terça-feira, 15 de setembro de 2015

Foi como se tivesse recebido um tiro à queima-roupa

Hernâni Matos (Fotografia de Miguel Belfo). 

Como  noticiámos na última edição do jornal E, a Câmara Municipal de Estremoz declarou a caducidade do protocolo de cedência de instalações no Centro Cultural Dr.Marques Crespo, que tinha assinado com a Associação Filatélica Alentejana (AFA) e deu 30 dias à associação liderada por Hernâni Matos, para entregar as instalações. A sociedade e os agentes culturais estremocenses agitaram-se, mas a autarquia manteve a decisão. Passado esse tempo, impõe-se ouvir o que Hernâni Matos tem a dizer sobre a saída da AFA do Centro Cultural.

Miguel Belfo, Hugo Silva


E - Como recebeu a notícia?
HM - Foi como se tivesse recebido um tiro à queima – roupa. Não estávamos à espera. Tínhamos sido ali alojados por proposta do vereador Júlio Rebelo aprovada em sessão do Município, no final do mandato em 2005 e que deu origem a um protocolo de cedência de instalações, subscrito pelo presidente do Município Luís Mourinha, então membro da CDU e por mim próprio.
Júlio Rebelo perdeu as eleições seguintes, mas o executivo PS eleito, presidido por José Fateixa, honrou o protocolo anterior, o qual foi renovado em finais de 2006, subscrito por José Fateixa e por mim. Uma das cláusulas de caducidade do contracto de cedência de instalações era a invocação pelo Município da necessidade das mesmas, que foi o que agora aconteceu. Daí que não tivéssemos outra solução senão sair, que foi o que fizemos, tendo entregue as chaves das instalações na data limite fixada pelo Município. Na oportunidade, agradecemos todo o apoio anteriormente concedido e que remonta a 1983.
E – Acha que o Município tem efectivamente necessidade das instalações utilizadas pela AFA, visando fins de Arquivo Municipal?
HM – Creio que sim, uma vez que tenho conhecimento que o Arquivo Municipal está disseminado por vários locais e nalguns casos a documentação está em risco, o que não pode acontecer, visto que essa documentação é a memória escrita do concelho. Todavia não posso deixar de realçar que, se por um lado, as instalações utilizadas como sede reúnem condições para albergar parte do Arquivo Municipal, já a sala de exposições, nem lá perto, uma vez que essa sala dá acesso ao Museu Rural e à sala de exposições de A BILHA projecto de arte, de Carlos Godinho. A não ser que o Município erga algumas paredes nessa sala, não é viável utilizá-la para fins de arquivo. De resto, as condições ambientais não são as melhores. Mas o Município lá sabe.
E – Que medidas tiveram que tomar na sequência da decisão do Município?
HM - Em primeiro lugar a procura de um espaço público onde as duas colecções de bonecos de Estremoz e a colecção de olaria, pudessem ser visitadas. Em segundo lugar a necessidade de nos descartarmos de enorme quantidade de equipamento, ficando só com aquele que se adequasse ao espaço a alugar. Esse descarte foi concretizado e o espaço foi alugado. Só a procura de espaço público para expor a barrística de Estremoz se gorou.
E - O que aconteceu?
HM - Contactámos o Engº Rui Dias, Director Executivo da Associação “Centro Ciência Viva de Estremoz”, que foi visitar à sala de exposições da AFA, as duas colecções de bonecos de Estremoz e a colecção de olaria. Dissemos-lhe que íamos dali embora e gostaríamos que as colecções ficassem num espaço público visitável. Como o Centro Ciência Viva se debruça sobre as Ciências da Terra e o barro é uma rocha sedimentar, parecia-nos que as colecções poderiam ali ficar, se no Centro houvesse um espaço disponível. Seria uma parceria mutuamente enriquecedora. O Engº Rui Dias ficou entusiasmado com a proposta, declarando que haveria que celebrar um protocolo, pedindo-lhe eu que fosse ele a fazê-lo depois de férias, a partir de outros já existentes. Tudo ficou acordado pela palavra entre homens de bem. Há disso testemunhas. Disse-nos ainda que as colecções poderiam ir para lá quando quiséssemos. Em primeiro lugar foram transportadas as colecções com as peças acondicionadas em grades, que ficaram no rés-do-chão, à espera de poderem ir para o 2º andar, para a sala que lhes fora destinada. Quando a sala foi limpa, transportámos para lá 13 estantes exposicionais, 39 prateleiras, 13 vidros e uma roda de oleiro, com recurso a carregadores contratados, os quais tiveram que vencer 2 lances de escada, pois o monta-cargas estava avariado. Após o equipamento estar todo montado e limpo, só faltava levar para lá, as grades com as colecções a montar. Antes de isto acontecer, sou contactado pelo Eng Rui Dias que me disse que o nosso acordo verbal estava sem efeito, que ele tinha cometido um erro e que tínhamos de levar tudo dali para fora. Por mais que insistisse para que me dissesse qual tinha sido o erro, recusou-se a fazê-lo, o que terá de fazer depois do seu regresso de férias, uma vez que não posso aceitar que não o faça. Voltou então tudo à estaca zero e tivemos que transportar dali para fora tudo o que tínhamos levado e não foi pouco.
E - E depois?
HM - Depois pensámos na Escola Secundária da Rainha Santa Isabel, que era um local igualmente adequado, pois na Escola houve cursos de olaria e foi graças à acção de Sá Lemos, director da Escola, que nos anos 30 do século passado, renasceram os bonecos de Estremoz. Para além disso existia já um espaço, dedicado à memória da Escola. Nesse sentido contactámos o actual director da Escola, professor José Salema, que nos informou que tal não era viável, uma vez que o espaço ainda disponível, iria ser utilizado na exposição de trabalhos antigos de alunos, de acordo com projecto do Conselho Directivo. Tivemos pena, mas foi a realidade crua e dura.     
E – Como viu a solidariedade de que foi alvo, tal como a AFA?
HM - Ficámos sensibilizados, por que corresponde ao reconhecimento do que fizemos em termos culturais. Foi no vosso jornal, a palavra amiga de 5 ex - Vereadores da Cultura, bem como de duas figuras cimeiras da cultura local. Mas foi também na rua, a solidariedade do povo anónimo. A todos o nosso muito obrigado. Bem hajam!
E - Neste momento qual é o ponto da situação?
HM - Estamos em compasso de espera. Há que “Bailar conforme a música” e ter em conta que “Há mais marés que marinheiros”, bem como “Mudam os ventos, mudam os pensamentos”. “ A ver vamos como diz o cego”.
E – Quer comentar tudo o que se passou?
HM – Faço-o, citando um dos livros da Bíblia: “Pai, perdoa-lhes; porque não sabem o que fazem.” (Lucas 23 34).
E – Que mensagem deixa aos nossos leitores?
HM – Citarei apenas Manuel Alegre na “Trova do Vento que passa”: “Mesmo na noite mais triste/ em tempo de servidão/ há sempre alguém que resiste/ há sempre alguém que diz não.”

20 comentários:

  1. Espero sinceramente que haja uma rapida solucao.
    Nao se pode deixar por terra tanta historia.
    Como diria um amigo meu: "nem que seja numa tipica adega aberta ao publico".
    Acredito numa rapida solucao.

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  2. Caro Hernâni,
    É extraordinário o trabalho consistente, regular e de qualidade inquestionável que faz, divulgando a nossa História como muito pouco se conhece ou se lembra, remoçando-nos a memória!
    Ainda bem que está aí. É graças a si, e a poucos como o Hernâni, que ficamos com a certeza que vale a pena seguirmos o nosso caminho!!!
    Obrigada por tudo, porque além da História temos cultura contemporânea, que só enriquece quem o lê!!
    Cordiais cumprimentos, Eduarda.

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    1. Eduarda:
      Obrigada pelo seu comentário e pelo interesse manifestado.
      Os meus cumprimentos.

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  3. Caro amigo Hernani
    Fiquei estupefacta com o sucedido. Vê-se a cada passo por este País fora, que história e património nas suas diversas vertentes, não interessam, é desprezado, ignorado. O amigo citou Manuel Alegre, eu direi um ditado popular. "Os cães ladram mas a caravana passa"! E passará certamente. Bem haja pela perseverança.

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  4. Com tanto espaço livre no Palácio dos Marqueses de Monforte e Praia, não lugar para tão importante coleção? E com candidatura a Património da Humanidade? É espantoso!!!! Coragem e muitos parabens pelo trabalho desenvolvido!

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    1. Teresa:
      Obrigado pelo seu comentário.
      Os meus cumprimentos.

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    2. Parabéns pelo esforço q tem exercido pela cultura. Há sempre alguém q resiste. Estamos consigo e contra aqueles que menosprezam a história cultural. Obrigada Amigo Hernâni. Continue.

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    3. Obrigado, Lina.
      Os meus cumprimentos.

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  5. Embora desconhecendo o real trabalho realizado pela associação, sou contra. Por princípio, sou sempre contra qualquer medida que prejudica a cultura e que é justificada por uma qualquer razão. Razões, reais ou virtuais, é o que não falta. Infelizmente, a cultura vai faltando...

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  6. Lamento caro amigo o sucedido com a AFA. O Coleccionismo nem sempre é visto como Cultura pelas edilidades. E ainda por cima com colecções/exposições permanentes relacionadas com a terra/região. Não haverá um cantinho (e interesse,claro) na antiga Escola Técnica?...
    Também nós, em Setúbal, estamos num espaço cedido pela CMS (CDU)...mas a troco de uma renda mensal. Talvez assim seja mais seguro. Ou não? Por isso, um grande abraço e boa sorte, pois nem sempre é pelo merecimento que as coisas acontecem.

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    1. José:
      Na minha entrevista, eu fala na hipótese da Escola Industrial, que também se gorou.
      Obrigado pelo teu comentário.
      Um grande abraço para ti.

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  7. Já nada me espanta. A falta de palavra, a mentira, o deixa andar, é apanágio de gente que se serve... e não serve!
    Força e nada de desânimos! Mas que custa, custa!...
    Um abraço, amigo Hernâni .
    mfernanda/.

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    1. Fernanda:
      Obrigado pelo seu comentário.
      Eu sou da natureza de não me render.
      Os meus cumprimentos.

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  8. Meu caro Hernâni Matos ao ler a tua entrevista percebo nas entrelinhas como estás magoado com toda esta situação? Enquanto a lia lembrei-me : e a vivenda onde estava a GNR? era um local central, airoso e situa-se numa das avenidas mais bonitas de Estremoz. Não sei a quem pertence, mas parece-me uma vivenda tão simpática para albergar as tuas colecções. É só mais uma das muitas sugestões que já te devem ter dado nestes últimos dias. Um beijo da amiga Zuzu

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