segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Academia do Bacalhau


DISCURSO DO BACALHAU
(Proferido no dia 1 de Dezembro de 2012, no decurso
do XII Aniversário da Academia do Bacalhau de Estremoz,
no Teatro Bernardim Ribeiro desta cidade.)

A história que eu vou contar é uma história singela e cuja origem é muito antiga. É anterior ao tempo da outra senhora e mais velha que o tempo dos afonsinhos. É uma história que tem quase cinco mil milhões de anos, que é a idade estimada para o planeta Terra.
Quem nos conta a história é o Génesis, o primeiro livro do Antigo Testamento, que a tradição judaico-cristã atribui a Moisés. No seu capítulo I, de uma forma narrativa dá-nos uma visão mitológica da Criação do Mundo. Aí, nos versículos 20. e 21., é-nos referido o que Deus fez no quinto dia da Criação:
Versículo 20. Deus disse: “Que as águas fiquem cheias de seres vivos e os pássaros voem sobre a Terra, sob o firmamento do céu”.
Versículo 21. Deus criou as baleias e os seres vivos que deslizam e vivem na água, conforme a espécie de cada um, e as aves de asas conforme a espécie de cada uma. E Deus viu que era bom.
Aqui termina o relato necessariamente sucinto do cronista bíblico, o qual por motivos compreensíveis se esgota aqui. É a altura adequada para nós entramos em acção, como cronistas assumidos de tempos tão antigos, que já não cheiram a naftalina, porque este hidrocarboneto aromático teve mais que tempo para sublimar. É caso para perguntarem:
- Há quanto tempo?
É uma pergunta sem resposta. E sabem porquê. É que se

“O tempo pergunta ao tempo
Quanto tempo o tempo tem.
O tempo responde ao tempo
Que o tempo tem tanto tempo
Quanto tempo o tempo tem.”

Apenas vos sabemos dizer que o personagem principal desta história se chama “bacalhau” e tem gostos que estão nos antípodas dos prazeres dos alentejanos. Estes protegem-se do frio, por dentro e por fora. Como? Bebem uns tintos e vestem capote. Sim! Porque um homem tem duas almas: a alma interior e a alma exterior. E o bacalhau? O bacalhau gosta de águas frias e por isso se instalou com armas e bagagens na Noruega, na Islândia e na Terra Nova. Aí os portugueses pescam bacalhau desde o século XV. Há sinais de consumo importante de bacalhau em Portugal desde o século XVI, sendo o peixe preferido dos pobres, a par da sardinha. Entretanto, o estatuto culinário do bacalhau mudou. De alimento popular passou a prato sofisticado, submetido a preparações muito elaboradas.
Actualmente a gastronomia do bacalhau é vasta e multifacetada. Há mais de mil e uma maneiras de cozinhar bacalhau, espelhando cada uma delas a suprema criatividade de sabores e saberes dos seus criadores, alquimistas de serviço, cuja matéria-prima principal são postas demolhadas do fiel amigo. A título meramente exemplificativo, permitimo-nos salientar alguns pratos consignados pelo uso: Açorda de bacalhau, Bacalhau à Brás, Bacalhau à espanhola, Bacalhau à Gomes de Sá, Bacalhau à lagareiro, Bacalhau à minhota, Bacalhau à Zé do Pipo, Bacalhau assado na brasa com batatas a murro, Bacalhau assado no forno, Bacalhau com broa, Bacalhau com natas, Bacalhau espiritual, Bacalhau na brasa, Empadão de bacalhau, Ensopado de bacalhau, Migas de bacalhau, Pastéis de bacalhau, Punheta de bacalhau, Pataniscas de bacalhau, Rissóis de bacalhau, Salada de bacalhau e Tiborna de bacalhau.
São pratos de lamber os beiços e chorar por mais. Todos têm um elo comum, o serem confeccionados com o “fiel amigo”. As razões desta designação assentam no facto de apesar de a costa portuguesa fornecer peixe, a maioria deste deteriorava-se rapidamente, só penetrando no interior espécies como a sardinha salgada, o polvo seco e no Sul, atum de barrica. Daí que entre nós, o bacalhau passasse a ser o peixe salgado e seco mais consumido. De resto, como “fiel amigo” que não apodrecia nas longas viagens marítimas, ele desempenhou um papel importante na alimentação dos homens de quinhentos, que com a força da raça desta nação lusitana, souberam dar Novos Mundos ao Mundo.
Decerto que também há razões históricas para o consumo do bacalhau. Ele está associado a ancestrais prescrições cristãs que impunham a abstinência do consumo de carne e de produtos de origem animal muitos dias do ano, com particular destaque para os 40 dias da Quaresma e para os 30 dias do Advento antes do Natal.
É sabido que somos sacerdotes da memória dos nossos ancestrais, o que nos tornou arqueólogos da oralidade da língua com a missão explícita de escavar os múltiplos géneros da nossa literatura popular. Daí que vos apresentemos aqui “pela rama” e “a talhe de foice”, alguns frutos dessas escavações.
Quanto a adagário, recolhemos dois provérbios:
- Dia de S. Silvestre (31 de Dezembro), não comas bacalhau que é peste.
- Bacalhau quer alho.
Vejamos agora o que nos diz o cancioneiro popular. António Thomaz Pires, de Elvas, no seu “Cancioneiro popular político” refere o bacalhau numa alusão ao Remechido, algarvio da guerrilha miguelista:

Isto é bem bom,
Está menos mau,
Tudo Remechido
Sabe a bacalhau.

Pires de Lima no “Cancioneiro de Vila Real” recolheu a seguinte quadra:

Ó Castedo, Ó Castedo
‘stás assente num calhau.
Mataram minha mulher
Com bolos de bacalhau.

Finalmente o “Cancioneiro da Serra d'Arga” cataloga esta quadra bastante brejeira:

A mulher para ser boa,
Tem que ter pernas de pau,
A barriga de manteiga,
As mamas de bacalhau.

O bacalhau é um termo muito usado na gíria popular. Vejamos então:
- Apertar o bacalhau a alguém = Cumprimentar uma pessoa com um aperto de mão
- Bacalhau = Açoite de correias com que no Brasil se castigavam os escravos negros
- Bacalhau = Mulher ordinária
- Bacalhau = Órgão sexual feminino
- Bacalhau = Pessoa muito magra
- Bacalhau basta = Qualquer coisa serve
- Bacalhau de porta de tenda = Pessoa demasiado magra
- Bacalhaus = Colarinhos largos e muito engomados, pendentes sobre o peito
- Bacalhaus = Orelhas grandes e separadas do crânio
- Bacalhauzada = Aperto de mão = Prato de bacalhau com batatas
- Bacalhoada = Grande porção de bacalhau
- Bacalhoada = Guisado de bacalhau
- Bacalhoada = Surra ou pancada com bacalhau
- Bacalhoeiro = Bisbilhoteiro = Falador
- Bacalhoeiro = Grosseiro
- Bacalhoeiro = O que vende bacalhau
- Bacalhoeiro = Que gosta muito de bacalhau
- Cadeiras de Bacalhau = Cadeiras de pinho
- Cheirar a bacalhau = Tresandar a suor por falta de higiene
- Comer bacalhau = Apanhar chicotadas de bacalhau
- Ficar em água de bacalhau = Ficar em nada; frustrar-se
- Magro como um bacalhau = Extremamente magro
- Meter o bacalhau em alguém = Espancar = Censurar
- Pesar bacalhau = Cabecear de sono
- Rabos de bacalhau = Abas da casaca
Em termos de alcunhas alentejanas há a registar as seguintes:
- BACALHAU – outorgada a quem gosta muito de comer bacalhau. É muito vulgar no Alentejo:
- BACALHAU SUECO – alcunha atribuída em Grândola a uma mulher que cheira mal.
A nível de antroponímia, “Bacalhau” é sobrenome ou nome de família que tem a ver com a ascendência do utilizador. Referindo-me só a personalidades recentes temos:
- A escritora Marisa Bacalhau, que ainda há pouco apresentou na Cozinha dos Ganhões, o seu livro “Gaturamo – Os Regimentos da Europa na Reconquista do Rio Grande do Sul”;
- Ana Bacalhau vocalista do grupo Deolinda.
Eu também conheci em Estremoz, nos anos 60, um ardina chamado Bacalhau, vendedor de jornais pela cidade. Curiosamente, o Bacalhau que gostava da pinga era um trinca-espinhas e trabalhava para um Sardinha que fazia dois dele.
No que concerne a toponímia, “Bacalhau” é também um nome muito usado. Vejamos algumas dessas utilizações:
- Avenida Prof. Dr. José Bacalhau (Espinhal);
- Bacalhau Novo, lugar da Freguesia de Benfica do Ribatejo, concelho de Almeirim;
- Bacalhau Velho, lugar da Freguesia de Benfica do Ribatejo, concelho de Almeirim;
- Jardim do Bacalhau (Beja);
- Poço do Bacalhau, lugar da Freguesia da Fajã Grande, Flores, Açores;
- Quinta do Bacalhau (Lisboa);
- Rua António Bacalhau (Alcácer do Sal);
No que respeita a anedotas, destacamos apenas esta:
Numa rua do Porto, um cego passa em frente a uma mercearia daquelas que têm por hábito pendurar peças de bacalhau à porta. Ao passar bate com a cabeça num bacalhau, o que a leva a dizer:
- Desculpe-me minha senhora!
Dá mais dois passos e exclama de seguida:
- Puxa! Carago! Esta mulher é mesmo alta!
No que toca a lengalengas respigámos várias, das quais aqui apresentamos duas:

ANA RITA, PIROLITA
Anarita, pirollita
Bacalhau, sardinha frita
Quantas patas tem o gato?
Um, dois, três, quatro

Ó MARIA COTOVIA
Ó Maria Cotovia,
Fecha a porta,
Já é dia,
Vem aí
O bicho mau
Que te papa
O bacalhau.
Tapa a tua
Chaminé
Com a ponta
Do teu pé.
Tapa também
A janela
Com a colcha
Amarela.
E assim
O bicho mau
Não te papa
O bacalhau.

Também o adivinhário regista a presença do bacalhau. Vejamos alguns exemplos:
- Porque é que a água do mar é salgada? (RESPOSTA: Porque tem bacalhau de molho).
- Qual é a coisa, qual é ela
Compra-se cru,
Faz-se cozido
E vende-se cru. (RESPOSTA: Bacalhau).
- Qual a parte da mulher que cheira bacalhau? (RESPOSTA: O nariz).
PREPAREM-SE QUE ESTA É TERRÍVEL!
- Sabem quais são os três alimentos que fazem mal à saúde?
(RESPOSTA: O bacalhau, que tenrabo.
A couve que tentalo.
E o feijão verde que tenfio.)
Depois de tanta brejeirice é altura de falar mais a sério, mais em termos institucionais. Há dois tipos de associações centradas no bacalhau:
- A Confraria Gastronómica do Bacalhau, sediada na cidade de Ílhavo, a “Capital do Bacalhau”. Tem por objectivos: divulgar as ementas à base de bacalhau, dinamizar as várias maneiras de o confeccionar, bem como divulgar a história da epopeia da faina maior.
- As Academias do Bacalhau, espalhadas pelo mundo da Lusofonia, que reúnem pessoas que independentemente da sua etnia, posição social ou grau de cultura, se congregam sem finalidades políticas, religiosas, comerciais ou lucrativas, para fomentar, encorajar e desenvolver laços de amizade, cooperação, confraternização entre elas, bem como a defesa do prestígio e expansão da Portugalidade, o que passa pela difusão da cultura e valores tradicionais portugueses, assim como pela assistência moral e material aos mais carenciados.
Não queremos terminar sem deixar de apresentar dois apontamentos:
Um deles é para vos dar a conhecer uma receita conhecida por “Bacalhau à Salazar”. Trata-se de bacalhau cozido com batatas, temperado com vinagre, alho e pimenta. De acordo com o inspirador do prato, não leva azeite, pois se o bacalhau for gordo é um desperdício e se for magro, um desperdício é. Trata-se de um prato que não admite reclamações, pois de contrário, a coisa pode dar para o torto.
O outro apontamento é um apontamento de natureza estatutária. Eu quero aqui propor uma alteração aos Estatutos da Academia do Bacalhau de Estremoz. Proponho que o Presidente deixe de se chamar Presidente e se passe a chamar “Bacalhau-Mor”! Estão de acordo? Sim? Está aprovado.
Para a Academia do Bacalhau de Estremoz e para o meu amigo Chico Ramos que teve a coragem de aqui me trazer, sem saber bem onde isto podia ir parar, peço uma calorosa salva de palmas.

domingo, 2 de dezembro de 2012

1º de Dezembro nos Azulejos Portugueses


A REUNIÃO DOS CONJURADOS - Painel de azulejos de finais do séc. XVII representando
a reunião dos Conjurados. Uma fita na parte superior apresenta a legenda “Amor
Constância e Fidelidade” e na parte inferior, “Venturoso Citio, honrosas
conferenciassem que se firmou a Redenção de Portugal”. A reunião ocorrida a 12 de
Outubro de 1640, decorreu no Palácio dos Almada em Lisboa, onde hoje está sediada
a Sociedade Histórica da Independência de Portugal, em cujo Jardim se encontra o
painel de azulejos. Participaram então na reunião, os conjurados D. Antão de Almada, 
António de Saldanha, Jorge de Melo, Francisco de Melo, D. Miguel de Almeida, Pedro
de Mendonça e João Pinto Ribeiro, procurador da Casa de Bragança em Lisboa.

Em 1 de Dezembro de 1640, dá-se a Restauração da Independência de Portugal em relação ao Reino de Espanha, terminando assim o período de 60 anos em que o Reino de Portugal, foi governado pela dinastia de origem austríaca dos Habsburgos, com o fim do reinado de D. Filipe III (conhecido como Felipe IV em Espanha). Como antecedentes da Revolução do 1º de Dezembro de 1640, há a salientar que “Os Conjurados”, um grupo de 40 portugueses, membros da aristocracia do País, se organizou de forma a preparar um plano de libertação de Portugal. Assegurados do apoio popular e de grande parte da aristocracia de Portugal, os Conjurados dirigem-se ao Paço da Ribeira, aniquilam o secretário de Estado, o traidor Miguel de Vasconcelos (1590-1640) e intimam a Duquesa de Mântua (1589-1655), Vice-rainha de Portugal, a renunciar ao poder, proclamando a Independência de Portugal e aclamando João, Duque de Bragança, como rei D. João IV de Portugal (1604-1656), com o cognome de “O Restaurador”, iniciando assim a quarta e última dinastia real, a Dinastia de Bragança


ENTREVISTA DO DUQUE DE BRAGANÇA COM PEDRO MENDONÇA EM 1640 – Painel de
azulejos do séc. XX. Estação da CP de Vila Viçosa.

 
 PARTIDA DO DUQUE DE BRAGANÇA PARA LISBOA A OCUPAR O TRONO EM 1640 – 
Painel de azulejos do séc. XX. Estação da CP de Vila Viçosa.

RESTAURAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA A 1 DE DEZEMBRO DE 1640. Painel de azulejos de
Leopoldo Battistini e da Fábrica Constância, c. 1920. Átrio superior do Palácio Galveias,
Lisboa.

sábado, 1 de dezembro de 2012

1º de Dezembro: Sempre!


COROAÇÃO DE D. JOÃO IV (1908). Quadro de Veloso Salgado (1864-1945). Óleo sobre tela (325 x 285 cm). Museu Militar (Sala Restauração), Lisboa. Representa a aclamação de D. João IV no Terreiro do Paço, tendo o Tejo como fundo e os chefes da conspiração em frente do novo rei. A Restauração da Independência Nacional deu-se em 1 de Dezembro de 1640.

Por pressão da “troika”, o actual Governo pretende resumir o número de feriados em 2012, sejam civis, religiosos ou municipais e banir as pontes nos feriados que se celebram a uma terça ou quinta-feira. As razões invocadas são que por cada dia de paragem, a economia portuguesa perde 40 milhões de euros. Entre os feriados civis a eliminar estão o 5 de Outubro e o 1º de Dezembro.
O feriado do 5 de Outubro tem assinalado até agora a vitória da revolução republicana e a queda da Monarquia a 5 de Outubro de 1910. Com ela ocorreu uma mudança de paradigma. As instituições e símbolos monárquicos (Rei, Cortes, Bandeira Monárquica e Hino da Carta) foram proscritos e substituídos pelas instituições e símbolos republicanos (Presidente da República, Congresso da República, Bandeira Republicana e A Portuguesa), o mesmo se passando com a moeda e as fórmulas de franquia postais. Foi assim que uma Monarquia com oito séculos de existência foi substituída por uma República que tomou o poder nas ruas de Lisboa e depois de o proclamar às varandas da Câmara Municipal, o transmitiu para a província à velocidade do telégrafo.A efeméride do 5 de Outubro, tornado feriado oficial, é comemorada vai para 112 anos. É uma comemoração que não é pacífica. Com efeito, os monárquicos, muito legitimamente, repudiam as comemorações republicanas que assinalam o derrube do regime que defendem e mobilizados pela Causa Real assinalam na mesma data, a fundação da Nacionalidade por D. Afonso Henriques, já que foi a 5 de Outubro de 1143, que se realizou em Leão, a Conferência de Zamora, pela qual o rei Afonso VII de Castela e Leão, foi forçado a reconhecer a Independência de Portugal. Constato que a comemoração do 5 de Outubro se situa no domínio dos temas fracturantes na sociedade portuguesa. Daí que não me choque a sua supressão como feriado civil. O mesmo não direi da abolição do feriado do 1º de Dezembro.
O feriado do 1º de Dezembro, comemorado até ao presente, é evocativo da Restauração da Independência de Portugal, a 1 de Dezembro de 1640, após seis décadas de domínio filipino. É uma efeméride que por isso une todos os portugueses, já que naquela data, Portugal recuperou a dignidade perdida e o direito à sua identidade como Estado-Nação.
Pessoalmente, considero a supressão do feriado do 1º de Dezembro pelo governo português como uma atitude anti-patriótica, a qual vivamente repudio.
Apesar da minha atitude, tudo ficará por aqui, pois o povo português é manso ou pelo menos tem sido até agora. Que se passaria nos EUA, se o Presidente decidisse proclamar que deixaria de ser feriado, o dia 4 de Julho, que marca a Declaração de Independência daquela Nação, face ao Império Britânico, ocorrida em 1776? Que responda quem souber…

Publicado inicialmente em 1 de dezembro de 2012

Painel de azulejos de finais do séc. XVII representando a reunião dos Conjurados. Uma fita na parte superior apresenta a legenda Amor Constância e Fidelidade e na parte inferior, Venturoso Citio, honrosas conferenciassem que se firmou a Redenção de Portugal. A reunião ocorrida a 12 de Outubro de 1640, decorreu no Palácio dos Almada em Lisboa, onde hoje está sediada a Sociedade Histórica da Independência de Portugal, em cujo Jardim se encontra o painel de azulejos. Participaram então na reunião, os conjurados D. Antão de Almada, António de Saldanha, Jorge de Melo, Francisco de Melo, D. Miguel de Almeida, Pedro de Mendonça e João Pinto Ribeiro, procurador da Casa de Bragança em Lisboa.

domingo, 25 de novembro de 2012

Mistérios da Lua


Ilustração de Shannon Stamey

Eu, puto de calções, já nas nuvens e “voyeur” inveterado, a tentar decifrar os mistérios da Lua.
O que seria isso de dizerem que eu quando “estava com a Lua” era insuportável?
E punham-me "arrelíquias" ao pescoço, nas quais se incluíam uma meia-lua, para além duma figa, dum cornicho e dum signo-saimão.
Talvez eu fosse insuportável por andar com a Lua ao pescoço.
Já viram qual era o peso, ainda que só fosse meia Lua?
Era esse peso todo, mais o peso da Tradição. Este foi um peso que sempre carreguei e que tem a ver com os registos armazenados na minha memória de elefante, bem guardada no baú das coisas "Do Tempo da Outra Senhora".
Quando me deu para blogar, digam-me lá qual era o nome que eu havia de pôr ao blogue?

(Post com origem num comentário meu no mural da página do Facebook da minha amiga Francisca de Matos)

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Rainha Santa Isabel, Padroeira de Estremoz


Fig. 1 – Imagem da Rainha Santa Isabel venerada na cidade de Estremoz. Foi oferecida
à  Capela da Rainha Santa Isabel por D. João V, em 1729. Encontra-se actualmente na
Igreja de Santa Maria, no Castelo de Estremoz.


O FALECIMENTO DA RAINHA SANTA ISABEL EM ESTREMOZ
A Rainha Santa Isabel de Aragão (1270-1336), esposa de el-Rei D. Diniz (1261-1325), faleceu no Castelo de Estremoz, com 66 anos de idade, no dia 4 de Julho de 1336, de uma doença súbita surgida quando se dirigia para a raia em missão de apaziguamento entre o filho, D. Afonso IV (1291-1357), e o neto, Afonso XI de Castela (1311-1350). Contra o conselho de todos, D. Afonso quis cumprir o propósito de sua mãe ser sepultada no Mosteiro de Santa Clara. A longa trasladação fez-se sob o sol aceso de Julho e, para assombro de todos, apesar dos grandes calores que se faziam experimentar, o ataúde exalava um perfume tão aprazível que "tão nobre odor nunca ninguém tinha visto", assim se lê na sua primeira e anónima biografia, conhecida por “Lenda ou Relação”, redigida imediatamente após a sua morte, por alguém que de perto com ela conviveu, provavelmente o seu confessor, Frei Salvado Martins, bispo de Lamego, ou então uma das donas de Santa Clara que a assistiram durante o tempo de viuvez.
As virtudes da Rainha, mais tarde considerada Santa, estiveram na origem da sua beatificação por Leão X (1475-1521), em 1516, com autorização de culto circunscrito à Diocese de Coimbra. Em 1556, o papa Paulo IV (1476-1559) torna extensiva a devoção isabelina a todo o Reino de Portugal. Seria o papa Urbano VIII (1568-1664), dada a incorrupção do corpo e o relato dos milagres, quem proclamaria em 1625, a canonização de Isabel de Aragão como Rainha Santa.

A IMAGEM DA RAINHA SANTA ISABEL
Entre igrejas, capelas e ermidas, Estremoz tem 22 edifícios religiosos onde se encontram expostas imagens religiosas que são objecto de culto pelos fiéis. Uma delas é a imagem da Rainha Santa Isabel (Fig. 1 e Fig. 2), Padroeira de Estremoz (Fig. 3), actualmente venerada na Igreja de Santa Maria, no Castelo. Esta imagem encontrava-se até há uns anos atrás na Capela da Rainha Santa Isabel, também no Castelo. A imagem, em madeira policromada, foi oferecida por D. João V (1689-1750), descendente em linha directa da Rainha Santa Isabel e que a seus pés orou, quando visitou a Capela com a sua esposa, D. Mariana de Áustria (1683-1754), em 30 de Janeiro de 1729. A Rainha veste o hábito de freira clarissa, tal como veio morrer a Estremoz. Todavia o véu branco é de viúva e não de clarissa. Na cabeça uma coroa aberta do tipo barroco e na mão um bordão de peregrina, ambos de prata. A mão esquerda segura o regaço, no qual se vêem rosas, alegoria ao lendário “Milagre das Rosas”.

A CONSTRUÇÃO DA CAPELA DA RAINHA SANTA ISABEL
É de salientar que pertenceu à Rainha Dona Luísa de Gusmão (1613-1666), mulher de El-Rei D. João IV (1604-1856), a ideia de adaptar a Capela, os supostos aposentos da Rainha Santa no Castelo de Estremoz, em acção de graças pela vitória do exército português sobre o exército espanhol, na batalha das Linhas de Elvas, travada a 14 de Janeiro de 1659. A Capela que ficou a cargo da Congregação do Oratório de São Filipe Néri, encontrou em El-Rei D. João V (1689-1750) um mecenas e foi sob a sua égide que se concluíram as obras da Capela em 1706.

A TRANSFERÊNCIA DA IMAGEM DA RAINHA SANTA PARA O CONVENTO DOS CONGREGADOS
Durante a 1ª invasão francesa, as tropas napoleónicas, comandadas pelo general Loison (1771-1816), “O maneta”, saquearam a vila de Estremoz em 1808, com especial destaque para a famosa Sala de Armas de D. João V, no Castelo. A esse tempo já os Oratorianos tinham posto a salvo a Imagem da Santa, a sua Relíquia e alguns Vasos Sagrados que secretamente esconderam na sua Congregação. Todavia, os franceses conhecidos pelas suas profanações e impiedades, não só não profanaram a capela, como não tocaram numa única preciosa Alfaia ou Ornamento que ali se guardasse. Tal facto foi pela população atribuído a beneficência da mão de Deus pela intercessão da Rainha Santa.
A 3 de Julho de 1808, véspera da festividade da Rainha Santa, as tropas francesas evacuaram completamente a vila de Estremoz, após activarem minas para arrasarem a Torre da Menagem, o que arrasaria também a Capela da Rainha Santa, contígua à Torre. Para além da horrível explosão, as minas não produziram o efeito desejado, o que foi atribuído a Intervenção Divina, por empenho daquela Santa Advogada.

A TRASLADAÇÃO DA IMAGEM DA RAINHA SANTA PARA A SUA CAPELA
A 11 de Julho os nobres habitantes de Estremoz animados de espírito patriótico e tendo à cabeça o Juiz de Fora, Doutor António Gomes Henriques Gaio, animados de espírito patriótico, sacudiram o jugo do inimigo e entre mil vivas e demonstrações de júbilo, aclamaram como seu único e legítimo Soberano, Sua Alteza Real o Príncipe Regente. Disto chegou notícia ao general Loison que se encontrava na capital e que com infantaria, cavalaria e artilharia, partiu para o Alentejo, com o desígnio de entrar em Évora e em Estremoz e de não deixar pedra sobre pedra. Em Évora, Loison entrou a 29 de Julho, onde apesar da resistência militar e civil, terá saqueado a cidade, causando uma chacina que causou entre 2.000 e 8.000 mortos, conforme os autores, bem como 200 prisioneiros. Daqui se dirigiram para Estremoz, onde não tiveram a menor hostilidade nem com moradores, nem com as casas, nem com os seus bens, partindo depois para Elvas. Em tal facto, foi reconhecida novamente a Intervenção Divina, por empenho da Rainha Santa. Os Oratorianos decidem então promover uma solene e pomposa Festividade de Acção de Graças à Rainha Santa Isabel no dia em que a sua devota imagem fosse transportada para a sua Capela no Castelo, o que aconteceu a 29 de Outubro, dia em que a Igreja soleniza a trasladação do Venerável Corpo da Rainha Santa.
A 20 de Outubro iniciam-se na Capela da Senhora das Dores do Convento do Congregados, preces públicas com o Santíssimo Sacramento exposto, pela extinção dos inimigos do Reino, pela restauração da nossa Monarquia e pela vida e conservação do Príncipe Regente, as quais se repetiram nos dias seguintes até á véspera do dia destinado para a Festividade.
Na tarde do dia 28 de Outubro, a Capela da Senhora das Dores estava vistosamente adornada com a imagem da Rainha Santa colocada num andor, por debaixo de um rico docel. Um excelente coro e orquestra instrumental executaram com elegância uma sinfonia, finda a qual o Capelão deu início às Vésperas. À noite o Convento dos Congregados esteve iluminado, o mesmo se passando com as moradias do Rossio, tendo sido lançado também variado e vistoso fogo de artifício.
Na manhã do dia 29 de Outubro, continuou-se a venerar a Santa Imagem e pelas 11 horas, o Capelão deu início à Missa solene com o Santíssimo Sacramento exposto e com acompanhamento musical. Foi orador o Padre Luiz Marques, da Congregação do Oratório, que traduziu através de douto e emocionado discurso, o reconhecimento da população à Rainha Santa. A terminar, a elevação da Santa Hóstia foi acompanhada do lançamento de fogo de artifício no Rossio, a que correspondeu a guarnição do Castelo com uma salva de artilharia. A cerimónia terminou pelas 14 horas, iniciando-se pelas 16, a procissão que com pompa e circunstância trasladou através das ruas da vila, a sacrossanta imagem da Padroeira até à sua Capela no Castelo.
O desfile através das ruas da vila, iniciou-se com o lançamento de fogo de artifício no Rossio, a que respondeu uma salva de artilharia no Castelo. A Procissão, meticulosa e simbolicamente estruturada, dirigiu-se para a Capela do Castelo, onde a Imagem da Santa foi reposta no seu Altar, seguindo-se sermão de Frei José de Almada, continuado por cânticos, findos os quais a guarda militar disparou três descargas de mosquete, a que respondeu a guarda do Castelo com uma salva de artilharia.

A EXTINÇÃO DAS ORDENS RELIGIOSAS
A assinatura da Convenção de Évora Monte, em 26 de Maio de 1834, que pôs termo à Guerra Civil Portuguesa (1828-1834) entre liberais partidários de D. Pedro IV (1798-1834) e absolutistas partidários de D. Miguel (1802-1866), teve inúmeras consequências. Uma delas foi a extinção das Ordens Religiosas em Portugal. Esta reforma visava aniquilar o que se considerava ser o excessivo poder económico e social do clero, privando-o para tal dos seus meios de riqueza e da capacidade de influência política. Recorde-se que o claro português tinha apoiado em grande parte, o absolutismo e quem ganhou a Guerra Civil foram os liberais. Daí que o Ministro da Justiça, Joaquim António de Aguiar (1792-1843), que viria a ser conhecido por “Mata Frades", redigisse o texto do Decreto de Extinção das Ordens Religiosas, assinado por Pedro IV e publicado em 30 de Maio de 1834. Por esse diploma, eram declarados extintos todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios, e quaisquer outras casas das ordens religiosas regulares (art. 1º), sendo os seus bens secularizados e incorporados à Fazenda Nacional (art. 2º), à excepção dos vasos sagrados e paramentos que seriam entregues aos ordinários das dioceses (art. 3º).
A extinção das Ordens Religiosas, entre elas a Congregação da Ordem do Oratório de S. Filipe Néri, teve reflexos a vários níveis. No caso da Capela da Rainha Santa Isabel, pelo facto de estar sob administração dos Oratorianos, o seu recheio foi posto em hasta pública, sendo a Capela encerrada de seguida.
D. Pedro V (1837-1861) teve consciência que estava em causa a manutenção do venerável culto da Rainha Santa, pelo que confirmou o compromisso da Irmandade da Rainha Santa, a qual recuperou os seus direitos de manutenção material e religiosa da Capela, que teve capelão de missa diária e tesoureiros privativos.

BIBLIOGRAFIA
(1) – CIDRAES, M. Lourdes. Os Painéis da Rainha. Edições Colibri/Câmara Municipal de Estremoz. Lisboa, 2005.
(2) – COSTA, Mário Alberto Nunes. Estremoz e o seu concelho nas “Memórias Paroquiais de 1758”. Separata do Boletim da Biblioteca da Universidade de Coimbra, Vol. XXV. Coimbra, 1961.
(3) – COSTA, Mário Alberto Nunes. Património Religioso de Estremoz. Câmara Municipal de Estremoz. Estremoz, 2001.
(4) - ESPANCA, Túlio. Inventário Artístico de Portugal-Distrito de Évora, Vol.I. Academia Nacional de Belas Artes. Lisboa, 1975.
(5) - MENDEIROS, José Filipe. RAINHA SANTA /Mãe da Paz, da Pátria e de Estremoz. Câmara Municipal de Estremoz. Estremoz, 1988.
(6) – RELAÇÃO DA POMPA E MAGNIFICÊNCIA COM QUE OS PADRES DA CONGREGAÇÃO DO ORATÓRIO DE S. FILIPPE NERI DA VILLA DE ESTREMOZ SOLEMNIZARÃO A TRASLADAÇÃO DA DEVOTA IMAGEM DE SANTA SABEL, RAINHA DE PORTUGAL, Para a sua Real Capela situada na Cidadella da mesma Praça de Armas; e dos motivos, que concorrerão para esta plausível Festividade. Imprensa Régia. Lisboa, 1808. (Fig. 4)

Publicado inicialmente em 21 de Novembro de 2012

Fig. 2 – Imagem da Rainha Santa Isabel quando ainda se
encontrava na sua Capela. A escadaria que dava acesso ao
púlpito e que se vê à direita, também já não existe actualmente.
Cliché de Foto Tony, cerca dos anos 60 do século XX.

Fig. 3 – Rainha Santa Isabel, Padroeira de Estremoz.
Cliché de Foto Tony, cerca dos anos 60 do século XX.
 Fotomontagem mostrando a Rainha Santa pairando sobre
a cidade, numa nítida alegoria a ser sua Protectora.

Fig. 4 – Rosto duma brochura de 14 páginas de autor desconhecido
e editada pela Imprensa Régia em 1808, em Lisboa e na qual se relata
 a trasladação da imagem da Rainha Santa Isabel para a sua Capela a
 partir do Convento dos Congregados, em Estremoz, onde estivera
 escondida para escapar ao saque dos invasores franceses.  

Fig. 5 - O MILAGRE DAS ROSAS. Painel de azulejos (126 x 173,5 cm) de meados do  séc. XVIII,
da autoria de Policarpo de Oliveira Bernardes (1695-1778), pintor e azulejista alentejano,
pertencente ao chamado ciclo dos mestres, período em que se produziram as melhores
peças azulejares, do barroco português. Igreja do Convento de São Francisco, Estremoz. 

Fig. 6 - MILAGRE DA CRIANÇA SALVA DAS ÁGUAS (c. 1725). Teotónio dos Santos (?). Painel
de azulejos (2,60 m x 2,40 m). Capela da Rainha Santa Isabel do Castelo de Estremoz.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

O papel da imprensa local


A imprensa local tem desempenhado desde sempre um papel importante e insubstituível na formação e informação do leitor, o que não deve deixar de se sublinhar.
Ao longo dos anos e por diversos períodos têm coexistido simultaneamente vários jornais em Estremoz. É uma situação indesejável na perspectiva da administração dos jornais, uma vez que assim têm maior dificuldade na angariação de publicidade. Todavia na perspectiva de serviço público, tal coexistência é não só legítima como desejável. É que esses jornais têm estatutos editoriais distintos, praxis jornalísticas diferentes e representam por vezes interesses divergentes: o poder, a oposição, grupos de cidadãos mobilizados por determinadas linhas de pensamento, etc.
Cada um deles tem o seu público-alvo, os seus defensores e os seus detractores. Numa sociedade pluralista é assim, já que o tecido social tem urdidura e trama quanto baste para aguentar tudo isto.
Por vezes há “guerras do alecrim e da manjerona” entre alguns desses jornais, por que determinada “peça” de um teria feito “comichão” na “honra” do outro. E então os jornais transformam-se em trincheiras donde os acólitos assestam baterias sobre os adversários. É um tiroteio útil, pois traz à luz da ribalta, factos que doutra formam ficariam amordaçados e no segredo dos deuses. De resto, lá diz o rifão: “A verdade é como o azeite, vem sempre à tona de água.”.
Para além do inigualável papel que desempenharam no momento e na época em que foram editados, os jornais locais têm ainda uma não menos importante função a desempenhar, que é a de transmitir para a posteridade a memória dessa época. Por vezes são memórias focalizadas, expondo muitas vezes a mera opinião pessoal de quem as registou. Todavia são memórias.
Para o investigador social que à laia de arqueólogo do passado, tenta reconstituir eventos ou polémicas, são verdadeiras ferramentas de trabalho. É que viabilizam a recomposição de uma época, recorrendo a diferentes visões da mesma, já que se uns faziam o ponto, os outros eram inexoravelmente o contraponto.
A Biblioteca Municipal de Estremoz tem um acervo importante de colecções de imprensa local desde o século XIX, que pode ser consultado pelo público, ainda que nalguns casos haja falta de números de determinados jornais. Mas não é esse facto que esteve na origem da presente crónica. Foi um facto de índole mais grave. É que na Biblioteca Municipal de Estremoz não existe um único exemplar do jornal “Voz do Alentejo” que se publicou em Estremoz, entre 1979 (nº1) e 1984 (nº 189) e que coexistiu ainda que não pacificamente com o jornal “Brados do Alentejo”, dirigido por José Dias Sena. A direcção do jornal “Voz do Alentejo” não ofereceu à Biblioteca Municipal de Estremoz, um único exemplar para arquivo, como tem sido timbre dos outros jornais locais. Daí que não se torne possível conhecer hoje em Estremoz, o outro lado do jornalismo. Contudo, talvez essa situação possa ser colmatada. Daí que eu dirija um apelo aos estremocenses que me lêem. Se tiverem em sua posse exemplares do jornal “Voz do Alentejo”, ofereçam-nos à Biblioteca Municipal de Estremoz, visando a reconstituição gradual de uma colecção integral do mesmo. Obrigado. Bem hajam.
Entretanto informo que o referido jornal pode ser consultado no Arquivo Distrital de Évora.
[Publicado no nº 797 (15-11-2012) do jornal "Brados do Alentejo"]