, implorou a Nossa Senhora que lhe valesse e lhe acudisse. Estando sozinha na Igreja e vendo a toalha no Altar, dirigiu-se a Nossa Senhora mais ou menos nestes termos: Bem vedes da minha pobreza e da necessidade que padeço com os meus filhos. Dai-me licença para que vos tire e leve a toalha e a venda para com o valor dela acudir à minha necessidade. Assim na suposição que vós ma dais, tiro-a do vosso Altar e levo-a.
A mulher tomou então a toalha e levou-a consigo, sem que ninguém visse. Como tinha que arranjar quem a comprasse, calhou a ir a casa da devota mulher que a tinha oferecido a Nossa Senhora. À nobre mulher pareceu que a toalha era a sua, mas temendo errar, não disse nada à pobre mulher, dando-lhe alguma coisa para a entreter e mandando-a voltar no dia seguinte, para lhe dar o resto do valor que tinham combinado. Depois, mandou uma criada à Igreja, para ver se no Altar estava a toalha que tinha oferecido a Nossa Senhora. A criada depois de chegar ao Altar achou que a toalha era aquela que a sua ama lhe pusera e regressou a casa para dar conta desse facto à ama. Esta foi certificar-se que era a sua toalha que estava no Altar e depois de a examinar muito bem, concluiu que era. A pobre mulher recebeu então inteiramente o valor da toalha e remediou a seus filhos. Compreendeu-se a piedade que Nossa Senhora usara com a pobre mulher aflita, mandando pôr outra no Altar pelas mãos dos Anjos, tão parecida que não se pudesse julgar que a pobre mulher a tinha furtado. Creu-se assim que tinha ocorrido um Milagre de Nossa Senhora dos Mártires.
Acerto de agulhas
É natural que o “Milagre da toalha” tenha sido perpetuado na iconografia de Nossa Senhora dos Mártires e em particular na barrística popular de Estremoz. Daí que exista uma figura antropomórfica feminina, envergando um manto com um grande capuz, de mãos postas em atitude de oração, tendo ou não uma toalha branca assente sobre os punhos do vestido. A meu ver, deverá ser designada por “Nossa Senhora dos Mártires”, abandonando-se designações como: “Dama orando”, “Senhora com Manto”, “Maria” e “Nossa Senhora das Dores”.
A imagem devocional aqui estudada não possui nenhum dos atributos de Nossa Senhora das Dores. Sobre os punhos do vestido assenta aquilo que para mim configura ser uma toalha e não um lenço. A ser um lenço, segurá-lo-ia numa ou nas duas mãos, ou tê-lo-ia apoiado num braço. Logicamente e por analogia humana, nunca iria apoiar uma extremidade do tecido branco num punho do vestido e enfiar o braço debaixo, a fim de que a extremidade oposta do tecido ficasse apoiada no outro punho do vestido.
A meu ver, o que está representado na imagem devocional simboliza a oferta de uma toalha que foi feita a Nossa Senhora. E aqui entra o Milagre de Nossa Senhora dos Mártires, que envolve essa oferta.
A imagem já não é a mesma
A Capela de Nossa Senhora do Mártires, começou a construir-se em 1371 por iniciativa de D. Fernando I e terminou com D. Nuno Álvares Pereira, tendo sofrido modificações no reinado de D. Manuel I e de D. João V. Foi classificada como Monumento Nacional em 1922 e sofreu múltiplas intervenções no decurso do tempo, reabrindo ao culto em 1972. Pelo caminho ficou a primitiva imagem de Nossa Senhora dos Mártires de mãos postas e levantadas. Foi substituída por outra imagem também de roca, que segura o Menino Jesus ao colo e nada tem a ver com a imagem que está na génese do presente texto e cujo “Milagre da toalha” foi perpetuado na barrística popular de Estremoz.
Existem duas fotografias antigas da moderna imagem de Nossa Senhora dos Mártires: uma é do SIPA (1947) e outra de MÁRIO NOVAIS (1954). Curiosamente, qualquer delas está cercada por um arco com flores, à semelhança do arco com fita bordada que envolve a imagem congénere pertencente ao comendador Berardo e que está exposta no Museu Municipal.

BIBLIOGRAFIA
1 – Catálogo da Exposição “Barristas do Alentejo” realizada de 24 de Junho a 15 de Julho de 1962 no Palácio de D. Manuel em Évora. Grupo Pró-Évora. Évora, 1962. (págs. 26 e 34)   
2 – COSTA, Mário Alberto Nunes. Estremoz e o seu concelho nas “Memórias Paroquiais de 1758”. Separata do Boletim da Biblioteca da Universidade de Coimbra, Vol. XXV. Coimbra, 1961. (pág. 57)
3 - ESPANCA, Túlio. Inventário Artístico de Portugal - VIII. Distrito de Évora. Concelhos de Arraiolos, Estremoz, Montemor-o-Novo, Mora e Vendas Novas. Vol. I. Academia Nacional de Belas Artes. Lisboa, 1975. (pág. 91)
4 - FONSECA, Teresa. António Henriques da Silveira e as Memórias analíticas da vila de Estremoz. Câmara Municipal de Estremoz. Estremoz, 2003 (pág. 180).
5 - MATOS, Hernâni. Bonecos de Estremoz. Afrontamento. Estremoz / Póvoa de Varzim, 2018. (pág. 16)
6 - SANTA MARIA, Frei Agostinho de. Santuario Mariano, tomo VI. Na Officina de António Pedrozo Galram. Lisboa, 1718. (págs. 147, 148 e 149)
7 - VERMELHO, Joaquim. Barros de Estremoz. Limiar. Porto, 1990. (págs. 84 e 106)
Estremoz, 31 de Janeiro de 2020
(Jornal E nº 239, de 06-02-2020)
Publicado pela 1ª vez no blogue a 07-02-2020

Nossa Senhora dos Mártires. Fotografia SIPA (1947).

Nossa Senhora dos Mártires. Fotografia Mário Novais (1954).

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Bonecos de Estremoz - Contactos de Barristas





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Artesanato Santo André - Rua da Misericórdia n.º 2, 7100-528 Estremoz.
Mercearia Figo - Rossio Marquês de Pombal n.º 73 , 7100-513 Estremoz.
Museu Municipal de Estremoz - Largo Dom Dinis, 7100-509 Estremoz.
Palácio dos Marqueses de Praia e Monforte - Rua Vasco da Gama n.º 3, 7100-535 Estremoz.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

As Jóias da Coroa


 Fig. 1 - Rei Mago em pé (Belchior). Oficinas de Estremoz do séc. XVIII.


Pese embora a minha condição de republicano e plebeu, assiste-me o direito de ser rei de mim mesmo e usar a Coroa que livremente escolhi e defendo com pundonor no Livro de Horas do meu dia-a-dia. Essa Coroa não é mais que a minha colecção particular de Bonecos de Estremoz. Trata-se de uma colecção generalista, abarcando figuras de temas diversos, criadas por vários barristas­ desde os primórdios até à actualidade.
A colecção distribui-se por duas grandes áreas que usualmente se convencionou designar por “Bonecos da Tradição” e “Bonecos da Inovação”, que no meu livroBONECOS DE ESTREMOZ foram objecto de estudo em capítulos próprios. A primeira integra modelos que têm sido manufacturados desde sempre e a segunda os que foram sendo criados por cada barrista no decurso do tempo, já que “Outros tempos, outros costumes“.
É possível ainda, numa óptica temporal, destacar bonecos que na maioria dos casos têm de um a três séculos de existência, com uma pátine própria, já que “Os anos não perdoam” e “Sem tempo nada se faz“. Trata-se de exemplares que revelam em todo o seu esplendor a marca do tempo e do envelhecimento, quer por descoloração devida a decomposição fotoquímica, quer pela deposição de resíduos provenientes de poeiras ou fumos. São figuras que valorizam a colecção por serem mais antigas e menos vulgares. Constituem aquilo que, na qualidade de rei de mim mesmo, resolvi designar por “Jóias da Coroa”. Passo a referi-las:
- Imagens que integraram presépios do séc. XVIII e que, à excepção de uma, foram adquiridas em 2013 no Mercado das Velharias em Estremoz: Rei Mago em pé (Belchior) – Fig. 1, Rei Mago em pé (Baltasar) – Fig. 2, Rei Mago ajoelhado (Belchior), Rei Mago ajoelhado (Baltasar), Pastor ofertante ajoelhado – Fig. 3.
- Uma imagem devocional de oitocentos: Nossa Senhora dos Mártires - Fig. 4.
- Exemplares que integraram um presépio de finais do séc. XIX que adquiri em 2015, no Mercado das Velharias em Estremoz: Nossa Senhora ajoelhada – Fig. 5, São José ajoelhado - Fig. 6, Rei Mago em pé (Belchior), Rei Mago em pé (Baltasar), Rei Mago em pé (Gaspar) – Fig. 7, Burro e vaca, Pastor de tarro e manta -  Fig. 8, Borregos e cão, Mulher ofertante com um borrego ao colo, Mulher ofertante com um borrego ao colo – Fig. 9.
- Figuras que não integraram o conjunto de figuras da colecção de Emídio Viana que veio a incorporar em 1929 a colecção da Biblioteca e Museu Municipal de Estremoz. Adquiri estes exemplares em 2018, na sequência do falecimento do filho de Emídio Viana: Porqueiro – Fig. 10, Mulher dos enchidos – Fig. 11, Mulher das castanhas – Fig. 12.
- Bonecos que integraram a colecção de Azinhal Abelho e que, por intermédio de José Maria de Sá Lemos, foram encomendados a Ana das Peles em 1938, conforme correspondência deste último para aquele e que acompanhava o lote de figuras que adquiri em 2018: Berço do Menino Jesus (das pombinhas) – Fig. 13, Nossa Senhora ajoelhada, São José ajoelhado, Pastor ajoelhado com um chapéu à frente, Pastor – Fig. 14, Pastor das migas, Fiandeira – Fig. 15, Mulher das castanhas – Fig. 16, Lanceiro com bandeira – Fig. 17, Sargento no jardim, Senhora de pezinhos - Fig. 18, Preta grande (preta florista), Galinha no choco (assobio), Cesto com ovos (assobio), Peralta, (assobio), Amazona (assobio) - Fig. 19).
São compras que por vezes me acabam por “Custar os olhos da cara” e a ficar “Com uma mão na frente e outra atrás”, daí que alguém conhecedor da minha condição de professor aposentado, tenha agourado:
- “Por esse caminho, ainda vais acabar a pedir esmola à porta da Igreja". 

 Fig. 2 - Rei Mago em pé (Baltasar). Oficinas de Estremoz do séc. XVIII.

 Fig. 3 - Pastor ofertante ajoelhado. Oficinas de Estremoz do séc. XVIII.

  Fig. 4 – Nossa Senhora dos Mártires. Oficinas de Estremoz do séc. XIX.

 Fig. 5 – Nossa Senhora ajoelhada. Oficinas de Estremoz de finais do séc. XIX.

Fig. 6 - São José ajoelhado. Oficinas de Estremoz de finais do séc. XIX.

 Fig. 7 - Rei Mago em pé (Gaspar). Oficinas de Estremoz de finais do séc. XIX.

 Fig. 8 - Pastor de tarro e manta. Oficinas de Estremoz de finais do séc. XIX.

 Fig. 9 - Mulher ofertante com um borrego ao colo. Oficinas de Estremoz de finais do
 séc. XIX.

 Fig. 10 - Porqueiro. Oficinas de Estremoz de finais do séc. XIX. Ex-colecção Emídio
Viana.

 Fig. 11 - Mulher dos enchidos. Oficinas de Estremoz de finais do séc. XIX. Ex-colecção
Emídio Viana.

 Fig. 12 - Mulher das castanhas. Oficinas de Estremoz de finais do séc. XIX. Ex-colecção
Emídio Viana.

 Fig. 13 - Berço do Menino Jesus (das pombinhas). Ana das Peles (1938). Ex-colecção
Azinhal Abelho.

Fig. 14 - Pastor. Ana das Peles (1938). Ex-colecção Azinhal Abelho.

 Fig. 15 - Fiandeira. Ana das Peles (1938). Ex-colecção Azinhal Abelho.

 Fig. 16 - Mulher das castanhas. Ana das Peles (1938). Ex-colecção Azinhal Abelho.

Fig. 17 - Lanceiro com bandeira. Ana das Peles (1938). Ex-colecção Azinhal Abelho.
  
 Fig. 18 - Senhora de pezinhos. Ana das Peles (1938) Ex-colecção Azinhal Abelho.

Fig. 19 - Amazona (assobio). Ana das Peles (1938). Ex-colecção Azinhal Abelho.

Hernâni Matos
Publicado inicialmente em 16 de Janeiro de 2020

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Poesia Portuguesa - 095


José Gomes Ferreira (1976). Fotografia de Miranda Castela (1932-2011).


VIVER SEMPRE TAMBÉM CANSA
JOSÉ GOMES FERREIRA (1900-1985)


Viver sempre também cansa.

O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinzento, negro, quase-verde…
Mas nunca tem a cor inesperada.

O mundo não se modifica.
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.

As paisagens também não se transformam.
Não cai neve vermelha,
não há flores que voem,
a lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua.

Tudo é igual, mecânico e exacto.

Ainda por cima os homens são os homens.
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação.

E há bairros miseráveis sempre os mesmos,
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe,
automóveis de corrida…

E obrigam-me a viver até à Morte!

Pois não era mais humano
morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois,
achando tudo mais novo?

Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
morrer em cima de um divã
com a cabeça sobre uma almofada,
confiante e sereno por saber
que tu velavas, meu amor do Norte.

Quando viessem perguntar por mim,
havias de dizer com teu sorriso
onde arde um coração em melodia:
“Matou-se esta manhã.
Agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela.”

E virias depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo…

JOSÉ GOMES FERREIRA (1900-1985)


quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

75 anos da morte de Ana das Peles


Presépio de três figuras (1938). Ana das Peles (1869-1945). Colecção do autor.

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Presépio de três figuras
Os barristas de Estremoz vêm representando a Natividade, seguramente desde o século XVIII, pelo que existe uma grande diversidade de Presépios. Aquele que ilustra a presente crónica é o chamado Presépio de três figuras da autoria de Ana das Peles (1869-1945), que de acordo com correspondência que tenho em meu poder, foi encomendado em 1938 pelo poeta Azinhal Abelho (1911-1979) ao escultor José Maria de Sá Lemos (1892-1971), Director da Escola Industrial António Augusto Gonçalves entre 21 de Abril de 1932 e 30 de Setembro de 1945.
Este modelo de Presépio, além de ser integrado pelo chamado “Berço do Menino Jesus”, inclui as figuras de Nossa Senhora e São José, ajoelhados numa base de cor ocre amarelo, de forma rectangular com os cantos adoçados e denteado na orla vertical.
O renascer dos Bonecos
Após a sua chegada a Estremoz, Sá Lemos constatou que a manufactura de Bonecos de Estremoz se encontrava extinta desse 1921, após a morte da barrista Gertrudes Rosa Marques. Atribuiu então a si próprio a missão da sua recuperação, para o que precisaria da colaboração de alguém que em tempos os tivesse confeccionado. Teve conhecimento da existência de Ana Rita da Silva (Ana das Peles), então com 63 anos de idade, que em tempos manufacturara os Bonecos de assobio e assistira à feitura dos restantes, mas entendia que não era capaz de os confeccionar. Sá Lemos intuiu que seria, por se lhe ter tornado evidente que a técnica era a mesma. Dois anos levaram a convencê-la, o que aconteceu em Julho de 1935 no decurso da Feira de Santiago, no Rossio Marquês de Pombal, em Estremoz. A partir daí, Sá Lemos estimulou-a, orientou-a e trabalhou em conjunto com ela na Escola. Em 10 de Novembro de 1935, no artigo “Os bonecos de Estremoz / “Versos Irónicos em barro””, publicado no jornal “Brados do Alentejo”, confessou que a sua missão fora coroada de êxito.
A estética dos Bonecos
Sá Lemos que além de escultor era professor de Desenho na Escola, no decorrer da revitalização da extinta manufactura de Bonecos de Estremoz, gizou a estética dos mesmos, tanto a nível morfológico como a nível cromático. Para tal, utilizou como modelos, exemplares pertencentes à Biblioteca-Museu Municipal de Estremoz, ao Museu Municipal de Elvas e ao Tenente-coronel Pinto Tavares (1869-1945).
A estética projectada por Sá Lemos foi apreendida por Ana das Peles, a partir do aconselhamento e acompanhamento do escultor. A idade avançada de Ana das Peles (66 anos em 1935) levou Sá Lemos a interessar na manufactura dos mesmos, o oleiro Mariano da Conceição (1903-1959), Mestre de Olaria da Escola desde 3 de Dezembro de 1930, que em 1935 tinha 32 anos e estava na força da vida. Mariano aceitou de bom grado o repto e a partir de então a sabedoria e a magia das suas mãos, voltaram-se também para a manufactura dos Bonecos que vira Ana das Peles modelar. Creio que Mariano só terá começado a modelar Bonecos depois de 1937, uma vez que ao contrário de Ana das Peles, os Bonecos de Mariano não estiveram presentes em 1936 na Exposição de Arte Popular Portuguesa realizada em Lisboa, nem em 1937 na Exposição Internacional de Paris. Mariano só participou em 1940 na Exposição do Mundo Português, na qual estiveram também presentes Bonecos de Ana das Peles.
Sá Lemos também aconselhou e acompanhou Mariano da Conceição nos primeiros tempos, mas posteriormente veio a fornecer-lhe desenhos de figuras concebidas por si e que à data de falecimento de Mariano (29 de Setembro de 1959) ainda existiam na sua casa. À semelhança de Ana das Peles, Mariano assimilou também a estética de Sá Lemos e conferiu-lhe igualmente as suas marcas próprias de identidade, já que “Quem conta um conto, aumenta um ponto”.
Ana das Peles
Ana Rita da Silva (1869-1945) nasceu a 22 de Novembro de 1869 numa casa da Rua da Porta da Lage, na freguesia de Santo André, concelho de Estremoz. Filha legítima de Manuel Joaquim da Silva, proprietário, natural de Fornos de Algodres e de Maria Domingas, governadeira de sua casa, natural da freguesia de S. Bento do Cortiço, concelho de Estremoz. Ana Rita seria baptizada a 15 de Setembro de 1869, na igreja paroquial de Santo André, Estremoz.
Em data que não é conhecida, casou com Jacinto Manuel, natural de Bencatel, de quem enviuvou em 1935.
Ana Rita da Silva, mais conhecida por Ti Ana das Peles, era irmã de Ti Luzia, casada com Mestre Cassiano que viera de Elvas e aprendera o ofício de barro fino na Cerâmica Estremocense de Mestre Emídio Viana, situada na Rua do Lavadouro, em Estremoz. Dali saiu para montar uma olaria de barro grosso, conhecida por Olaria Regional, na Rua do Afã, 36-B, no Bairro de Santiago, em Estremoz.
Ana das Peles vendia louça de barro vermelho de Mestre Cassiano no mercado de sábado em Estremoz e durante a semana era almocreve, uma vez que se deslocava às aldeias e vilas do concelho, com um burro aprestado de alforges, contendo pratos, panelas e outros objectos utilitários que vendia. Nas suas deslocações comprava peles secas de animais que viriam a ser utilizadas na manufactura de golas, casacos, pantufas, tapetes, etc., o que está na origem da sua alcunha “Ana das Peles”.
Era uma mulher independente, que assegurava a vida da família num tempo em que as mulheres raramente saíam à rua, ficando em casa e ocupando o seu tempo nas tarefas domésticas, bem como nos bordados e na costura.
Ana das Peles tinha o dom de fazer mezinhas e de curar pessoas, como era corrente naquele tempo, quando as famílias não tinham posses para ir aos médicos. Exercia essas práticas não só junto da família, como de outras pessoas que a procuravam.
Ana das Peles está indissociavelmente ligada à recuperação dos “Bonecos de Estremoz”. Em 1935 os Bonecos de Ana das Peles participaram na “Quinzena de Arte Popular Portuguesa” realizada na Galeria Moos, em Genebra. Em 1936 estiveram presentes na Secção VI (Escultura) da Exposição de Arte Popular Portuguesa realizada em Lisboa, em 1937 na Exposição Internacional de Paris e em 1940 na Exposição do Mundo Português.
Os Bonecos de Estremoz, de Ana das Peles foram nestas exposições, um ex-líbris de excelência da cidade de Estremoz. Eles foram os melhores embaixadores da nossa Arte Popular e da nossa identidade cultural local e regional. Eles foram, simultaneamente, a primeira declaração e a primeira prova insofismável de que na nossa terra existiam criadores populares de grande qualidade. Os Bonecos de Estremoz, até então relativamente pouco conhecidos, adquiriram por mérito próprio e muito justamente grande notoriedade pública.
Ana Rita da Silva faleceu a 19 de Fevereiro de 1945 no Hospital da Misericórdia de Estremoz, com 75 anos de idade. O elogio fúnebre de Ana da Peles foi feito por Sá Lemos em artigo intitulado “Morreu a Ti Ana das Peles”, publicado no jornal Brados do Alentejo em 25 de Fevereiro de 1945.
Dois vizinhos
Ana das Peles morava e tinha oficina na Rua Brito Capelo n.º 21, onde ainda há bem pouco tempo era a churrasqueira “Frango e Companhia” de José Maria Calquinhas. Era aí que comercializava as suas criações.
Mariano morava no n.º 13 da mesma rua, mas nunca trabalhou ali. A sua oficina funcionou sucessivamente na Rua das Meiras n.º1, na Rua da Frandina e na Rua Pedro Afonso n.º 6.
75 anos da morte de Ana das Peles
A 19 de Fevereiro de 2020 completam-se 75 anos sobre a morte de Ana das Peles. Como reconhecimento do papel desempenhado por ela na recuperação duma tradição extinta e que hoje é motivo de orgulho para todos os estremocenses, impõe-se que a efeméride seja assinalada condignamente. Dou sugestões:
- PERPETUAÇÃO DA MEMÓRIA DA BARRISTA, INCLUINDO O SEU NOME NA TOPONÍMIA LOCAL - Até agora a toponímia estremocense já perpetuou o nome dos seguintes barristas: Mariano da Conceição (1903-1959), Sabina da Conceição (1921-2005), Liberdade da Conceição (1913-1990), Maria Luísa da Conceição (1934-2015) e Quirina Marmelo (1922-2009). A omissão do nome de Ana das Peles na toponímia local é profundamente injusta. Aqui como em tudo, não pode haver filhos e enteados;
- DESCERRAMENTO DUMA LÁPIDE NA PAREDE DO PRÉDIO ONDE A BARRISTA TEVE OFICINA – Esta iniciativa poderia constituir a primeira doutras congéneres em relação a outros barristas falecidos;
- MONTAGEM DUMA EXPOSIÇÃO DE BONECOS DE ESTREMOZ MODELADOS PELA BARRISTA.
As sugestões aqui ficam.
- TEM A PALAVRA O MUNICÍPIO!

Estremoz, Natal de 2019
(Jornal E nº 236, de 26-12-2019)

Sá Lemos trocando impressões com Ana das Peles numa sala de aulas da Escola
Industrial António Augusto Gonçalves. Fotografia de Rogério de Carvalho (1915-1988).
Arquivo fotográfico do autor.

Ana das Peles a pintar Bonecos na sua oficina na Rua Brito Capelo n.º 21, em Estremoz.
Atrás de si é visível um Presépio de três figuras. Fotografia de Rogério de Carvalho
(1915-1988). Arquivo fotográfico do autor.

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Natal, pois claro!


Presépio de trono ou altar (1983) - Liberdade da Conceição (1913-1990)
Colecção particular.

Natal à porta
Entrámos no período de Natal. Este é a festividade cristã que enaltece o nascimento de Jesus Cristo. A data da sua celebração ocorre a 25 de Dezembro (Igreja Católica Apostólica Romana) ou a 7 de Janeiro (Igreja Ortodoxa). O Natal é, de resto, mundialmente encarado por pessoas de diferentes credos, como o dia consagrado à família, à paz, à fraternidade e à solidariedade entre os homens.
Tradições de Natal
No período de Natal cumprem-se ciclicamente tradições. Assim, no início do mês de Dezembro, semeiam-se as searinhas do menino Jesus, monta-se o presépio e a árvore de Natal. Na noite de Natal queima-se o madeiro no adro da igreja ou no largo principal. Vai-se à missa do galo e só depois decorre a ceia de Natal. À lareira ou junto do madeiro de natal são entoadas loas ao Menino Jesus, as quais integram o Cancioneiro Popular de Natal. Estas loas são muitas vezes acompanhadas com toque de ronca. Os presentes só são distribuídos no dia de Natal.
O Natal é também objecto de superstições, as quais integram a Mitologia Popular de Natal. Igualmente, existem numerosos provérbios de Natal.
Passemos em revista algumas das tradições referidas.
Searinhas do Menino Jesus
Uma tradição que ainda hoje se cumpre no Alentejo é a sementeira das “searinhas do Menino Jesus”, que se efectua no dia 8 de Dezembro, dia de Nossa Senhora da Conceição.
Consiste esta tradição em semear em pequenos recipientes (pires ou chávenas) com terra, alguns grãos de trigo que são humedecidos com água para germinar, após o que são diariamente borrifados com a mesma, a fim de os rebentos se manterem viçosos.
As searinhas, dedicadas ao Menino Jesus, são utilizadas no presépio e no oratório, assim como são levadas à mesa da Consoada, na crença de que o Menino Jesus abençoe o trigo, de modo que nunca falte pão em casa e na mesa. No dia de Reis (6 de Janeiro), as searinhas devem ser transplantadas para a terra.
A tradição teve início no século XVI quando o cardeal e teólogo ascético francês Pierre de Bérulle (1575-1629) decidiu adornar o presépio com searinhas e laranjas para que as sementeiras e árvores de fruto fossem abençoadas e dessem muito durante o ano inteiro.
Parece não restarem dúvidas que se trata de mais um aproveitamento cristão duma tradição pagã. Na verdade, a festa pagã do solstício de Inverno que comemorava o renascimento do Sol, foi substituída pela festa cristã do Natal, que celebra o nascimento de Cristo. Daí que usos e costumes que lhe estavam associados tenham sido adaptados ao Cristianismo, pelo que são reminiscência das antigas crenças.
O Presépio
Um dos grandes símbolos religiosos, que retrata o Natal e o nascimento de Jesus é o presépio. De acordo com Rafael Bluteau (1638-1734) e Cândido de Figueiredo (1846-1925), a palavra “presépio” provem do latim “praesepium”, que genericamente significa curral, estábulo, lugar onde se recolhe gado e que, numa outra óptica designa qualquer representação do nascimento de Cristo, de acordo com os Evangelhos.
Conhecem-se presépios de barro de Estremoz desde o séc. XVIII e crê-se que eles terão sido aqui introduzidos pelos monges do Convento de S. Francisco, edificado em meados do séc. XIII e cuja tradição presepista é bem conhecida, desde que o fundador da Ordem, S. Francisco de Assis, montou o primeiro presépio do mundo em Greccio (Itália), no Natal de 1223, com a função didáctica de explicar o nascimento de Jesus, ao mesmo tempo que desgostado com as liberdades da Natividade dentro dos Templos, sustinha a adoração do Natal, como nos diz Luís Chaves (1888-1975).
Da multiplicidade de presépios de Estremoz, o mais vistoso é o chamado “presépio de trono ou de altar”, com figuras montadas em cantareira de barro, pintada à maneira tradicional das casas alentejanas.
As figuras do presépio são em número de nove e encontram-se dispostas hierarquicamente em três degraus da cantareira, hierarquizados de baixo para cima e da esquerda para a direita: 1º DEGRAU - OS PASTORES (Pastores alentejanos trajando à moda da primeira metade do século XX): - pastor ofertante em pé com um cesto com uma pomba branca; - pastor ajoelhado e de cabeça descoberta, orando com o chapéu à frente; - pastor ofertante em pé, segurando um borrego e com tarro enfiado no braço esquerdo. 2º DEGRAU – A SAGRADA FAMÍLIA: - São José ajoelhado; - Menino Jesus deitado numa manjedoura; - Nossa Senhora ajoelhada. 3º DEGRAU – OS REIS MAGOS: Gaspar, Baltazar e Belchior. Todos de pé e segurando as respectivas ofertas.
Na parede, por detrás dos reis magos, rasgam-se duas janelas de arco românico. A da esquerda, através da paisagem que por ela se vislumbra, contextualiza o local, onde na realidade nasceu Jesus. Por isso, esta janela mostra-nos, ao longe, uma casa de perfil palestiniano, ladeada por uma palmeira, árvore característica da região. Quanto à janela da direita, revela-nos o firmamento e nele a estrela, símbolo do poder divino que iluminou e conduziu os reis magos a Jesus
A ronca
A ronca é um instrumento musical tradicional do Alentejo, bastante rudimentar, pertencente à classe dos membranofones de fricção. É composto essencialmente por um reservatório, que pode ser um cântaro de barro ou outro recipiente qualquer. É ele que serve de caixa de ressonância e cuja boca é cerrada com uma pele esticada, a qual vibra quando se fricciona uma pequena e fina cana presa por uma das extremidades no seu centro. O som resultante, grave e fundo, é transformado pela caixa de ressonância no ronco característico do instrumento. A espessura e a qualidade da pele, é importante por causa do som. Por isso, usa-se pele de ovelha, borrego, carneiro, cabra, cabrito ou chibo, bem como bexiga de porco ou de carneiro.
É um instrumento usado no acompanhamento de canções de Natal ou das Janeiras, podendo ainda pode ser encontrado na zona raiana (região de Portalegre, Elvas, Terrugem e Campo Maior), onde grupos de homens agasalhados nos seus capotes para arrostar o frio, percorrem as ruas em compasso lento e solene, entoando cantares, parando aqui e ali, para dedicar os seus cantos aos moradores de determinadas casas.
Durante a sua utilização, a ronca é levada debaixo de um dos braços, enquanto o outro fricciona a cana longitudinalmente, com força. A eficácia do funcionamento da ronca exige que, de vez em quando, os tocadores cuspam para a mão que empunha a cana, a fim de lubrificar a pele da ronca. Os cânticos entoados podem ser dos mais diversos. Por exemplo: “Qualquer filho de homem pobre / Nasce num céu de cortinas. / Só tu, Menino Jesus, / Nasceste numas palhinhas.” Ou então: 
“Ó mê Menino Jasus / Da Lapa do coração, / Dai-me da vossa merenda, / Que a minha mãe não tem pão.”
Sobre a ronca, diz-nos António Thomaz Pires (1850-1913): "Das nove horas até à meia-noite de Natal percorrem as ruas da cidade diferentes grupos de homens do povo, cantando em altas vozes, em coro, e núm rhytmo e entoação especial, trovas ao Menino Jesus, acompanhadas pelo som àspero da ronca: alcatruz de nora, ou panella de barro, a cujo bocal se adapta uma membrana, ou pelle de bexiga, atravessada por um pau encerado, pelo qual se corre a mão com força para produzir um som rouco. Somente pelo Natal é este instrumento ouvido."
Mitologia Popular de Natal
A presente colectânea de superstições e tradições populares sobre o Natal, mostra a riqueza da nossa Mitologia Popular: - A construção ou reparação do lar deve ser efectuada na noite de Natal; - À meia-noite do dia de Natal deve sair-se para o campo e colher arruda, alecrim, salva e erva-terrestre. A arruda frita-se em azeite para usar nas fricções e das outras plantas faz-se chá para beber quando se está doente; - À rosa de Jericó é atribuída a virtude de facilitar o nascimento das crianças. Para tal, a rosa é lançada numa tigela com água e à medida que vai abrindo, o parto é facilitado. Também é boa para a enxaqueca quando se aspira o aroma que exala ao abrir-se. Colocada num oratório na noite de Natal, encontra-se aberta pela manhã. (Elvas); - Quando canta na noite de Natal, o galo diz: “Jesus é Cristo.” (Elvas); - Havendo luar na noite de Natal, é sinal de no próximo ano haver muito leite; - Uvas comidas seguidamente à meia-noite de Natal, livram de sezões (Évora); - É bom ficar a mesa posta no fim da ceia de Natal, que é para os Apóstolos virem comer. (Barcelos); - Ao meio-dia do dia de Santa Bárbara devem deitar-se algumas galinhas para tirarem na noite de Natal. Todo o galo nascido nessa noite, cantará sempre à meia-noite; - As pessoas nascidas no dia de Natal ou de Ano Bom são muito felizes; - As pessoas nascidas no dia de Natal vivem muito tempo; - O cepo da fogueira do Natal e os cotos de velas usadas nessa época, têm grandes virtudes contra as coisas más; - No presépio, a mula espalhava o feno e a vaca juntava-o. Daí a maldição de Nossa Senhora à mula: —"Não parirás! — prometendo à vaca que a carne dela seria a que sustentaria mais (Elvas). 
Provérbios de Natal
É vasto o número de provérbios sobre o Natal, Muitos deles atinentes aos ciclos agrícolas. Eis alguns: Ande o frio por onde andar, pelo Natal cá vem parar. Depois de o Menino nascer, é tudo a crescer. Galinhas de São João, pelo Natal ovos dão. Laranja antes do Natal livra o catarral. No Natal, só o peru é que passa mal. No Natal, todo o lobo vira cordeiro. O Natal em casa e junto da brasa. Pelo Natal, cada ovelha em seu curral. Pelo Natal, poda natural. Pelo Natal, sachar o faval. Pelo Natal, semeia o teu alhal e se o quiseres cabeçudo, semeia-o no Entrudo. Quem quer bom ervilhal semeia antes do Natal. Quem quiser bom pombal, ceva-o pelo Natal. Quem varejar antes do Natal, deixa azeite no olival.

Estremoz, 10 de Dezembro de 2019
(Jornal E nº 235, de 12-12-2019)

Searinha do Menino Jesus. Fotografia recolhida em”vimeo.com” ( https://vimeo.com ).

Tocadores de ronca. Fotografia recolhida em “Folclore de Portugal” ( https://folclore.pt ).