sábado, 20 de agosto de 2016

Testamento dum franco-atirador

Erasmo de Roterdão (1526).
Albrecht Dürer (1471-1528).
Gravura a buril (24,9 x 19,3 cm).
Museu de Belas Artes, Budapeste.

Numa tarde soalheira de Agosto, nasceu uma criança do sexo masculino, a quem foi dado o nome de Hernâni António Carmelo de Matos.
Hernâni António, por causa do Dr. Cidade, prestigiado literato da vizinha vila oleira do Redondo, o que configurando uma pré-cognição, terá correspondido a um empenho onomástico dos padrinhos, os quais terão apostado no sentido de o recém-nascido vir a ter queda para as letras, com especial interesse em falar de artefactos de barro, matéria prima que de acordo com o Génesis, terá sido usada por Deus, para modelar o primeiro homem. Mas António também, por inspiração onomástica do taumaturgo lisboeta e santo milagreiro, que entre inúmeros epítetos, teve o de “Oficina de Milagres”.
A criança de quem estou falando, sou eu e os meus pais foram João Sabino de Matos (alfaiate) e Selima Augusta Carmelo (telefonista). A eles devo o código genético, a criação e a educação, o que não foi pouco e por isso lhes estou agradecido.
Foi há 70 anos atrás, no dia 19, que rasguei o ventre a minha mãe, ao mesmo tempo que iniciava um monumental choro, forma instintiva de dizer:
- Porra! Já nasci!
Não fui enviado do Céu e tão pouco transportado por uma cegonha a partir de Paris. Nasci em Estremoz e isso é quanto basta.
Depois da Escola Primária, frequentei os bancos da Catequese, as formaturas da Mocidade Portuguesa e as aulas dum Colégio privado. Longe de constituírem ferretes e de me terem deixado estigmas, imunizaram-me contra tudo aquilo que representam. A fé cega, o espírito de obediência e o estatuto de casta com que me quiseram moldar, não resultaram. A fé foi substituída pela razão e pelo espírito científico. A obediência deu lugar à consciência crítica, à insubmissão e à ânsia de percorrer caminhos não pré-determinados. O estatuto de casta foi trocado pelos ideais da liberdade, igualdade e fraternidade, adoptados desde a Revolução Francesa, por todos aqueles que lutam contra a tirania e a opressão, em defesa da justiça e da solidariedade social. Daí que me tenha tornado laico e republicano. A isso não foi estranha a  candidatura do general Humberto Delgado em 1958, o convívio com velhos republicanos, a influência de alguns professores, a que se seguiu a participação nas lutas estudantis dos anos 60. Foram estes os ingredientes que me levaram a receber Abril de braços abertos.
Muito cedo percebi que tudo o que tem valor, não nos é dado, é fruto do nosso trabalho, do nosso esforço, da nossa dedicação. E aprendi a cultivar a amizade e a gostar de pessoas com carácter, que honram a palavra dada e lutam por ela. Pessoas com coluna vertebral, que não são vassalas de ninguém e respeitam a sua matriz identitária, em toda a sua plenitude. Pessoas que não se vendem, não se rendem e que sempre que as pretendem tombar, se levantam com redobrado vigor.
Tenho a escrita na massa do sangue como reflexo do pensamento dum espírito livre e insubmisso. A minha pena é o arado com que lavro as minhas crónicas de cidadania e os meus textos de intervenção cívica. Como franco-atirador, esse é o legado que deixo como testamento aos que me amam, a todos que me concederam o privilégio da sua amizade, bem como àqueles que se revêem nos meus textos, como guia prático para a acção. A nobreza de espírito assim o exige e é isso que aqui fica solenemente registado.
Hernâni Matos

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

O elogio das palavras


Cecilia (1882).
Henrique Pousão (1859 - 1884).
Óleo sobre tela (82,3 x  57,2 cm)
Museu Nacional de Soares dos Reis, Porto.

As palavras são multifacetadas como as pedras preciosas. Podem ser encaradas sob vários ângulos. Podem significar uma coisa ou outra, ou mesmo quase coisa nenhuma.
As palavras têm o seu próprio visual. Há palavras elegantes e outras que não o são tanto. Há mesmo palavras deselegantes.
As palavras têm a sua própria sonoridade. Há palavras ruidosas, como as há graves ou melodiosas. Há palavras que fazem eco e outras que esbarram contra muros de silêncio.
As palavras têm cheiro. Há palavras que fedem a distância, tal como as há aromáticas, constituídas por agradáveis e subtis fragrâncias.
As palavras têm sabor. Há palavras doces, tal como as há azedas, amargas ou ácidas.
As palavras são tácteis. Há palavras macias e mesmo aveludadas, mas também há palavras ásperas, como as há peganhentas e mesmo viscosas.
Há palavras terrestres, como as há aéreas, subterrâneas e aquáticas.
As palavras são caminheiras que se deslocam entre as margens do papel.
As palavras são mariposas que cruzam os ares, entre bocas e ouvidos.
As palavras em movimento geram correntes, ondas e turbilhões.
As palavras geram movimentos de apoio e de solidariedade, mas também de repulsa.
As palavras permitem saltar obstáculos e mesmo mover montanhas.
As palavras têm a sua própria velocidade. Há palavras lentas, tal como as há velozes.
As palavras têm o seu tempo próprio, não devem ser ditas antes, nem depois dele.
As palavras têm uma aceleração própria. Há palavras cadenciadas, como as há acelerantes ou atrasadoras.
As palavras têm forma, umas são angulosas e outras são redondas, já que não tem ponta por onde se lhes pegue.
As palavras têm simetria ou não. Há palavras simétricas e palavras assimétricas.
As palavras têm cor. Umas são mais coloridas, outras mais cinzentas e mesmo negras. Há mesmo palavras para todas as cores do espectro do arco-íris.
As palavras têm tamanho. Umas são curtas como a polegada, outras são compridas como a légua da Póvoa.
As palavras têm volume. Umas são como senhoras anafadas, outras como modelos anorécticos.
As palavras têm peso. Umas são pesos leves e outras, pesos pesados, tal como no boxe.
As palavras não têm todas igual densidade. Há palavras maciças, como há palavras balofas e mesmo ocas. As mais compactas submergem no texto, enquanto que as de compactidade reduzida, flutuam à flor do texto.
As palavras têm força. Há palavras fortes e palavras fracas.
As palavras têm potência. Umas são potentes, outras nem tanto e outras são mesmo impotentes.
A eficácia das palavras é variável. Umas são eficazes, outras não.
As palavras não têm todas a mesma duração. Há palavras imortais, como as há duradouras e breves. Há mesmo palavras que já ultrapassaram o prazo de validade.
As palavras não têm todas a mesma temperatura. Há palavras escaldantes, mas também as há cálidas, mornas, frias e gélidas.
Há palavras sólidas, como as há líquidas e até voláteis.
As palavras têm estrutura. Podem ser cristalinas ou amorfas.
As palavras são materiais com que moldamos, forjamos ou carpintejamos textos.
As palavras têm transparência ou não, já que também há palavras opacas.
As palavras têm brilho. Podem ser brilhantes ou baças.
É necessário saber escolher as palavras.
As palavras permitem gerar códigos e cifras.
As palavras permitem-nos comunicar com os outros. Através delas podemos transmitir emoções e sentimentos, bem como descrever situações, eventos e fenómenos.
As palavras não têm todas a mesma dificuldade. Há palavras mais fáceis e palavras mais difíceis.
Há palavras que são incontornáveis.
Há palavras sondas, com as quais formulamos perguntas, para saber o que os outros pensam.
As palavras pertencem a uma de dez classes gramaticais, reconhecidas pela maioria dos gramáticos: substantivo, adjectivo, advérbio, verbo, conjunção, interjeição, preposição, artigo, numeral e pronome.
As palavras têm género. Podem ser masculinas ou femininas. Não há palavras gays, nem lésbicas.
Há palavras que designam agrupamentos, enquanto que outras se referem apenas a um componente único.
A ortografia das palavras têm variado ao longo das épocas e as mudanças nunca são pacíficas, como acontece no presente, com o país partido em dois: os detractores e os defensores do novo acordo ortográfico.
As palavras podem ser características de uma época, ainda que haja palavras intemporais.
Em certos locais e em certas épocas, algumas palavras foram consideradas impróprias, constituindo tabu e sendo mesmo proibidas.
Há palavras características de cada profissão, mas há igualmente as que lhe são transversais.
Há palavras que são mais usadas num dado período da vida que noutros.
Há palavras características de cada regime. Uma são monárquicas, outras são republicanas.
A religiosidade das palavras é variável. Há palavras laicas e há palavras religiosas que alguns podem considerar mesmo santas ou sagradas. E há ainda a palavra de Deus, que repetidamente é invocada no culto.
As palavras têm mãos que ao entrelaçarem-se com outras, conferem consistência ao texto.
As palavras têm pés para encontrar e percorrer o seu próprio caminho.
As palavras são peças que fazem funcionar o texto.
As palavras são bicicletas que pedalamos e que nos permitem fazer caminho, à procura de um texto.
As palavras fazem-nos suar, porque nem sempre é fácil parir palavras que traduzam exactamente o que nos vai na alma.
As palavras são arados. Com eles lavramos a terra-mãe do pensamento.
As palavras são as mensageiras do pensamento.
As palavras são arautos, tanto de boas como de más notícias.
As palavras são escadas que ligam os patamares do texto.
As palavras servem de ponte, umas às outras.
As palavras são cerejas, que puxam umas pelas outras.
As palavras acompanham-nos continuamente, mesmo em sonhos.
Há sempre o risco de esquecer algumas palavras, pelo que nos podem faltar palavras.
É permitido revisitar palavras nossas e mesmo inventar palavras. O que não se deve fazer, é reproduzir palavras dos outros, como se fossem nossas. Tão pouco se devem deturpar palavras.
Por vezes há que poupar palavras, por uma questão de tempo ou de espaço. Não se deve é balbuciar palavras, porque é indício de insegurança.
É através de palavras que defendemos pontos de vista e damos ênfase àquilo em que acreditamos e àquilo de que gostamos. Também é através das palavras, que damos conta daquilo que rejeitamos e não nos agrada.
As palavras são armas com as quais nos defendemos de agressões verbais ou não. Mas são também armas de ataque com as quais praticamos também agressões verbais.
A utilização das palavras, nem sempre é ética, já que através delas é possível dissimular, confundir e mentir. O mesmo se passa em relação à possibilidade de através das palavras, se atemorizar, aterrorizar, intimidar e dominar.
Há palavras que encerram em si, o purismo da língua. Coexistem com outras que são regionalismos ou integram a gíria popular e o calão. Há ainda palavras que constituem neologismos, estrangeirismos ou internetês.
As palavras são pilares que sustentam a língua, como factor de identidade nacional.
As palavras são porto de abrigo. Nelas nos refugiamos, na fuga de tempestades e na procura de bonanças.
As palavras constituem uma tábua de salvação. A elas nos agarramos, quando tudo parece estar perdido.
As palavras sobrevivem à morte de quem as pronuncia. Se não todas, pelo menos algumas, através do seu registo, tanto escrito como falado.
As palavras têm alquimia. Com elas conseguimos transmutar o nosso estado de espírito e o estado de espírito de quem nos ouve.
A nobreza das palavras é desigual. Algumas têm nobreza como um touro Miura. E para aqui não é chamada a nobreza de sangue azul, que pouco mais é que coisa nenhuma. A nobreza não é monárquica. É uma atitude republicana.
As palavras têm carácter e têm que ser usadas com carácter. Uma das maiores tragédias sociais, é a falta de carácter de alguns que as usam, servindo-se de cargos para os quais erradamente foram designados.
As palavras exigem plena fidelidade à sua essência e à mensagem que lhes está subjacente. Traí-las é trair o texto, o que pode configurar uma atitude de rendição.
As palavras têm que ser frontais. Caso contrário, quem as profere, não tem as partes no sítio.
Há palavras para o tudo e palavras para o nada.
Há palavras para acabar com as palavras:
– PIM! O TEXTO CHEGOU AO FIM!

Hernâni Matos

domingo, 7 de agosto de 2016

55 – O aguadeiro - 6


Aguadeiro.
Irmãs Flores.
Colecção particular.

Arte portuguesa
Pelo menos desde o início do séc. XIX que a figura do aguadeiro marca presença na arte portuguesa. Passo a enumerar os registos identificados:
- PINTURA: - AGUADEIRO (Alentejo - séc. XIX-XX). Óleo sobre tela de José Malhoa. - MARVÃO (1906). Aguarela de Alfredo Roque Gameiro. - POÇO DE ALJUSTREL (s/data). Aguarela de Alberto de Souza.
- GRAVURA: - LITOGRAFIAS AGUARELADAS DA COLECÇÃO “VENDILHÕES”, DE MANUEL DA SILVA GODINHO, 1806: - Aguadeiro de Lisboa; - Aguadeiro de Lisboa com o seu burro; - LITOGRAFIA AGUARELADA DE “COSTUME OF PORTUGAL”, DE H. L'ÉVÊQUE, 1814: - Aguadeiro de Lisboa; - ÁGUAS-TINTAS DE “PORTUGAL ILLUSTRATED” DE W. M. KINSEY, 1829: - Gallego or water carrier of Lisbon; - Gallego or water carrier of Porto; - LITOGRAFIAS AGUARELADAS DA COLECÇÃO “PALHARES”, 1ª SÉRIE, ENTRE 1840 E 1887: - Nº 27 – Agoadeiro na cidade do Porto; - Nº 44 – Aguadeiro de Faro; - LITOGRAFIAS AGUARELADAS DA COLECÇÃO “PALHARES”, 2.ª SÉRIE, CA. 1850: - Nº 27 – Aguadeiro do Porto; - Nº 44 – Aguadeiro de Faro; - Nº 49 – Aguadeiros na cidade de Lisboa; - LITOGRAFIAS AGUARELADAS DE “COSTUMES PORTUGUESES” DE MANUEL DE MACEDO, CA. 1850: - Aguadeiro; - Aguadeiro Alentejano;
- AZULEJARIA: Painéis azulejares policromáticos da autoria de Alves de Sá, fabricados na Fábrica de Cerâmica da Viúva Lamego, em Lisboa (1940) e que revestem paredes da Estação da CP em Estremoz: - Fonte das Bicas e aguadeiros no Largo General Graça; - Fonte do Largo do Espírito Santo e aguadeiro; - Aguadeiro na subida da rua do arco de Santarém, em direcção ao Castelo;
Cartofilia portuguesa
Também a nível da cartofilia surgem exemplares, nos quais aparece a figura o aguadeiro. Identifiquei bilhetes-postais ilustrados das seguintes edições: - A EDITORA (3ª série), reproduzindo desenhos a tinta-da-china aguarelada, de Alberto de Souza, do início do séc. XX: - LARGO DAS PORTAS DE MOURA (EVORA); - CONDUCÇÃO DE AGUA (BEJA); - A EDITORA (5ª série), reproduzindo desenhos a tinta-da-china aguarelada, de Alberto de Souza, do início do séc. XX: - Types populaires de Lisbonne. AGUADEIRO (Porteur d’eau); - FAUSTINO ANTÓNIO MARTINS (Lisboa), do início do séc. XX: - Nº 2 – LISBOA. Typos das ruas. O AGUADEIRO (Porteur d’eau); - ALBERTO MALVA (Lisboa), do início do séc. XX: - Nº 26 - Costumes do Alemtejo: O Aguadeiro; - EDITOR NÃO IDENTIFICADO (s/local), do início do séc. XX: - Costumes de Portugal. Aguadeiro; - ANTÓNIO CRISÓGONO DOS SANTOS (Lagos), do início do séc. XX: - Nº 79 - Um aguadeiro; - LIVRARIA E PAPELARIA NAZARETH (Évora), ca. 1930, reproduzindo quadro de Dordio Gomes: - Costume do Alemtijo “Os Ceifeiros”; - BRADOS DO ALENTEJO (Estremoz), anos 30 do séc. XX: - Lago do Gadanha; - ALVES E SIMÕES, LDA (Estremoz), anos 30 do séc. XX: - Fonte das Bicas; - CÂMARA MUNICIPAL DE ESTREMOZ, anos 40 do séc. XX: - ESTREMOZ - Largo do General Graça; - ESTREMOZ – Fonte das Bicas e Quartel de Cavalaria; - ESTREMOZ – Torre das Couraças.

Hernâni Matos

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Bonecos de Estremoz foram a Fátima


Mulher a passar a ferro (2013).
Jorge da Conceição (1963- ).
Colecção particular.

Fátima, altar do mundo e local supremo de peregrinação mariana, acolheu de braços abertos, os bonecos de Estremoz. Com efeito, numa organização da Paróquia de Fátima, a exposição “Raízes”, de Jorge da Conceição, está patente ao público desde 24 de Julho a 25 de Setembro, no Centro Paroquial de Fátima, junto à Igreja Matriz.
O certame mostra não só trabalhos de Jorge da Conceição, como dos seus avós, Mariano da Conceição (1903-1959) e Liberdade da Conceição (1913-1990), bem como da sua mãe, Luísa da Conceição (1934-2015). As mais de 300 peças expostas, são das temáticas mais diversas: presépios, imagens de Santos, de Nossa Senhora e da vida e paixão de Cristo, assim como figuras alegóricas, ofícios rurais e tradicionais, quotidiano doméstico e figuras contemporâneas. O conjunto apresentado, além de constituir uma extraordinária mostra de divulgação da arte bonequeira e do ambiente artístico em que o barrista nasceu e cresceu, permite ainda ficar a conhecer o estilo próprio de cada membro do clã Conceição, que com Jorge já vai na 3ª geração.
Esta peregrinação dos bonecos de Estremoz a Fátima, é mais um passo e simultaneamente um marco importante, no reforço da candidatura da ”Produção de Figurado em Barro de Estremoz", a Património Cultural Imaterial da Humanidade.
De acordo com estatísticas do Santuário de Fátima relativas a 2015, o número médio mensal de peregrinos em Fátima, é de cerca de 50.000 pessoas, o que leva a admitir que no decurso dos 2 meses da exposição, esta possa ser visitada e usufruída por cerca de 100 mil pessoas, que deleitadas com a excelência do que lhes foi dado ver, serão os melhores embaixadores da nossa barrística, aquém e além fronteiras.
Melhor do que isto, só a Exposição do Mundo Português, realizada em Lisboa em 1940 e que durante cerca de 5 meses, acolheu à volta de 3 milhões de visitantes, o que significa que os bonecos de Estremoz de Ana das Peles [Ana Rita da Silva (1870-1945)] e de Mariano da Conceição (1903-1959) ali presentes, foram visualizados por cerca de 600 mil pessoas por mês, o que constitui um pico de visibilidade, não ultrapassado desde então.
A divulgação da nossa barrística em Fátima, cidade do Oeste, alvo de fluxos peregrinos e cujo orago é Nossa Senhora dos Prazeres, é um bom augúrio para a vitória da candidatura da ”Produção de Figurado em Barro de Estremoz", a Património Cultural Imaterial da Humanidade. Acredito no seu êxito em Novembro de 2017, contra os agouros de alguns profetas da desgraça, que ainda campeiam entre nós e que por motivos que ultrapassam a candidatura, estão apostados na sua derrota.
Hernâni Matos

Jorge da Conceição no seu atelier.

sexta-feira, 29 de julho de 2016

Revista à Portuguesa


Cartaz da revista “Chá de Parreira” de Xavier de Magalhães e estreada no
“Teatro Variedades, em 27 de Julho de 1929. Imagem e texto, reproduzidos
com a devida vénia do blogue “Restos de Colecção”.

Há situações no trânsito citadino que são de se lhe tirar o chapéu. Constituem verdadeiras pérolas de “non sense”, que levadas à cena num teatro de revista, assegurariam decerto um colossal êxito de bilheteira.

1º Quadro
Na rua General Norton de Matos, pintaram no pavimento uma passadeira de peões, mesmo em frente do portão de um stand de automóveis, que neste momento está vazio. Ao voltar a ser utilizado, quando entrarem ou saírem carros, não podem passar peões. Quando estes estiverem a atravessar a passadeira, a saída ou entrada de automóveis no stand, tem de esperar pela sua vez. É caso para dizer:
- E esta, hein?

2º Quadro
 No Largo dos Combatentes da Grande Guerra, mesmo em frente à estátua de Tomás Alcaide, está pintada no pavimento uma passadeira para peões. Todavia a rampa de acesso a deficientes, não se situa no término da passadeira, mas ao lado desta. As opiniões dividem-se. Uns dizem que foi engano do pintor, outros que foi do calceteiro. Agora que não houve fiscalização, isso não houve.

3º Quadro
Junto ao Lago do Gadanha e próximo do edifício Luís Campos, foi instalada mais uma esplanada, nas quais Estremoz está a ser pródiga. A esplanada ocupa metade da via pública, a qual tem dois sentidos de circulação. Pela metade que resta, terão de passar peões e o trânsito nos dois sentidos. Relativamente a esta situação, as opiniões ainda se dividem mais. Uns dizem que a rua vai passar a ter um sentido único. Outros admitem que a Câmara ali venha a implementar sinalização semafórica. Outros são da opinião que o mais fácil ainda, era a Câmara destacar para ali um sinaleiro municipal.

4º Quadro
Na novel avenida da Rainha Santa Isabel, a tal que só tem traseiras, foi implementada à data da sua criação, uma excrescência rodoviária a que eufemisticamente, alguém supostamente iluminado, deliberou baptizar como “ciclovia”. O respectivo projectista, quando a concebeu, deve tê-lo feito com os pés, que não com o conhecimento daquilo que estava a fazer, daí que seja mais utilizada como caminho pedestre, do que como “ciclovia”.
Trata-se de uma faixa de pavimento vermelho, do material supostamente recomendado para esse efeito. Ao longo de todo o seu percurso, essa faixa tem largura variável, tal como o passeio onde foi traçada. Relativamente a ela é de observar o seguinte:
- É uma faixa que vai acompanhando a parede da avenida. Aqui está o primeiro erro, já que uma ciclovia deve confinar com a faixa de circulação rodoviária, visando facilitar a entrada e a saída de ciclistas. Junto a uma parede é que não, na medida em que isso constitui um risco para os ciclistas.
- A chamada “ciclovia” não tem qualquer sinalização vertical, nem à entrada nem à saída, nem tão pouco quando é interrompida. Apenas tem estampado de tantos em tantos metros, o símbolo branco de uma bicicleta, a indicar que aquela faixa está reservada aos amantes do pedal.
- Como não há qualquer sinalização vertical, a informar que aquela banda é uni-direccional, ela pode ser utilizada como pista ciclável bi-direccional, o que se torna bastante interessante, já que aquela faixa é a preferida pelo trânsito pedonal. E é uma faixa de largura ridícula, já que se a circulação num único sentido exige a largura de 1,20 m a 1,50 m, a circulação nos dois sentidos aconselhava a largura de 2 m a 3 m.
- Em localidades onde há planeamento, a ciclovia além de ter a largura adequada, está implementada entre a faixa de trânsito rodoviário e a de trânsito pedonal, subida em relação à primeira e separada da segunda por vegetação delimitadora. Existe sinalização vertical e no caso de a ciclovia ser uma pista ciclável bi-direccional, as duas faixas podem mesmo estar separadas por um traço branco no pavimento.
A quem baptizou de “ciclovia” aquela excrescência rodoviária, recomendo bom senso, que é aquilo que posso recomendar.

Epílogo
Situações como as descritas levam os cidadãos a divergir nas suas orações diárias. Uns agradecem:
- Obrigado Senhor pela graça que nos concedeste, de usufruir do privilégio de tão hilariantes situações, para nosso gáudio e recreação espiritual.
Outros imploram:
- Perdoai-lhes Senhor, porque eles não sabem o que fazem.

Sem tomar posição sobre a atitude religiosa de cada um, julgo ser legítimo concluir, que não é por estas e por outras, que alguns repetidamente proclamam que “ESTREMOZ TEM MAIS ENCANTO!”.
Hernâni Matos

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Receita para fazer uma geringonça


Invenções de Leonardo da Vinci: Modelos cinemáticos do Codex Madrid I.
Biblioteca Nacional de Madrid.

A gestão autárquica do MIETZ a nível concelhio é rejeitada unanimemente pelo PS, pela CDU e pelo BE. Daí não ter constituído surpresa, o comunicado de imprensa da Assembleia-geral de Militantes da Secção de Estremoz do Partido Socialista, reunida a 25 de Junho de 2016, na freguesia de Veiros. Nele são tornadas públicas 7 conclusões, das quais me permito destacar duas:
- UMA DE ÂMBITO NACIONAL: “Analisar de forma muito positiva a acção do Governo de Portugal e o empenho de todos os partidos que compõem a solução governativa, cujo trabalho contribuiu para a melhoria da qualidade de vida dos portugueses, para a renovação da esperança aos jovens e desempregados e para a devolução de direitos, salários e pensões aos reformados, idosos e cidadãos em geral.”
- OUTRA DE ÂMBITO LOCAL: “Ao nível local, o PS manifesta disponibilidade para iniciar um período de diálogo democrático, com todos os partidos e movimentos, para numa lógica de futuro, reflectir sobre os problemas e soluções autárquicas.”
No seio da esquerda local, há quem creia que esta última conclusão é para inglês ver. Tal convicção, longe de constituir uma dúvida pirrónica, pode ser apenas consequência do facto de que “gato escaldado, de água fria tem medo”. Todavia, eu não penso assim. Não encontro motivo algum, que me leve a duvidar da seriedade das intenções do PS local, ao qual reconheço respeitabilidade, como de resto reconheço à CDU e ao BE.
Estou certo que o PS local, inspirado pelos bons exemplos que lhe vêm de cima, não deixará de oportunamente e em tempo útil, levar à prática a intenção manifestada de construção duma geringonça local que afaste o MIETZ da gestão autárquica.
Eu não sou político, mas como pensador, escrevo aquilo que penso. Daí que “como treinador de bancada” me permita divulgar uma receita para fazer uma geringonça local. A meu ver, a construção desta, deve ter em conta os seguintes quesitos:
1 – A geringonça é para percorrer caminho comum e este faz-se caminhando. Contudo, o percurso não pode ser feito à toa.
2 – A aceitação do direito à diferença, o debate frontal e fraternal na elaboração de um projecto de gestão autárquica alternativa à do MIETZ e que possa ser sólido, coerente, estável e duradouro. Sempre na convicção de qualquer das partes envolvidas, terá de deixar algumas ideias na gaveta, a fim de possibilitar a negociação.
3 – Sem esquecer os calcanhares de Aquiles que cada um tem, estes não podem inviabilizar a esperança que se pretende construir.
4 – Que cada um, com a convicção da força que tem, tenha a humildade de a reservar para a pôr ao serviço exclusivo da alternativa que se deseja construir.
5 – Primeiro a construção do projecto de gestão autárquica, alternativo ao do MIETZ. Só depois a escolha da equipa para o levar à prática.
6 – A geringonça terá de ser pré-eleitoral, pois claro!
O CONCELHO FICA À ESPERA!
Hernâni Matos

quarta-feira, 20 de julho de 2016

54 – O Aguadeiro - 5


Aguadeiro.
Quirina Marmelo (1922-2009).
Colecção particular.

Literatura de tradição oral 
O (A) aguadeiro (a) tem múltiplos averbamentos na nossa literatura de tradição oral.
No que respeita a ADAGIÁRIO registo: “Janeiro geadeiro, Fevereiro aguadeiro”.
No âmbito da GÍRIA POPULAR são conhecidos os termos: Aguadeira (Capa que não deixa passar a água), Aguadeira (Petisco que abre o apetite), Aguadeiras (Penas que acompanham as asas das aves de rapina até ao rabo), Aguadeiro (Capote de saragoça, próprio para resistir à água - Alentejo), Aguadeiro (Chapéu com a orla da aba voltada para cima e que retém a água quando chove, pelo que é necessário desabá-lo - Alentejo), Aguadeiro (Ciclista que acompanha a equipa), Aguadeiro (Designação pejorativa dada a cocheiro que conduz mal), Aguadeiro (Homem encarregado de introduzir água salgada na salina), Aguadeiro (Feixe de linho pronto para demolhar).
No domínio das ALCUNHAS ALENTEJANAS, conheço apenas uma: Aguadeiro – Alcunha outorgada a homem ou mulher que vendia água, antes de existir água canalizada (Aljustrel, Casto Verde e Ourique).
Em termos de ANTROPONÍMIA e de acordo com o site http://forebears.io que dá acesso a bases de dados genealógicas, o apelido Aguadeiro será comum a 37 pessoas em Portugal e terá resultado da transformação da alcunha em sobrenome, pelo que sendo aguadeiro uma antiga profissão de âmbito nacional, é normal que a distribuição geográfica seja bastante vasta.
Quanto a PREGÕES ALENTEJANOS, Eurico Gama, em “Os Pregões de  Elvas” (1954), refere os seguintes: - “Á-gua-dê-ro!; - Á-gua fres-qui-nha!”; - “A tos-tão a bar-ri-gada!”; - “S’tá aqui o home da água!”; - “É um céu aberto a água da Fonte Nova!”; - “A água da Fonte Nova percorre as veias de toda a criatura!”.
Na área da TOPONÍMIA, tenho conhecimento da existência da Rua dos Aguadeiros (Peniche, Faro, Portimão e Quarteira) e do Beco dos Aguadeiros (Lisboa).
No que concerne a CANCIONEIRO POPULAR, apenas refiro que Lopes da Areosa no Romance  do  Senhor  da  Serra (d’Arga), nos diz que: “…(Os meus passos de romeiro /   todos os anos lá vão) / e nesta peregrinação / não encontro o aguadeiro / dos tempos que já lá vão /…”.
A nível de LENDAS, há a referir a “Lenda da Bilha de S. Jorge”. De acordo com ela, no dia da Batalha de Aljubarrota, os exércitos português e castelhano encontravam-se frente a frente, sob um sol escaldante. Nuno Álvares Pereira temeu mais a sede que o exército inimigo, pelo que incumbiu Antão Vasques de procurar água, tarefa ingrata, dado a secura dos ribeiros. Desesperado porque não conseguia encontrar água, Antão Vasques apeou-se do cavalo, ajoelhou-se e orou a S. Jorge, a quem implorou que o auxiliasse. Surgiu então uma camponesa com uma bilha de água, que se enchia quando dela se bebia, saciando a sede e recompondo as forças e o espírito. Quando os castelhanos atacaram, convictos de encontrar os portugueses debilitados pela espera e pela sede, estes resistiram com firmeza e, para grande espanto dos castelhanos, venceram a batalha. 
No círculo das ANEDOTAS POPULARES, apenas registo uma: VALORIZAÇÃO INSTANTÂNEA - Um aguadeiro percorria as ruas de uma praça-forte sitiada, carregando dois cântaros de água, a qual apregoava: - “A pataco o cântaro, a pataco…”. Quando um estilhaço de granada rebenta um dos cântaros, o homem não se atrapalhou, modificando apenas o pregão: - “A dois patacos o cântaro, a dois patacos…”.
Hernâni Matos