domingo, 6 de novembro de 2016

Manifesto anti-gralha


Cerca de 1450, Johannes Gutenberg (1400-1468) inventor da Imprensa, examina
uma página impressa. Ilustração do séc. XIX. Com a composição tipográfica e a
 impressão, nasceria a gralha.

A gralha continua a ser aquela ave atrevida que pousa no texto, sem pedir autorização ao seu autor. Daí que eu tenha composto o seguinte:

Manifesto anti-gralha

Quem trabalha
o seu texto,
como em talha,
o arabesco,

sem falha,
quer primor
e batalha
pelo seu amor.

Mas vem a gralha
e sem pretexto,
feita canalha,
deturpa o texto.

Extirpar a gralha
é o contexto
de quem batalha
para elevar o texto.

O Manifesto chegou ao fim.
Morra a gralha! Morra! Pim!

PÓS-TEXTO: No número anterior do jornal E, na entrevista “ANTÓNIO GUTERRES VISTO POR COELHO RIBEIRO”, deveria ter aparecido “O despertar de Coelho Ribeiro” em vez do subtítulo “O despertador de Coelho Ribeiro”, que o entrevistador não subscreve, uma vez que não se reconhece em títulos sensacionalistas. Aqui fica pois, a correcção que se impunha. De resto, o leitor mais atento, decerto terá percebido, que o importante ali é ter acontecido “O despertar de Coelho Ribeiro” para a intervenção cívica e política e não as forças policiais ao serviço do Fascismo, já que embora a acção destas forças tenha funcionado como “O despertador de Coelho Ribeiro”, o que se pretende exaltar é o “O Despertar de Coelho Ribeiro” para a intervenção cívica e política, a qual até poderia ter ocorrido de outra maneira.

Hernâni Matos

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Estremoz – Rota dos Museus


MUSEU MUNICIPAL DE ESTREMOZ (Fotografia da Wikia do Museu)

“Quando chega o domingo, / faço tenção de todas as coisas mais belas / que um homem pode fazer na vida.” Assim começa o “Poema de Domingo” do neo-realista Manuel da Fonseca. Daí que no passado dia 23 de Outubro, dia de São João de Capistrano, eu e a minha companheira, tenhamos resolvido levar à prática a máxima do Turismo de Portugal, que recomenda fazer turismo cá dentro. Enfarpelados com os nossos fatos de ver a Deus, resolvemos ir almoçar fora e visitar os nossos museus. Foi uma aposta num dia diferente, independentemente do que viesse a ser o balanço final da opção tomada, já que como nos diz o pedagogo-poeta Sebastião da Gama: “Pelo sonho é que vamos, / Comovidos e mudos. / Chegamos? Não chegamos? / Haja ou não frutos, / Pelo Sonho é que vamos.”. Trata-se de um excerto do seu poema “Pelo sonho é que vamos”, que de acordo com J. R. Ribeiro, se assumiu como “…a metáfora da esperança, da coragem e da vontade de correr riscos…”.

Alecrim, alecrim aos molhos
A gastronomia alentejana é património culinário legado pelos nossos ancestrais. É património para mastigar, para saborear e para lamber os beiços, a comer e a chorar por mais, já que barriga vazia não conhece alegrias. Daí que seja de importância primordial a escolha do local onde se quer honrar simultaneamente Héstia e Baco. Para tal, escolhemos o restaurante Alecrim. Lá diz o rifão: “Quem pelo alecrim passou e um raminho não apanhou, do seu amor não se lembrou”. É que para os romanos esta planta aromática simbolizava o amor, para além da utilização plural que ainda hoje tem: culinária, medicina, perfumaria, religião e religiosidade popular. Daí que o nome de baptismo do restaurante seja merecedor dos meus encómios. O mesmo posso dizer do ambiente, do cardápio, da carta de vinhos, da confecção e do padrão de atendimento, os quais são excelentes e nos cativam para voltar. O périplo turístico a que nos propusemos, não poderia ter começado melhor.

Museu Municipal de Estremoz
Visitar um Museu é um acto de cidadania, já que ali e para nosso deleite, é possível educar o espírito na observação dos testemunhos materiais do homem e de aquilo que o circunda. Daí que seja imperativo conhecer e aprofundar o conhecimento que temos sobre os nossos museus.
Na rota a que nos apresentáramos, a primeira visita foi ao Museu Municipal de Estremoz, actualmente Centro UNESCO para a Valorização e Salvaguarda do Boneco de Estremoz. Aqui o seu director Hugo Guerreiro tem desenvolvido um trabalho notável, sendo ele o mentor da Candidatura do Figurado de Barro de Estremoz a Património Cultural Imaterial da Humanidade.
Pese embora as conhecidas dificuldades de acesso para pessoas com mobilidade reduzida, é um templo de Cultura Popular que há muito despertou o meu culto, já que os bonecos de Estremoz me estão na massa do sangue. Ali vou com frequência para observação dos mesmos, visando a recolha de elementos para a elaboração de estudos que desde 2014 têm sido publicados numa secção mantida em permanência no jornal “Brados do Alentejo”. É a minha forma de proclamar que subscrevo com alma e coração, a Candidatura dos Bonecos de Estremoz a Património Cultural Imaterial da Humanidade. Visitar o Museu Municipal é gratificante, uma vez que saio de lá sempre revigorado e com a alma cheia.

Galeria Municipal D. Dinis
Para aqui nos dirigimos para visitar "DA MEMÓRIA", exposição de artesanato de Manuel Serrano, patente ao público até 13 de Novembro deste ano. A Galeria equiparada a Museu, está fechada às segundas-feiras, que é o dia de descanso semanal dos museus. Surpreendentemente estava fechada também ao domingo. Algo frustrados, continuámos a rumo traçado.

Palácio dos Marqueses de Praia e Monforte
Chegado aqui e por ter a mobilidade reduzida, procurei utilizar o elevador para subir ao 1º andar, o que não foi possível, uma vez que a porta de acesso ao mesmo se encontrava fechada à chave. Viria a ser informado posteriormente que se tratava de uma questão de segurança, uma vez que ali se encontra armazenado o espólio do desactivado Museu Rural de Estremoz. A solução foi subir a pé dois lances de escada. Mereceu a pena o esforço, já que está ali patente ao público até ao próximo dia 27 de Novembro, a exposição “BRINQUEDO PORTUGUÊS", do coleccionador Hélder Máximo Martins. Trata-se de uma viagem aos tempos da nossa infância, a revisão dos brinquedos com os quais construímos a nossa personalidade, que muitas vezes exigiam actividade física e com os quais exercitávamos a nossa imaginação criadora, praticávamos o exercício da liberdade, desenvolvíamos a nossa socialização e reforçávamos o espírito colectivo. A exposição permite ainda despertar consciências de pais e educadores para os riscos sociais representados pelas consolas, os jogos de vídeo, de computador e de telemóvel. Uma exposição que se recomenda.

Núcleo Museológico da Alfaia Agrícola
O fascínio da ruralidade levou-nos a dirigir para ali, visando uma revisitação das memórias dos ciclos de produção da faina agro-pastoril (pastorícia, trigo, azeitona, cortiça, vinha, etc.), através dos utensílios utilizados pelo Homem e dos aprestos usados pelos animais. Não fomos bem sucedidos, uma vez que à semelhança da Galeria Municipal D. Diniz, o Núcleo Museológico se encontrava igualmente encerrado.

Algo vai mal no reino da Dinamarca
O propósito inicial de fazer turismo cá dentro foi globalmente positivo, ainda que não tenha sido integralmente cumprido. Todavia, isso para nós não constituiu problema, uma vez que temos disponibilidade para efectuar as visitas noutro dia qualquer. Lá diz o adágio: “O que não se faz no dia de Santa Maria, faz-se noutro dia”. Contudo, o problema existe e é pertinente para forasteiros, nacionais e estrangeiros. Ficam com a má imagem de espaços exposicionais que deveriam estar abertos ao público e se encontram fechados ao domingo, num fim-de-semana, que é quando as famílias têm disponibilidade para estar juntas e viajarem. Não sei se este encerramento é fruto de falta de pessoal ou de baixas por doença. O que sei dizer é que acho estranho. Sou levado a parafrasear o provérbio "Vinho e linho não têm domingo”, dizendo que “Museus não têm domingo” e à semelhança de Hamlet na peça homónima de William Shakespeare, sou levado a proclamar que: “Algo vai mal no reino da Dinamarca”.

Hernâni Matos

PRIMAVERA - séc. XIX (Museu Municipal de Estremoz)
PALÁCIO DOS MARQUESES DE PRAIA E MONFORTE (Fotografia de Jorge Mourinha)
BRINQUEDO POPULAR (Colecção particular)

terça-feira, 25 de outubro de 2016

58 - O aguadeiro - 8


Aguadeiro (2014).
Jorge da Conceição (1963-  ).
Colecção particular.
Figurado de Estremoz – 3
Vimos que o núcleo base do figurado de Estremoz inclui um exemplar conhecido por “Aguadeiro”, conjunto constituído por uma figura antropomórfica masculina (o aguadeiro) e uma figura zoomórfica (o burro). Trata-se de uma peça produzida pelos sucessivos barristas, utilizando as suas próprias marcas de identidade, mas sem fugir aos traços gerais do modelo original. Todavia, nem todos assim procederam, quando ao modo de Estremoz, manufacturaram figuras, que duma forma insofismável, continuam a traduzir a identidade cultural regional e local, observável em tempos ainda não muito recuados.
O aguadeiro de Jorge da Conceição (2014) é um conjunto constituído por uma figura antropomórfica masculina (o aguadeiro), um carrinho de mão para transporte de cântaros e a fonte na qual se abastece de água. Representa um aguadeiro rural trajando à maneira de meados do séc. XX, com o braço direito pendente, empunhando um cocho de cortiça para beber água e o braço esquerdo erguido, com a mão segurando um lenço branco com que limpa o suor. Na cabeça, dois pontos negros em fundo branco, representam os olhos, encimados por dois traços castanhos de espessura diferente, que figuram as pestanas e as sobrancelhas. No nariz em relevo, estão representadas as narinas. Na boca, os lábios avermelhados igualmente em relevo. O cabelo é castanho-escuro, penteado para trás, com patilhas laterais e apresenta também volumetria, tal como as orelhas que estão a descoberto. A figura enverga calças em relevo, de cor castanha e camisa ainda em relevo, de cor cinzenta, com as mangas arregaçadas, fechada no peito por três botões brancos de forma semiesférica e é atada à frente, à moda dos eguariços. Os botins são analogamente castanhos, ainda que duma tonalidade diferente das calças.
À frente do homem encontra-se um carrinho de mão, com dois pés e dois braços, de cor castanha, sugerindo madeira. A roda com seis raios, similarmente castanhos, apresenta o aro exterior cinzento-escuro, lembrando ferro. O estrado do carrinho apresenta duas cavidades para transporte de cântaros, orladas com um anel em relevo e de cor cinzento-escuro, alvitrando borracha. No buraco da frente está encaixado um cântaro de tom avermelhado, evocando barro e cujo gargalo se encontra vedado por uma tampa de cor castanho-claro, supostamente de cortiça. O buraco de trás, está parcialmente encoberto por um chapéu aguadeiro preto, de fita igualmente preta.
A fonte, de cor branca, aparentando alvenaria caiada, tem um depósito em forma de urna ornamentada por grinaldas de flores, é encimada por uma vieira e ostenta duas gárgulas antropomórficas, tudo em relevo. Das bocas das gárgulas saem tubos de cor cinzento-escuro, aparentando ferro e dos quais jorra “água” de tom prateado. A urna está emoldurada a azul do Ultramar. Sob a bica da direita encontra-se um cântaro semelhante ao anterior, a recolher água e cuja tampa está assente no bordo da taça, em cor branca de mármore com veios.
O conjunto assenta numa base rectangular de cor verde bandeira, pintada lateralmente num tom castanho-avermelhado.
O exemplar de figurado de Estremoz aqui descrito exige uma confecção mais complexa e morosa do que o espécimen anteriormente descrito. Para além disso e já não é pouco, corresponde em termos de imaginário do seu criador, a uma ruptura com aquilo que vinha sendo feito, elevando assim a nossa barrística a um novo patamar, como já tinha acontecido na criação de outros modelos. É caso para dizer que ocorreu aqui uma mudança de paradigma, a qual se regista e se valoriza.

Hernâni Matos

sábado, 22 de outubro de 2016

ANTÓNIO GUTERRES VISTO POR COELHO RIBEIRO (Entrevista conduzida por Hernâni Matos)

Hernâni Matos (entrevistador) e Coelho Ribeiro (entrevistado).

José Coelho Ribeiro, 82 anos, bancário aposentado e membro do Partido Socialista, foi Presidente da Câmara Municipal do Fundão no mandato 1976-1979 e Presidente da Assembleia Municipal de Estremoz no mandato 1986-1989, cidade em que se fixou em 1980. Natural de Medelim (Idanha-a-Nova), mantém relações de estreita amizade com António Guterres, eleito recentemente Secretário-geral da ONU. Daí a razão da presente entrevista.

O DESPERTAR DE COELHO RIBEIRO
Como e quando, é que o cidadão Coelho Ribeiro despertou para a intervenção cívica e política?
A questão que me coloca leva-me a recuar até ao ano de 1954. Se me permite e para responder à sua pergunta, vejo-me obrigado a invocar esta data, tendo em conta a gravidade dos acontecimentos em que me vi envolvido. Foi, sem dúvida, o marco que gerou a minha repulsa à ditadura de Salazar e de Caetano. No mês de Junho desse ano, estando em Lisboa, caminhava para o café Martinho, para me encontrar com conterrâneos. Ao aproximar-me do Teatro Dona Maria II, ouvi  nas proximidades do Coliseu dos Recreios, uma gritaria cujo teor não consegui perceber. Curioso como os demais, interrompi o meu caminho, para perceber o que se estava a passar. Ao aproximar-se o pequeno grupo de manifestantes, ouviram-se com clareza, palavras de ordem contra a ditadura, exigindo a liberdade de todos os povos das colónias portuguesas (É que na Índia Portuguesa, tinha ocorrido a penetração de Satiagrais, que entravam com uma conduta pacífica, mas pretendiam uma progressiva ocupação do território). Foi então  que surgiu a GNR a cavalo, agredindo à  bastonada todos os que se atravessavam no seu caminho. Tentando fugir, subi a Rua Nova do Almada e junto dos Armazéns do Chiado fui interceptado por uma brigada da PSP, que me obrigou a parar e me levou debaixo de prisão para o Governo Civil. Na sequência desta ocorrência, associei-me aos opositores da ditadura.  
Quando, como e porquê, ingressou no PS?
Foi em Junho de 1974, que pelo motivo apontado e a convite de um médico e amigo fundanense, me filiei no Partido Socialista. 
Como é que o bancário Coelho Ribeiro se transformou em Presidente da Câmara Municipal do Fundão?
Em 1976, no decurso do processo eleitoral para as primeiras eleições autárquicas, ocorreu na sede do PS do Fundão um intenso debate, com vista à indigitação do candidato à Presidência da Câmara Municipal do concelho. Nesta discussão encontrava-se presente o meu amigo António Guterres. Numa dessas reuniões, alguém fez surgir o nome de um militante que viria a ser rejeitado. Foi então que outra pessoa indicou o meu nome, tendo eu declinado o convite. Perante tal impasse, apareceu mais tarde o camarada Mário Soares, que me convenceu a aceitar a indigitação, argumentando que com a eleição não sairia do Fundão, ao contrário do que teria acontecido se tivesse aceite ser candidato a Deputado nas eleições para a Assembleia Constituinte e para a 1ª Assembleia Legislativa. Foi assim que vim a ser eleito Presidente da Câmara Municipal do Fundão.

A AMIZADE COM ANTÓNIO GUTERRES
Quando é que conheceu António Guterres?
Como já referi anteriormente, conheci o António Guterres em 1976,  no decurso do processo eleitoral para as primeiras eleições autárquicas.
Qual a natureza da sua amizade com António Guterres?
A natureza da nossa amizade foi e é essencialmente política. 
Como é que caracteriza o amigo António Guterres como pessoa e como político?
Não resisto à tentação de referir nesta entrevista uma ida com o meu camarada ao Seminário do Fundão, em Novembro de 1979, no decurso da campanha eleitoral para as eleições legislativas desse mesmo ano. Tendo em conta que a Igreja Católica sempre atacara o Partido Socialista, interroguei-o acerca do que iríamos discutir com o Reitor do Seminário. Disse-me para ter calma e assim fiz. Fomos admiravelmente recebidos pelo Reitor. Durante a conversa, estive quase sempre calado, a escutar o diálogo entre eles, até que o Reitor me solicitou que facultasse a máquina de rasto da Câmara, com vista ao alargamento do campo de futebol do Seminário, ao que eu acedi. Já fora das instalações, perguntei ao António, o que é que ele pensava beneficiar com aquela reunião. Respondeu-me que se dali se conseguisse amortecer os ataques da Igreja Católica local ao Partido, já seria um grande benefício. E assim foi, já que nessas eleições, ela não atacou o PS. Desta passagem das nossas vidas, entre muitas outras, consegui perceber que estava em presença de um homem com qualidades humanas e políticas excepcionais. A sua vitória nas eleições para Secretário-geral da ONU, constitui o melhor testemunho das suas extraordinárias competências como notável cidadão português.

DA BEIRA PARA O ALENTEJO
Depois de terminar em 1979 o seu mandato como Presidente da Câmara Municipal do Fundão, o cidadão Coelho Ribeiro fixou-se em 1980 na cidade de Estremoz, onde assumiu novamente a sua condição de bancário. A mudança de localidade foi uma mera questão profissional ou traduziu algum desencanto com o Fundão ou mesmo ruptura com o PS local?
Em 1980, por motivo da minha actividade profissional, fixei residência na cidade de Estremoz, decidido a acabar com a minha actividade política e autárquica. Todavia, no ano de 1982, o José Costa e o João Matos bateram-me à porta para me convidarem a participar numa reunião na sede local do Partido Socialista. Foi aqui, que começou o princípio do meu envolvimento nas eleições autárquicas de Estremoz, vindo a ser Presidente da Assembleia Municipal. Estes dois militantes do meu Partido, tornaram-se os meus maiores amigos nesta cidade.
Em 1986, dando a impressão de que acabou de efectuar a sua travessia no deserto, integrou com êxito a lista vencedora à Assembleia Municipal de Estremoz. Como é que o cidadão Coelho Ribeiro aparece novamente activo como autarca socialista?
Por influência dos camaradas anteriormente referidos, José Costa e João Matos.

GUTERRES VISTO POR COELHO RIBEIRO
Na sua vida política, António Guterres foi Deputado à Assembleia da República, Presidente da Assembleia Municipal do Fundão, Secretário-geral do PS, Primeiro Ministro de Portugal, Presidente da Internacional Socialista e Alto Comissário da ONU para os Refugiados. Como é que o cidadão Coelho Ribeiro encara o desempenho de todos estes cargos pelo seu amigo António Guterres?
Desempenhou com grande êxito todos os cargos para que foi designado, exercendo as suas funções de uma forma altamente competente.
Quais as expectativas que tem como corolário da eleição de António Guterres para Secretário-geral da ONU?       
Como aconteceu em todos os cargos anteriormente desempenhados, prevejo um imenso sucesso nas suas novas e futuras funções, já que as suas capacidades são enormes.
Quer enviar daqui uma mensagem ao amigo António Guterres?             
Envio-lhe daqui um fraternal abraço e reitero-lhe o meu incondicional apoio.

Encontro do PS na Covilhã, nos finais da década de 70. Da esquerda para a direita:
Coelho Ribeiro e esposa, Francisco Carlos Ferreira (Deputado do PS à Constituinte
pelo Círculo de Castelo Branco) e António Guterres. O braço que se vê à direita,
é de Mário Soares.

Hernâni Matos

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Auto das beldroegas


Beldroega (Portulaca oleracea L.) - Fólio 106v  de “Grandes Heures d'Anne de
Bretagne”. Manuscrito em pergaminho iluminado por Jean Bourdichon (1457 ou
1459 – 1521) - 238 folhas - 300 × 190 mm. BNF, Ms Latin 9474, 1503-1508. 

As personagens do auto em número de quatro, podem ser assim ser retratadas:
- ZÉ TRETAS - Trabalhador por conta própria no mercado da vila. Comilão e beberrão nato, que quando não está a comer, fala de comida. Dizem que de noite sonha com ela. Refilão por natureza, é senhor de uma língua terrível. Desgraçado daquele que lhe cair no desamor.
- FANECA – Negociante de gado, amante da boa mesa, comilão, copofone e guloso. Usa boné que nunca tira e bengala para o que der e vier. Tem voz de falsete.
- BIMBAS – Camponês cheio de carnes, amante da pinga e dos petiscos. Usa boné às três pancadas e está sempre bem disposto. Quanto mais bebe, mais fala.
- XAROPES - Operário aposentado, de cor avinhada, gosta de tudo o que é bebida. Acompanha muito com o Bimbas e estão sempre na brincadeira à medida que o petisco avança e se vão somando os jarros de vinho.
O enredo desenrola-se há duzentos anos na nossa notável vila, mesmo em frente da Casa das Leis, na praça Luís de Gamões, que é contígua à rua da Paróquia. Zé Tretas vem da rua das Monjas, onde foi guardar uns caixotes vazios e dirige-se para a estalagem do Jorge, onde o Faneca, o Bimbas e o Xaropes, o esperam para beber uns tinteiros com uns queijos trazidos pelo Faneca. Já com o grupo à vista, Zé Tretas escorrega num tufo de beldroegas e cai redondamente no chão. Os companheiros correm imediatamente em sua direcção, ao mesmo tempo que ele lança impropérios contra o Regedor, cuja enumeração ultrapassa o âmbito do presente auto. O primeiro a chegar é o Xaropes que o ajuda a levantar do chão, ao mesmo tempo que lhe diz:
- Então Zé, o que é isto? Ainda não lhe arrumaste e já te estão a falhar as pernas?
A resposta é imediata:
- A culpa é do Regedor que não manda cortar a ervanária que aqui se vê. Havia de lhe dar uma febre que lhe derretesse a fivela do cinto. Mas deixa estar, que eu vou-lhe tratar da saúde e entretanto dou uma palavrinha ao Fernão, para ele ter conhecimento do sucedido, a fim de que junto do Regedor, dê eco dos meus brados, através do jornal onde cronista é.
Bimbas ao chegar, afirma:
- A gente tem que proteger os amigos. Se a culpa é desta verdura toda, a gente tem que dar conta dela.
Faneca, o último a chegar, é generoso e proclama com a sua voz inconfundível:
- Eu encarrego-me de resolver o problema. Trago para aqui uma carrada de ovelhas e elas limpam esta hortaliça toda enquanto o diabo esfrega um olho.
Bimbas volta a falar:
- É preciso cautela, que a erva é muita e corre-se o risco de as ovelhas se empanzinarem. Como as fontes da vila estão secas, temos que lhe arranjar uns caldeiros de água na estalagem do Jorge.
Todos em uníssono:
- Combinado!
Zé Tretas, a coxear duma perna, remata:
- É altura de irmos aos tinteiros ali à do Jorge. A primeira rodada é por minha conta.
Hernâni Matos

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

57 - O aguadeiro – 7


Aguadeiro (Anos 30 do séc. XX).
Ana das Peles [Ana Rita da Silva (1870-1945)].
Museu Nacional de Etnologia.

Figurado de Estremoz - 1
No núcleo base do figurado de Estremoz existe um exemplar conhecido por “Aguadeiro”, criado na Escola Industrial António Augusto Gonçalves, nos anos 30 do séc. XX, executado por Ana das Peles e Mariano da Conceição e a partir daí, manufacturado pelos barristas que se lhesseguiram. Trata-se de um conjunto constituído por uma figura antropomórfica masculina (o aguadeiro) e uma figura zoomórfica (o burro).
Merece especial descrição, o espécimen de Ana das Peles, pertencente à colecção do Museu Nacional de Etnologia. Representa um aguadeiro trajando à maneira de meados do séc. XX, com a mão esquerda apoiada no burro e a mão direita empunhando uma vara de condução do animal. Na cabeça, dois pontos negros representam os olhos, encimados por dois traços castanhos que figuram as pestanas e as sobrancelhas. O nariz em relevo, tem a forma de prisma triangular e a boca é interpretada por uma linha vermelha. Em cada uma das faces é visível uma roseta alaranjada. O cabelo é castanho-escuro e encobre as orelhas. Na cabeça, um chapéu negro com copa semi-esférica e aba circular, larga e revirada lateralmente. A figura enverga calças e samarra de cor castanha, com gola azul em relevo e guarnecida com orla da mesma cor, nos punhos e na abertura da frente, a qual ostenta de cada lado, um par de botões semi-esféricos, cor de latão. A samarra apresenta ainda nos punhos, dois botões pintados a azul. Os botins são castanhos.
À frente do homem, um burro cinzento-escuro e com manchas negras, que estando a marchar para o lado direito do observador, apresenta a cauda, comprida e com linhas incisas, viradas para o lado contrário. O pescoço apresenta em cada um dos lados, uma série de incisões pintadas a negro que representam a crina. Na cabeça, são visíveis duas orelhas cónicas, dois olhos pintados, uma linha incisa de cor vermelha que figura a boca e dois pontos incisos que lhe são paralelos, representando as narinas. Na cabeça aparece linhas de cor negra que representam a cabeçada que cinge a cabeça e o focinho da cavalgadura, bem como as rédeas para a condução da mesma. No lombo do asinino está assente uma manta rectangular castanha, na qual se apoia uma albarda, igualmente castanha, pintalgada de azul. Sobre a albarda está disposta uma cangalha de tonalidade amarela, figurando madeira. Nesta armação estão alojados de cada lado do jumento, dois cântaros com tampa, de cor prateada configurando folha metálica e com uma asa constituída por um porção arqueada de arame.
O binómio homem-animal assenta numa base trapezoidal de cor verde, pintalgada de branco, amarelo e zarcão e pintada lateralmente desta mesma cor.
Hernâni Matos

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Acessibilidade a edifícios que recebem público


Convento dos Congregados e edifício da Câmara Municipal de Estremoz.

Pessoas com necessidades especiais
Há pessoas com necessidades especiais, entre as quais se situam deficientes motores, cegos, grávidas, crianças e idosos. Estas pessoas confrontam-se diariamente com barreiras ambientais, impeditivas de uma participação cívica activa e integral. De acordo com a Constituição da República Portuguesa, compete ao Estado a promoção do bem-estar e qualidade de vida da população e a igualdade real e jurídico-formal de todos os portugueses. Daí que o Decreto-Lei n.º 163/2006 de 8 de Agosto, visando proporcionar às pessoas com mobilidade condicionada, condições iguais às das restantes pessoas, defina o regime da acessibilidade aos edifícios e estabelecimentos que recebem público, via pública e edifícios habitacionais, revogando o Decreto-Lei n.º 123/97, de 22 de Maio. Aquele diploma foi visto e aprovado em Conselho de Ministros de 20 de Abril de 2006, presidido por José Sócrates e posteriormente promulgado em 24 de Julho de 2006, pelo Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.
De salientar que nos termos do seu Art. 26.º, aquele diploma estabelece que: “O presente decreto-lei entra em vigor seis meses após a sua publicação.” Por sua vez o Art.º 2º define o âmbito das normas técnicas sobre acessibilidades, as quais são aplicáveis às instalações e respectivos espaços circundantes da administração pública central, regional e local, bem como outros estabelecimentos e equipamentos de utilização pública e via pública. Já o Art.º 9.º, no seu n.º 1 determina que as instalações, edifícios, estabelecimentos, equipamentos e espaços abrangentes referidos no diploma e cujo início de construção seja anterior a 22 de Agosto de 1997, terão de ser adaptados dentro de um prazo de 10 anos, contados a partir da data de início de vigência do decreto-lei.

Acessibilidades em Estremoz
Vejamos como são em Estremoz, as acessibilidades a edifícios que recebem público: - ESCOLA SECUNDÁRIA DA RAINHA SANTA ISABEL – Tem elevador e não há problemas de acessibilidade. - ESCOLA PREPARATÓRIA SEBASTIÃO DA GAMA - Tem elevador e não há problemas de acessibilidade. - CENTRO DE CIÊNCIA VIVA DE ESTREMOZ – Tem elevador a funcionar, o qual no Verão passado esteve inactivo, devido a avaria e falta de verba para a sua reparação. PALÁCIO DA JUSTIÇA - Tem rampa de acesso e elevador a funcionar. - EDIFÍCIO DA REPARTIÇÃO DE FINANÇAS – Não tem rampa de acesso à entrada e não tem elevador. - EDIFÍCIO DA CÂMARA MUNICIPAL – Não tem elevador. No passado dia 29 de Setembro foi colocada uma rampa de acesso na entrada principal, a qual tem largura inferior ao estabelecido nas Normas Técnicas do Decreto-Lei n.º 163/2006, não permitindo assim o acesso duma cadeira de rodas. A segunda porta de entrada também precisa de ser rampada, o mesmo se passando com o acesso aos claustros à entrada e à saída. - BIBLIOTECA MUNICIPAL -  Não tem rampa de acesso à entrada. - MUSEU MUNICIPAL – Não tem rampa de acesso à entrada. Não tem elevador. - GALERIA MUNICIPAL D. DINIZ – Não tem rampa de acesso à entrada. Tem elevador a funcionar, que todavia chegou a estar largo tempo inactivo, devido a um fusível. - PALÁCIO DOS MARQUESES DE PRAIA E MONFORTE – Tem elevador a funcionar. Não tem problemas de acessibilidade. - TEATRO BERNARDIM RIBEIRO – Tem rampa de acesso para a entrada. No átrio existem dois patamares ligados por degraus que funcionam como barreira arquitectónica. Uma cadeira de rodas terá de entrar pela porta do lado. Não tem elevador. - PAVILHÃO A DO PARQUE DE FEIRAS – Tem um elevador que no passado dia 29 de Setembro não estava a funcionar. - CASA DE ESTREMOZ – Tem um elevador que no passado dia 29 de Setembro não estava a funcionar.

Incumprimento da lei
Como o Decreto-Lei n. 163/2006 que regula as acessibilidades, foi publicado em Diário da República de 8 de Agosto de 2006 e entrou em vigor seis meses após a sua publicação, o prazo de 10 anos para adaptar os edifícios termina a 8 de Fevereiro de 2017. Será que vai ser tudo feito à última da hora? Ou há quem pense que a lei não é para cumprir?
O que é absurdo é o Município ser incumpridor em relação a edifícios de que é proprietário e face aquele decreto-lei, pelo Art.º 3º-1, dispor de competência para indeferir “pedidos de licença ou autorização necessária ao loteamento ou a obras de construção, alteração, reconstrução, ampliação ou de urbanização, de promoção privada, referentes a edifícios, estabelecimentos ou equipamentos abrangidos pelos n.ºs 2 e 3 do artigo 2.º, quando estes não cumpram os requisitos técnicos estabelecidos neste decreto-lei”. Cumulativamente a Câmara Municipal tem competência de fiscalização dos deveres impostos aos particulares (Artigo 12.º), bem como competência sancionatória no âmbito das acções de fiscalização dos edifícios, espaços e estabelecimentos pertencentes a entidades privadas (Art.º 21.º).
O absurdo da situação faz-me lembrar o adágio “Bem prega Frei Tomás, faz o que ele diz, não faças o que ele faz.”.

Os furos da lei
De que serve um decreto-lei ser aprovado em Conselho de Ministros presidido por um Primeiro-Ministro e posteriormente ser promulgado por um Presidente da República, se a Inspecção-Geral da Administração do Território não assume a competência de fiscalização do cumprimento das normas aprovadas pelo decreto-lei, quanto aos deveres impostos às entidades da administração pública local. (Art.º 12 b)). Sou agora levado a citar António Aleixo: “Vós que lá do vosso Império / prometeis um mundo novo, / calai-vos, que pode o povo / qu'rer um Mundo novo a sério.”. E mais não digo.


Hernâni Matos